Artigo: Aquisição de Medicamentos por parte da Administração Pública
- 16 de julho de 2019
- Posted by: Inove
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Inicialmente, destaca-se que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37 inciso XXI, determina que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ressalvados os casos previstos na legislação, obedeçam ao procedimento licitatório para as contratações de obras, serviços compras e alienações, em igualdade de condições a todos os concorrentes, de modo a permitir a seleção da proposta mais vantajosa para contratar com o Poder Público, de acordo com o critério de julgamento estabelecido em lei e adotado pelo edital.
A Lei de Licitações, especificamente, traça regras básicas e diretrizes a serem adotadas quando da realização de um procedimento licitatório pela Administração Pública. Ela também estabelece alguns princípios jurídicos aplicáveis, dentre os quais se destacam a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a igualdade, a publicidade, a probidade administrativa, a vinculação ao instrumento convocatório e o julgamento objetivo das propostas, admitindo a aplicação de outros que lhe são correlatos.
As aquisições de medicamentos no serviço público são realizadas mediante processo licitatório, com a demonstração de uma ampla concorrência entre participantes. Contudo, considerando que os recursos são finitos, o desafio dos gestores públicos é o planejamento do processo de aquisição de medicamentos, face os desafios impostos em uma gestão pública.
De acordo com a Lei nº 10.742, de 06 de outubro de 2003, as compras públicas de medicamentos são regulamentadas pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, que tem competência para estabelecer critérios para fixação e ajustes de preços de medicamentos a serem observados pelos representantes, distribuidores, farmácias e drogarias, juntamente com a ANVISA, que exerce o papel de Secretaria-Executiva da Câmara.
O objetivo deste estudo foi fazer uma abordagem sobre este tema, um tanto quanto delicado, e apresentar algumas premissas básicas a serem observadas na elaboração de um procedimento licitatório visando aquisição de medicamentos.
Considerando a aquisição de medicamentos de “A á Z”, de referência, similares, genéricos e biológicos, levando em conta o maior desconto sobre a tabela de preços CMED, e ainda, determinações judiciais demandadas em face do Poder Público;
Considerando o entendimento emanado por parte do Tribunal de Contas de Minas Gerais, do Tribunal de Contas da União e Doutrinário;
Considerando a necessidade de se pautar o procedimento licitatório em questões técnicas que não afetem a lisura do procedimento licitatório e nem a sua ampla competitividade; Passo a expor nos seguintes termos:
Conforme dispõe o artigo 15, inciso V, da Lei Federal nº 8.666/1993, as compras, sempre que possível, deverão balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e das entidades da Administração Pública. Como fonte de pesquisa de preços, podem-se utilizar, ainda, preços constantes em Atas de Registro de Preços; Preços para o mesmo objeto com contrato vigente no órgão promotor da licitação; Pesquisa no comércio da região; Pesquisa publicada em mídia especializada; Sítio eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenha a data e hora de acesso, Banco de Preços em Saúde, Contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 dias anteriores à data da pesquisa de preços; Pesquisa no Portal de Compras Governamentais, pesquisa direta com fornecedores, dentre outras fontes.
É conveniente à Administração Pública garantir em seus orçamentos, que o preço informado seja compatível com aquele que é realmente praticado no mercado. A pesquisa de preços é o que fundamenta o julgamento da licitação, definindo o preço de referência. O preço de referência tem diversas finalidades, tais como: suporte ao processo orçamentário da despesa; definição da modalidade de licitação conforme a Lei 8.666/93; fundamentar critérios de aceitabilidade de propostas; fundamentar a economicidade da compra ou contratação ou prorrogação contratual; justificar a compra no sistema de registro de preços.
Nesse sentido, é recomendável que a aquisição de medicamentos seja precedida de ampla pesquisa mercadológica a fins de levantamento dos preços reais praticados no mercado, e ainda, visando à formação de Cesta de Preços Aceitáveis, lembrando que os orçamentos discrepantes precisam ser desconsiderados.
Acerca da utilização da Tabela CMED como parâmetro para elaboração de orçamento, tal prática não vem sendo recomendada por parte do Tribunal de Contas da União. A jurisprudência é categórica quanto à sua precariedade (Acórdãos 2.150/2015-TCU-Plenário, Ministro Relator Bruno Dantas, e 3.016/2012-TCU-Plenário, Ministro Relator Walton Alencar Rodrigues). Além disso, argumentam que há uma distorção entre os preços-teto da CMED e o valor efetivamente praticado no mercado.
“Os preços referenciais apresentados nas tabelas da CMED não são elaborados para refletir os valores de mercado, mas, sim, com o objetivo de regular os preços de medicamentos no Brasil. Vale destacar que a Auditoria Operacional realizada pelo TCU constatou, à época, preços da tabela CMED significativamente superiores aos praticados em compras públicas, havendo casos em que ultrapassavam 10.000%.”
Outro ponto a comentar, refere-se a ausência de previsão das quantidades a serem demandas pela Administração Pública, referentes a cada medicamento e insumos necessários ao atendimento populacional.
A Corte de Contas Mineira tem recomendado que as quantidades a serem apostas nos editais de licitação, que preveem o SRP, sejam estimadas, com relativa precisão, tendo como parâmetros contratações anteriores e necessidades atuais.
A Controladoria-Geral da União (CGU) lançou uma cartilha intitulada Sistema de Registro de Preços, com perguntas e respostas, sendo uma das perguntas sobre a estimativa do quantitativo a ser demandado pela Administração Pública, a conferir:
“É possível a realização de licitação por meio de registro de preços sem a prévia estimativa do quantitativo a ser demandado pela Administração Pública? Não. O disposto no inciso IV, art. 3º do Decreto n. 7.892/2013, que prevê a possibilidade de se adotar o sistema de registro de preços quando não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração, não pode ser entendido como uma autorização para que a Administração Pública não defina, ainda que de forma estimativa, as quantidades que poderão vir a ser adquiridas durante a validade da ata de registro de preços. Não é razoável acreditar que o Decreto, com tal dispositivo, tenha objetivado autorizar a Administração a não selecionar a proposta mais vantajosa para aquisição dos bens e/ou serviços e a descumprir princípios constitucionais.”
Vale frisar que a aquisição de medicamentos e insumos é uma necessidade contínua, exigindo que a Administração Pública realize o planejamento destas aquisições, com estimativa da quantidade a ser executada no exercício em função das requisições anteriores e de utilização prováveis, podendo ser programadas para todo o exercício, observando o que dispõe o inciso II § 7º do artigo 15, da Lei Federal n.º 8.666/93.
Desta feita, recomenda-se uma estruturação de dados, através de ampla pesquisa nos Postos de Saúde e, em todos aqueles lugares em que há uma prestação de serviços médicos, visando a sua estruturação.
Nesta toada, para as compras públicas de medicamentos, é obrigatória à aplicação do CAP – Coeficiente de Adequação de Preço por parte do fornecedor. Este desconto, mínimo, incide sobre o preço fábrica (PF) de alguns medicamentos nas compras realizadas pelos entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, resultando no PMVG, que é o maior preço permitido para venda do medicamento a esses entes públicos. O CAP deve ser aplicado sobre o PF dos medicamentos excepcionais (alto custo ou para uso continuado), dos hemoderivados (derivados do sangue) e dos indicados para o tratamento de DST/AIDS e câncer. O CAP também se aplica nas compras públicas de qualquer medicamento adquirido por força de decisão judicial.
Havendo recusa de aplicação do CAP pelo fornecedor, o gestor deve comunicar o fato a CMED e ao Ministério Público e demonstrar, minuciosamente, que agiu com vistas ao cumprimento da norma, explicitando as razões pelas quais não foi possível a compra do medicamento com base no preço máximo de venda ao governo, sob pena de ser considerado responsável por contratação antieconômica e danosa aos cofres públicos.
Tal posicionamento ressoa ao entendimento da Orientação Interpretativa nº 02/2006 expedida pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, senão vejamos:
“Nos fornecimentos para órgãos públicos através de licitações ou não, o Distribuidor é obrigado a vender os produtos, tendo como referencial máximo o preço fabricante.
Preço Fabricante é o teto de preço pelo qual um laboratório ou distribuidor de medicamentos pode comercializar no mercado brasileiro um medicamento que produz; considerando que a Lei nº 10.742, de 6 de outubro de 2003, que define normas de regulação para o setor farmacêutico e cria a CMED é aplicada às empresas produtoras de medicamentos, bem como às farmácias e drogarias, aos representantes, às DISTRIBUIDORAS DE MEDICAMENTOS e a quaisquer pessoas jurídicas de direito público ou privado que, de alguma maneira, atuem no setor farmacêutico.
Em qualquer operação de venda efetivada pelas empresas produtoras de medicamentos ou pelas distribuidoras, destinada tanto ao setor público como ao setor privado, deverá ser respeitado, para venda, o limite do Preço Fabricante, uma vez que o Preço Máximo ao Consumidor é o preço máximo permitido na venda de um medicamento no varejo, podendo ser praticado somente pelas farmácias e drogarias.
Assim, o Preço Máximo ao Consumidor é o preço a ser praticado pelo comércio varejista, ou seja, farmácias e drogarias; e o Preço Fábrica é o teto de preço pelo qual um laboratório ou distribuidor de medicamentos pode comercializar no mercado brasileiro um medicamento, já incorrendo em todos os custos de comercialização, quando o laboratório realiza a comercialização diretamente ao setor varejista; ou concede um desconto em seu preço para que a empresa distribuidora possa cobrir seus custos advindos da distribuição do medicamento ao setor varejista e também pratique o Preço Fábrica.”
Ressalta-se que o Centro de Fiscalização e de Gestão de Informações Estratégicas – SURICATO, Órgão do Tribunal de Contas de Minas Gerais, vem atuando fortemente na fiscalização das aquisições de medicamentos acima dos preços de referência apresentados pela Câmara de Regulação de Mercado do Medicamento – CMED, comparados com os dados obtidos pelos inspetores do Tribunal com as tabelas de preços elaboradas pelo Sistema de Acompanhamento do Mercado de Medicamentos – SEMMED.
Dessa forma, por intermédio da SURICATO, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais tem entendido que tal prática cometida pelos gestores é irregular, impondo-lhes assim, o dever de ressarcimento da quantia dispendida para a aquisição destes, sem prejuízo da aplicação de multa.
Desta feita, considerando todo o exposto, para compras de medicamentos por parte da Administração Pública, recomenda-se as seguintes providências:
- Criação de Banco de Dados, contendo informações detalhadas, tais como, quantitativos e descritivos de todos os medicamentos e insumos demandados;
- Realização de pesquisa mercadológica de forma ampla;
- Criação da Cesta de Preços Aceitáveis;
- Observância da aplicação do Coeficiente de Adequação de Preços – CAP, por parte dos fornecedores de medicamentos;
Thalisson Batemarque Silva – Consultor Jurídico na área de Licitações e Contratos, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, cursando MBA em Licitações e Contratos pela Faculdade FAEL e, com experiência em orientações, esclarecimentos e soluções de dúvidas e assuntos jurídicos relacionados às Licitações e Contratos.