Ponderação entre o Ius Variandi e o princípio da inalterabilidade do objeto nos Contratos Administrativos
- 6 de novembro de 2019
- Posted by: Inove
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O presente artigo busca fazer uma análise acerca das alterações dos contratos administrativos – ius variandi, ponderando-as com o princípio da inalterabilidade do objeto. Nesse contexto, teremos uma breve análise do conceito e das características dos contratos administrativos em sentido estrito. Na sequência, serão verificadas as questões que envolvem a possibilidade de alteração contratual, tendo como fundamento as cláusulas exorbitantes e o fenômeno dos “motivos supervenientes”. Diante disso, teremos um aprofundamento nas hipóteses de alteração contratual – unilaterais e consensuais, previstas em lei. E, por fim, o princípio da inalterabilidade do objeto será trazido, dispondo suas limitações ao exercício do ius variandi.
Introdução
O presente artigo busca fazer uma análise acerca das alterações dos contratos administrativos – ius variandi, ponderando-as com o princípio da inalterabilidade do objeto.
Nesse contexto, preliminarmente, serão trazidos à baila o conceito e as características dos contratos administrativos em sentido estrito, que darão suporte ao instituto da modificação contratual.
Na sequência, os estudos serão focados na possibilidade de alteração dos contratos administrativos – o ius variandi, tendo como fundamento as cláusulas exorbitantes que estão presentes nos contratos administrativos. Nessa esteira, traremos a importância dos “motivos supervenientes” para dar sustentação às modificações contratuais.
Nessa toada, será de suma importância a análise das hipóteses de alteração contratual que estão previstas no art. 65 da Lei 8.666/93, que já estabelecem uma limitação legal ao direito de efetuar modificações no contrato. Essas hipóteses contemplam alterações contratuais que podem ser impostas unilateralmente pela Administração e alterações contratuais que só podem ser implementadas com a concordância do particular contratado, ou seja, de forma consensual.
Por fim, traremos o princípio da inalterabilidade do objeto, o qual estabelecerá limitações ao ius variandi, impedindo que eventuais modificações trazidas ao contrato desconfigurem o seu objeto.
Contratos administrativos – conceito e características
No estudo dos contratos administrativos, o primeiro aspecto a ser aventado diz respeito ao seu conceito. No Direito Brasileiro, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, contrato administrativo pode ser definido como um ajuste que a Administração Pública celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, utilizando-se de um regime de direito público, tendo como objetivo a consecução de fins públicos.
A doutrina, não de forma pacífica, costuma diferenciar o conceito de “contrato administrativo” em relação aos chamados “contratos da Administração”. Ainda segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, estes últimos trariam para si um conceito mais amplo, pois abrangeriam todos os contratos celebrados pela Administração Pública, seja sob o regime de direito público, seja sob o regime de direito privado.
Nessa esteira de definições conceituais, o professor Ricardo Marcondes Martins, em seu artigo denominado “Contratos Administrativos”, reconhece a existência de três posições na doutrina brasileira sobre os contratos administrativos. No entanto, o autor defende alguns vícios metodológicos nessas posições, e propõe um conceito de contrato administrativo voltado para a teoria dos atos. Com isso, os contratos administrativos em sentido estrito seriam considerados atos administrativos bilateriais, representando, nesse conjunto, atos em que as partes possuem interesses contrapostos, ou seja, a Administração pretende satisfazer um interesse público, ao passo que o administrado deseja concretizar seu interesse pecuniário.
Não sendo o objetivo deste trabalho esgotar o estudo de todos os conceitos de contratos administrativos trazidos pela doutrina brasileira, adotamos para fim do presente artigo, as acepções de contrato administrativo trazidas por Marçal Justen Filho, que dispõe que, num sentido amplo, este instituto consistiria num acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, nos termos da lei, sendo que uma das partes atua no exercício da função administrativa. O autor dispõe, ainda, que o gênero “contrato administrativo” comporta várias espécies, quais sejam, os acordos de vontade da Administração (convênios públicos, contratos de gestão, termos de parcerias, consórcios públicos, contratos de fomentos e Termos de Ajustamento de Conduta); os contratos administrativos num sentido estrito (contratos de colaboração e contratos de delegação) e os contratos de direito privado.
Iremos focar nossa análise nas relações estabelecidas pelos contratos administrativos em sentido estrito, que apresentam um regime publicístico, por meio do qual se atribui à Administração Pública uma série de prerrogativas, denominadas “cláusulas exorbitantes”, que terão mais detalhamento adiante. Essa espécie contratual abrange os contratos de colaboração (compras, serviços, obras e alienações) e os contratos de delegação (concessões de serviços públicos).
Os contratos administrativos em seu sentido próprio e restrito, apresentam as seguintes características: presença da Administração Pública como Poder Público; finalidade pública; obediência à forma prescrita em lei; procedimento legal; natureza de contrato de adesão; natureza intuitu personae; presença de cláusulas exorbitantes e mutabilidade. Estas duas últimas características terão um aprofundamento neste estudo, em face do tema abordado.
Possibilidade de alteração contratual – “ius variandi”
O regime jurídico publicístico traz para os contratos administrativos as chamadas “cláusulas exorbitantes”, arroladas no art. 58 da Lei 8.666/93. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, as cláusulas exorbitantes não seriam comuns ou então seriam consideradas ilícitas num contrato celebrado entre particulares. No entanto, num contrato no qual a Administração Pública é parte, essas cláusulas iriam conferir a ela prerrogativas, colocando-a em posição de supremacia sobre o contratado.
Antonieta Pereira Vieira e Madeline Rocha Furtado destacam que a presença da Administração Pública nos contratos administrativos é verificada por meio da sua soberania sobre os particulares, manifestando-se pelas cláusulas exorbitantes, que expressam a sobreposição de uma parte contratual sobre a outra, ou seja, a Administração (contratante), exercendo seu poder sobre a outra parte (contratado).
Ricardo Marcondes Martins afirma, inclusive, que sempre que a Administração Pública estiver presente numa relação jurídica, estão configuradas situações de supremacia e de privilégio na proteção dos interesses sociais.
Podemos citar como cláusulas exorbitantes:
- A faculdade da Administração de exigir garantia de execução contratual, nos termos do art. 56, § 1º., da Lei 8.666/93;
- A possibilidade de rescisão unilateral do contrato por parte da Administração, com fundamento nos arts. 78, I a XII e XVII e 79, I, da Lei 8.666/93;
- A prerrogativa de que o contrato seja acompanhado e fiscalizado pela Administração, com base no art. 67 da Lei 8.666/93;
- A possibilidade da Administração aplicar sanções de natureza administrativa na hipótese de inexecução total ou parcial do contrato pelo contratado, dispostas no art. 87 da Lei 8.666/93;
- O poder-dever da Administração de anular seus próprios atos, quando estes contrariam a lei, tendo como alicerce a Súmula 473, do STF, baseada no princípio da autotutela.
- A prerrogativa de retomada do objeto, com supedâneo no art. 80 da Lei 8.666/93, com o objetivo de garantir a continuidade da execução contratual;
- As restrições ao uso da exceptio non adimpleti contractus, em razão dos princípios da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público sobre o particular.
- A possibilidade de alteração unilateral do contrato – ius variandi – nos termos do art. 65 da Lei 8.666/93.
A prerrogativa de modificação dos contratos tem como objetivo possibilitar a melhor adequação dos termos contratuais às finalidades de interesse público. Portanto, o poder de modificação dos contratos administrativos trata-se de uma competência deferida à Administração. Fernando Vernalha Guimarães explicita que no âmbito da relação jurídico-contratual administrativa, a Administração Pública deverá exercer a tutela do objeto do contrato, cuidando para que a prestação esteja de acordo com as necessidades públicas envolvidas. Sendo assim, desde que o interesse público venha a impor novas condições de prestação, não há dúvidas de que a Administração Pública deva alterar os termos contratuais com o fito de estabelecer essa nova necessidade.
Esse, inclusive, é o entendimento de Agustín Gordillo, que nos ensina que a mutabilidade do contrato é um dado característico dele e, manifestada a circunstância de interesse público que o justifica, seria possível adaptá-lo ou modificá-lo, representando uma flexibilidade frente à rigidez dos contratos de direito privado.
Temos que o ius variandi irá refletir, portanto, um poder administrativo que trará para a Administração a possibilidade de interferir diretamente na relação jurídico-contratual, com vistas ao atendimento do interesse público.
García de Enterria e Fernández, inclusive, definem o ius variandi como a mais espetacular das singularidades do contrato administrativo.
Nessa esteira, Celso Antonio Bandeira de Mello dispõe a questão de que a permanência do vínculo e das condições preestabelecidas estão sujeitas a imposições de interesse público que podem se alterar durante a relação contratual, no entanto sempre ressalvando os interesses patrimoniais do contratado privado.
No entanto, há que se destacar que essa necessidade de alteração deverá estar fundada em motivos supervenientes. Marçal Justen Filho afirma que é preciso evidenciar que a alteração decorre de um fato ocorrido ou apenas descoberto depois da instauração. Para o autor, não teria sentido firmar um contrato nos exatos termos licitados, para depois promover alterações fundadas em eventos pretéritos que já fossem conhecidos de antemão pela Administração, pois isso iria violar a seriedade do processo licitatório e, consequentemente, a regra de vinculação ao instrumento convocatório.
A própria jurisprudência dos Tribunais de Contas sinalizada sobre a necessidade de que as modificações contratuais tenham por fundamento motivo superveniente à assinatura da avença.
Finalmente, Joel de Menezes Niebuhr leciona que a alteração contratual somente se justifica em face de fatos novos e imprevisíveis. Ademais, esses fatos deverão ter força bastante para alterar a demanda do interesse público. Portanto, se não existirem fatos novos e imprevisíveis, essa alteração contratual poderá ser considerada ilegítima e ilegal.
Alterações contratuais unilaterais
As hipóteses de alteração contratual estão previstas no art. 65 da Lei 8.666/93 e já trazem uma primeira limitação ao ius variandi. Essas hipóteses contemplam alterações contratuais que podem ser impostas unilateralmente pela Administração e alterações contratuais que só podem ser implementadas com a concordância do particular contratado, ou seja, deverão ser feitas de comum acordo entre as partes. Examinemos, primeiramente, as alterações contratuais unilaterais.
Elas estão dispostas no art. 65, I, “a” e “b” da Lei 8.666/93, e contemplam modificações decorrentes de alteração do projeto ou especificações ou de alteração do valor contatual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto.
Quando houver necessidade de modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos, teremos uma hipótese de modificação contratual de ordem qualitativa. Ela deverá ser decorrente de situações em que se verifica posteriormente que a concepção original em que se fundamentou a contratação está inadequada, ou então de situações que embora fossem preexistentes, não eram de conhecimento das partes. Marçal Justen Filho entende que os casos de inovação tecnológica também fundamentam essa hipótese de alteração, objetivando assegurar a obtenção de objetos mais adequados e satisfatórios, evitando o recebimento de prestações que já estariam obsoletas.
A outra hipótese contempla as modificações que visam a adequar quantitativamente o objeto da contratação, nos limites estabelecidos pela Lei de Licitações. Nesse sentido, o § 1º. do art. 65 prescreve que o contratado fica obrigada a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. O § 2º dispõe que nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder esses limites, exceto supressões resultantes de acordo celebrado entre as partes.
Portanto, embora o artigo contemple modificações que poderiam ser impostas unilateralmente pela Administração, ele também estabelece limites para essas alterações, dispondo circunstâncias em que elas podem interferir na esfera de direitos do contratado e, por essa razão, precisam ser feitas de forma consensual.
Inclusive, há que se destacar que outros dispositivos do art. 65 trazem garantias para o contratado, como forma de estabelecer limites para as alterações ditas unilaterais, bem como para a preservação da equação econômico-financeira da contratação.
Marçal Justen Filho acrescenta que o particular não pode se opor ao conteúdo das alterações pretendidas pela Administração, tanto com relação à alteração do projeto quanto no que tange às quantidades. Porém, dispõe que a determinação das condições de remuneração não podem ser impostas de forma unilateral pela Administração.
Por fim, destacamos que as modificações unilaterais, para serem legítimas, deverão estar devidamente fundamentadas pela Administração, com demonstrativos da necessidade dessas alterações para atendimento do interesse público, de que a solução proposta é adequada e, principalmente, dispondo que essas alterações são vantajosas para a Administração.
Alterações contratuais por acordo entre as partes
As hipóteses de alterações contratuais por acordo entre as partes estão previstas no art. 65, II, “a” a “d” da Lei 8.666/93. Elas contemplam:
- A possibilidade de substituição da garantia prestada à Administração na execução contratual, desde que a nova preencha os requisitos do instrumento convocatório, bem como as próprias limitações impostas pela Lei 8.666/93, em seu art. 56. Presume-se que a Administração apenas poderá se opor a essa modificação no caso de a nova modalidade de garantia a ser prestada não atender a requisitos formais e materiais que foram fixados na contratação.
- A possiblidade de modificação do regime de execução ou do modo de fornecimento, quando se constatar que previsão original mostra-se inadequada no momento da execução contratual. Neste caso, Marçal Justen Filho orienta que se a Administração verificar que o particular não possui condições técnicas (ou de outra natureza) para executar o contrato com o novo regime de execução ou modo de fornecimento, o ajuste deverá ser rescindido, inclusive com indenização ao contratado por perdas e danos, adotando providências para uma nova contratação com quem tenha esses requisitos.
- A possibilidade de alteração das condições de pagamento estabelecidas no contrato, por imposição de circunstâncias supervenientes. Nesse caso, deverá ser mantido o valor inicial atualizado, sendo vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação. Essa alteração exige cautela por parte do administrador por ocasião de sua eventual aplicação. Marçal Justen Filho alerta que se essa alteração tornasse o contrato mais vantajoso para o particular, isso representaria um vício para o contrato, pois os outros terceiros que soubessem dessa alteração poderiam ter demonstrado interesse em participar da licitação. E que, por outro giro, se a alteração tornasse o contrato desvantajoso para o contratado, ele estaria sendo prejudicado na relação contratual.
- A questão da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da contratação, ou seja, da relação existente entre o conjunto de encargos que são impostos ao particular e a respectiva remuneração. A própria Constituição de 1988, em seu art. 37, XXI, dispôs sobre a obrigatoriedade de se manter as condições efetivas da proposta.
Nesse sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello destaca que a garantia do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato não poderia ser afetada mesmo com alguma lei, pois se trata de dispositivo constitucional.
Segundo Hely Lopes Meirelles, esse equilíbrio refere-se a uma relação que foi estabelecida pelas partes no momento da conclusão do certame.
A recomposição do equilíbrio econômico-financeiro faz-se por meio do instituto da revisão, que não depende de autorização em edital ou em contrato, pois se trata de um direito do contratado na hipótese de ocorrência de fato imprevisível ou de fato previsível, porém com consequências incalculáveis ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou fato da administração, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Também não conta com periodicidade mínima para a sua aplicação, a exemplo do que ocorre com o reajuste e a repactuação, que estabelecem periodicidade anual. Uma revisão, por exemplo, pode ocorrer no mesmo dia que o contrato foi assinado. Basta que os fatos ensejadores do instituto ocorram.
Destacamos que a Administração apenas está obrigada a garantir a manutenção da equação econômico-financeira, não sendo obrigada a garantir o lucro do contratado. Ricardo Marcondes Martins esclarece que a equação econômico-financeira diz respeito à efetivação material da proposta inicialmente formulada, não se referindo à garantia de lucro do particular.
Neste trabalho, não iremos esgotar todas as teorias que fundamentam essa recomposição. No entanto, destacamos que se trata de um dispositivo de suma importância para a relação contratual. Marçal Justen Filho esclarece que se os particulares tivessem de arcar com as consequências de todos os eventos danosos possíveis, teriam que oferecer propostas mais onerosas. E isso não seria bom para a Administração, pois se o evento danoso não ocorresse, ela estaria arcando com ele mesmo assim.
Gabriela Verona Pércio complementa esse entendimento, dispondo que a possibilidade de revisão de preços é um mecanismo eficiente na busca de um dos principais objetivos da licitação – a proposta mais vantajosa. A autora destaca que com esse instituto, evita-se a inserção da “gordura extra” destinada a suportar prejuízos decorrentes de circunstâncias futuras e incertas. Com isso, tem-se preços mais enxutos e a competição torna-se mais transparente.
Ricardo Marcondes Martins também traz o assunto à baila, e estabelece que o direito público pode ser assim enunciado: “Preveja com lealdade e boa-fé e fique tranquilo, se a superveniência dos fatos não tiver sido prevista quando da elaboração da proposta, o ajuste será adequado à nova situação”.
Por outro giro, não podemos nos esquecer que a recomposição também poderá se dar a favor da Administração, trazendo modificações que reduzam seus encargos. Joel de Menezes Niebuhr destaca que, embora seja muito mais raro, os insumos e os custos do contratos também podem sofrer uma diminuição. Nessa circunstância, a Administração faz jus ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, concretizando uma redução da contraprestação devida ao contratado.
Ponderação entre os ius variandi e o princípio da inalterabilidade do objeto
Se de um lado verificamos que a Administração dispõe da prerrogativa de alteração dos contratos administrativos, tanto de forma unilateral quanto consensual, de outro, precisamos verificar quais são os limites dessa alteração, em especial no que tange ao princípio da inalterabilidade do objeto.
Por meio desse princípio, é vedado à Administração promover alterações contratuais que venham a resultar na transfiguração do objeto do contrato. Segundo Fernando Vernalha Guimarães, o princípio da inalterabilidade do objeto não se presta somente a resguardar um direito subjetivo do contratado, que teria que arcar com a execução de um novo objeto contratual, mesmo que fosse assegurada a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da contratação. Ele também contempla a necessidade de preservar a isonomia que é inerente ao próprio procedimento licitatório.
De fato, se houver uma alteração contratual que contemple um novo objeto, esse não teria sido precedido de uma licitação, pois o objeto anterior é que o teria, tornado essa contratação ilegal.
O autor destaca, ainda, que uma transfiguração radical do objeto do contrato desnatura o ius variandi, que se refere à adaptação do objeto do contrato às necessidades de interesse público.
A corroborar tal entendimento, Diogenes Gasparini reforça que é reconhecida como direito do contratado a manutenção do objeto, bem como a inalterabilidade das cláusulas de preços e de condições de pagamento. Somente mediante acordo estas duas últimas poderiam ser alteradas; no entanto, a troca de objeto não poderia ser feita nem se fosse admitida por acordo.
Celso Antonio Bandeira de Mello leciona que a existência de prerrogativas a favor da Administração não representa, em absoluto, um aniquilamento ou minimização dos interesses do contratado no objeto de sua pretensão contratual. Ele destaca que há garantias ao particular ligado pelo acordo, no sentido de que cabe a ele integral proteção quanto às aspirações econômicas que foram a base para o seu ingresso na avença.
Portanto, apesar de todos os poderes que a Administração possui, por conta das cláusulas exorbitantes, há direitos do contratado que precisam ser respeitados. Diogenes Gasparini destaca, ainda, que o ordenamento jurídico acaba por resguardar esse contratado contra o arbítrio do Poder Público, e protege-o economicamente contra as exigências da Administração Pública.
Essa proteção é muito importante, pois do contrário a Administração Pública teria dificuldades em encontrar pessoas que quisessem contratar com ela.
A questão da alteração contratual poderá ser trazida, inclusive, nos contratos administrativos submetidos apenas às regras de direito público, na hipótese do exame de sua invalidade (original ou superveniente). Nas lições do professor Ricardo Marcondes Martins, nesse caso, o agente público deve levar em consideração razões jurídicas favoráveis à não alteração do ajuste, bem como razões favoráveis à alteração, ponderando as circunstâncias fáticas e jurídicas, para que a melhor decisão possa ser tomada.
Ademais, há que se ponderar que se o ius variandi tivesse como pano de fundo interesses outros que não fossem o interesse público, teríamos um desvio de finalidade.
A finalidade pública ou interesse público deve ser uma constante nas contratações, conforme afirmam Antonieta Pereira Vieira e Madeline Rocha Furtado. Para as autoras, a obediência à forma prevista em lei traduz-se na obrigatoriedade de os agentes públicos seguirem a forma estabelecida na lei para a efetivação das contratações, evitando o desvio de finalidade.
Nessa esteira, José dos Santos Carvalho Filho nos ensina que essa prerrogativa da Administração de promover alterações unilaterais ao contrato não pode ser empregada por arbítrio ou por outros interesses escusos, bem como não pode retratar um desvio de finalidade que cause gravame ao contratado. O autor destaca que as alterações sempre precisam se sujeitar a alguns limites, bem como devem atender ao interesse público que foi indicado pela Administração para promover essas modificações. Ele, inclusive, reforça a tese de que será sempre sindicável, tanto em âmbito administrativo quanto judicial, o motivo pelo qual se considerou necessária a modificação.
Segundo Joel de Menezes Niebuhr, não podemos nos esquecer que ainda que as alterações contratuais sejam permitidas, elas são limitadas. O autor destaca que a mutabilidade está ligada à adequação, visto que a alteração presta-se a promover adequações, não a transformar o objeto do contrato em outro, com funcionalidade diversa. O objeto deverá preservar a sua identidade, não o transformando em algo diferente.
Portanto, a ponderação deverá ser feita pelo agente público no momento que surge a necessidade de uma modificação contratual. Dessa ponderação pode resultar que o sistema jurídico não admita a alteração pretendida, por estar fora dos limites legais, desconfigurando o objeto original da contratação.
Em síntese, o ius variandi encontra limitações no sentido de que jamais poderá alterar a natureza do objeto do contrato.
Considerações finais
Pelo que foi exposto, verificamos que os contratos administrativos em sentido estrito, estão sujeitos a sofrer modificações – ius variandi. Apresentando-se como uma das cláusulas exorbitantes, a possibilidade de modificação contratual vem como uma prerrogativa que tem como objetivo possibilitar a melhor adequação dos termos contratuais, durante sua execução, às finalidades de interesse público.
As modificações previstas no art. 65 da Lei 8.666/93, que deverão estar embasadas em motivos supervenientes, trazem hipóteses que contemplam alterações contratuais que podem ser impostas unilateralmente pela Administração e alterações contratuais que só podem ser implementadas com a concordância do particular contratado, ou seja, de forma consensual. Com isso, já temos uma primeira limitação ao ius variandi.
No entanto, não podemos nos esquecer que as modificações trazidas ao contrato jamais poderão desnaturar o seu objeto, transformando-o em outro. Para isso, é preciso cumprir o princípio da inalterabilidade do objeto, o qual estabelecerá limitações às modificações contratuais, impedindo que eventuais alterações trazidas ao contrato desconfigurem o seu objeto inicialmente estabelecido. Reiterando as lições doutrinárias vistas neste trabalho, destacamos que esse princípio não se presta somente a resguardar um direito subjetivo do contratado, que teria que arcar com a execução de um novo objeto contratual, mas ele contempla, também, a necessidade de preservar a isonomia que é inerente à própria licitação.
E, para a consecução desse propósito, a ponderação feita pelo agente público no momento que surge a necessidade de uma modificação contratual será muito importante. Com essa ponderação, será possível verificar se o sistema jurídico admite ou não a alteração pretendida, tendo como limitação não somente a lei, mas também a necessidade de se manter o objeto. Em suma, podemos concluir que o ius variandi encontra limitações no princípio da inalterabilidade do objeto e que, portanto, essa questão deverá ser levada em consideração no momento de análise das alterações contratuais.
Simone Zanotello de Oliveira