Princípio do desenvolvimento nacional sustentável na Reforma Tributária
- 26 de julho de 2024
- Posted by: Inove
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A despeito das merecidas críticas à Reforma Tributária promovida pela Emenda Constitucional nº 132/20231, não se nega a existência de intenções positivas, entre as quais destacamos a inclusão da “defesa do meio ambiente” como Princípio próprio ao Sistema Nacional Tributário, fazendo-o especialmente através da inserção do §3º do Art. 145 da Constituição Federal.
Outrossim, ainda que o novel texto constitucional faça alusão unicamente à “defesa do meio ambiente”, trata-se de aspecto que não pode ser interpretado isoladamente, mas sim harmonicamente com o “desenvolvimento econômico” e o “desenvolvimento social”, os quais “devem ser ajustados numa correlação de valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico”.
Tais aspectos compõem o Princípio do Desenvolvimento Nacional Sustentável, cujo ideário teve início a partir de pautas ambientais, proclamando-se durante a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (1972), que “O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida”.
A introdução do Princípio do Desenvolvimento Nacional Sustentável no Ordenamento Jurídico Brasileiro se deu de forma implícita pelo Poder Constituinte Originário, fazendo-o através de seu Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, do inc. II de seu Art. 3º, entre outros dispositivos que tratam de competências legislativas relacionadas à elaboração, cooperação e execução de planos de desenvolvimento econômico e social (Art. 21, inc. IX e Art. 23, par. único).
Com maior ênfase, o Art. 170 da CF/88 dispõe que a Ordem Econômica atenderá aos Princípios de Defesa do Meio Ambiente (inc. VI) e de Redução das Desigualdades Regionais e Sociais (inc. VI), o que representa uma clara associação entre economia, meio ambiente e desenvolvimento social.
No âmbito infraconstitucional, o Desenvolvimento Nacional Sustentável se encontra inserido em diferentes searas, entre as quais destacamos (i) o “reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental” (Lei Complementar nº 182/20214 ), (ii) a inserção do “desenvolvimento nacional sustentável” como Princípio inerente às contratações públicas (Lei nº 14.133/20215 ) e (iii) o estabelecimento da “preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico e social” como diretriz para “Elevar a renda e a qualidade de vida da população brasileira com redução das desigualdades sociais e regionais” (Decreto nº 10.531/20206 ).
No campo da Política Tributária, que tem o propósito primário promover a arrecadação, o que não impede que seja utilizada como instrumento de intervenção estadual, hipótese na qual o tributo assume caráter extrafiscal, destinando-se assim à “estimular ou desestimular comportamentos, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios ou incentivos fiscais”.
Antes mesmo da Reforma Tributária, a Constituição Federal já estabelecia tributações em caráter extrafiscal, o que o fez quando da definição de tratamento diferenciado e favorecido para as micro e pequenas empresas (Art. 179), da manutenção da Zona Franca de Manaus (ADCT, Art. 40), da aplicação do Princípio da Essencialidade na fixação das alíquotas do IPI e do ICMS (Art. 153, § 3º, inc. I; Art. 155, § 2º, Inc. III), e da progressividade do ITR e do IPTU em razão da subutilização da propriedade territorial (Art. 153, § 4º, inc. I; Art. 156, §1º, Inc. II e Art. 182, §4º, Inc. I), além da possibilidade da União instituir tributos não uniformes com vistas à “promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País” (Art. 151, inc. I), bem como a possibilidade de “Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência” (Art. 146-A).
Com maior ênfase, a Constituição Federal previa ainda a possibilidade de instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Art. 149), a qual consiste em importante ferramenta de gerenciamento econômico e comunitário capaz de induzir o comportamento dos mercados tributados.
Com o advento da EC nº 132/2023, atribuiu-se à União a possibilidade de instituir Imposto sobre atividades econômicas “prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente” (Art. 153, inc. VIII), o qual passou a ser conhecido como “Imposto Seletivo”, o qual deriva do Princípio Poluidor-Pagador.
A associação entre Tributação e Desenvolvimento Nacional Sustentável resta ainda perceptível na medida em que a Reforma Tributária promoveu as seguintes introduções: a concessão de incentivos regionais de ordem tributária observará – quando possível – os critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (Art. 43, §4º); a instituição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, o qual terá com propósito reduzir as desigualdades regionais e sociais, devendo ser priorizados os projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (Art. 159-A, §2º); a manutenção do “regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono …, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis” (Art. 225, inc. VIII); a instituição do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas e do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá, os quais terão o objetivo de fomentar o desenvolvimento e a diversificação das atividades econômicas nestes (ADCT, Art. 92-B, §§2º e 6º).
Enquanto Princípio, o Desenvolvimento Nacional Sustentável passa a consistir no mandamento nuclear de um Macrossistema Jurídico que engloba indissociavelmente as searas econômica, social e ambiental, as quais deverão se interconectar de forma harmônica, progressiva e permanente, cabendo-lhe orientar, integrar, interpretar, limitar e sistematizar as normas jurídicas que lhe são próprias, conferindo-lhes sentido e coerência.
Tomando por exemplo o Imposto Seletivo, é necessário compreender que, apesar da atividade tributada ser potencialmente prejudicial à saúde e/ou ao meio ambiente, a mesma também é vetor de desenvolvimento social e econômico, devendo a sua lei instituidora sopesar tais fatores por meios alíquotas diferenciadas e de deduções legais decorrentes de investimentos em ações, pesquisas e tecnologias destinadas à reduzir impactos ambientais, os empregos gerados, a existência de projetos sociais e/ou ambientais, a prestação de compensações ambientais, a utilização de energias renováveis e o uso de matérias primas recicladas.
Importa destacar que levantamento divulgado em setembro de 2023 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços apontou que o Custo Brasil atinge o montante de R$ 1,7 trilhão9 , o que equivale à aproximadamente 19,5% do PIB, dos quais recebem destaque negativos os fatores “Honrar tributos”10 e a “Regulação ambiental”.
Tal panorama situacional demonstra que a relação entre a Política Tributária e o Desenvolvimento Nacional Sustentável se torna complexa e multifacetada, sobretudo quando tratamos de um país de dimensões continentais com uma diversidade econômica e ambiental única, paralelamente a um sistema tributário inquestionavelmente caótico12 e que necessita promover a arrecadação para promover o equilíbrio fiscal.
Os desafios que são próprios ao Desenvolvimento Nacional Sustentável – notadamente quanto à necessidade de equalização dos interesses econômicos, sociais e ambientais – são os mesmos que repercutem na tributação socioambiental, a qual não pode se limitar à majoração da tributação das atividades potencialmente danosas, mas que também necessitam criar mecanismos de incentivos à atividades inovadores, e ainda que não sobrecarreguem setores econômicos específicos que são sensíveis à competitividade com o mercado internacional.
Francisco Fernando Antonio Albuquerque Lima é advogado, graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (2005), atua em questões relacionadas ao Direito Público, com ênfase em Direito Tributário, Crimes Tributários, Direito Regulatório, Contratações Públicas e Improbidade Administrativa, membro das Comissões de Estudos Tributários e de Direito Administrativo da OAB/CE (2022/2024).