A ineficácia do tempo randômico nos Pregões eletrônicos
- 15 de agosto de 2019
- Posted by: Inove
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O pregão, como modalidade de licitação, era praticado por alguns povos da Idade Média, por meio de um sistema conhecido como “vela a pregão”, no qual os interessados em firmar um contrato com o Poder Público apresentavam suas propostas durante o arder de uma vela e quando esta se apagava o ofertante do melhor preço era escolhido para assinar o contrato.
Popularmente, o termo pregão é associado à sessão de negócios feitos nas bolsas de valores ou ao leilão promovido pelos ofícios judiciais para alienação de bens objetos de litígio entre as partes no processo.
Nota-se, portanto, que o termo “pregão”, utilizado para designar a modalidade de licitação instituída pela Lei n.º 10520/2002, foi inspirado nas características procedimentais aplicáveis ao modelo, seja por se aproximar de uma espécie de leilão às avessas, seja por imprimir uma dinâmica competitiva entre os licitantes por meio da oferta de lances sucessivos e decrescentes.
Dentre as características da modalidade de licitação denominada pregão, podemos citar a possibilidade de redução do valor inicialmente proposto e a inversão das etapas de habilitação e julgamento das propostas comerciais.
Evidentemente, no pregão, diferentemente do leilão, sagra-se vencedor aquele que oferta o menor preço, desde que atendida as exigências de habilitação técnica e econômica previstas no edital, muito embora atualmente já seja admitido na jurisprudência do Tribunal de Contas da União – TCU o uso do pregão, excepcionalmente, para licitação de objetos com disputa pelo maior lance ou oferta (acórdão 478/2016 – Plenário).
Desde o ingresso do pregão no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) até a sua ampliação para toda Administração Pública por meio da Lei 10.520/02, não havia expectativa de que em poucos anos a nova modalidade de licitação passaria a ser adotada predominantemente na forma eletrônica.
A Lei do Pregão, aliás, declaradamente sinaliza que a opção pela forma virtual seria apenas uma alternativa à sessão pública presencial, de modo que no diploma normativo há uma simples referência permitindo-se a utilização de recursos de tecnologia da informação para realização do pregão (§1º do art. 2º).
Por tal razão, a Lei n.º 10.520/2002 dedicou-se quase que integralmente ao pregão na forma presencial, haja visto que boa parte dos procedimentos aplicáveis a ele não eram compatíveis com o modelo eletrônico como, por exemplo, o credenciamento dos licitantes durante a sessão púbica e o recebimento de envelopes contendo proposta e documentos de habilitação.
Em relação à etapa competitiva do pregão, há igualmente alguns pontos de distinção entre a forma presencial e a versão eletrônica da modalidade, dentre os quais pode ser indicada a aceitação de lances intermediários no pregão eletrônico enquanto que no presencial essa possibilidade é anômala e residual, prevalecendo a regra de lances decrescentes e inferiores ao menor até então apresentado.
Além disso, o término da etapa de lances no pregão presencial ocorre apenas quando não há mais interesse dos licitantes em prosseguir com a disputa. Dessa forma, os interessados ficam cientes acerca do momento no qual será promovido o encerramento da competição, sobretudo porque essa finalização da fase de lances está condicionada à desistência dos próprios licitantes em prosseguir competindo nos lances.
Não é assim que se processa o término da fase competitiva no pregão eletrônico, pois nele há o que se convencionou chamar de encerramento aleatório ou tempo randômico, por meio do qual a conclusão da disputa passa a ser controlada pelo sistema no qual está sendo realizada a licitação.
Em termos práticos, o pregoeiro define um prazo, chamado de tempo de iminência, com no mínimo 1 e no máximo 60 minutos de duração, período no qual estará assegurado aos licitantes o direto de permanecerem concorrendo por meio de lances. Após o tempo de iminência, o sistema passa a controlar o supracitado encerramento aleatório, de modo que a qualquer instante, no intervalo de 0 a 30 minutos, a disputa pode ser finalizada.
Se por um lado esse mecanismo de encerramento da etapa de lances poderia incentivar os participantes a ofertarem seus menores preços o quanto antes, evitando, assim, serem surpreendidas pelo término precoce da disputa, por outro, tem-se notado que as empresas buscam sempre maximizar seus lucros e por isso ofertam lances com diferenças mínimas, suficientes apenas para cobrir o da sua concorrente.
Pois bem, essa modelagem utilizada pelos sistemas eletrônicos impede, em muitos casos, que empresas dispostas a reduzir suas propostas continuem enviando lances, ou seja, o encerramento abrupto da etapa competitiva pode gerar nestas hipóteses um indiscutível dano de natureza econômica à Administração Pública.
Evidentemente que a disputa na etapa de lances não pode se perpetuar, sem a fixação de um limite temporal. Mas esse momento deveria ser conhecido previamente pelos interessados, deixando-os cientes de que terão a oportunidade de oferecer lances até aquele instante. Alternativamente, o sistema poderia considerar a quantidade de lances recebidos para, automaticamente, prorrogar a disputa, até um certo limite definido no edital.
O fato é que cresce o número de empresas inconformadas com o término “prematuro” da etapa de lances sob o argumento de que o resultado da licitação passa a ser uma incógnita até mesmo para as licitantes, especialmente nos casos em que o encerramento aleatório dura pouquíssimo tempo.
Em face dessa incerteza quanto ao momento de encerramento da disputa no pregão eletrônico, o Ministério da Economia está trabalhando atualmente na elaboração de um novo decreto federal regulamentador do pregão eletrônico, com proposta de extinção do término aleatório da etapa de lances.
De acordo com a minuta do novo decreto, o gestor responsável pela autorização da licitação poderá optar por uma dentre as seguintes alternativas: prorrogação automática da etapa competitiva, que se caracteriza por uma espécie de prolongamento da fase de lances quando alguma licitante enviar um lance durante um intervalo de tempo, ou adoção do modelo aberto/fechado, por meio do qual a partir de um momento inicial de disputa aberta, o sistema permitirá que as licitantes ofertantes dos melhores lances possam enviar um último, fechado, sem que as demais tenham conhecimento imediato do valor.
Por todo o exposto, pode-se concluir que o modelo atual de encerramento da fase competitiva no pregão eletrônico apresenta consequências danosas para a administração pública, na medida em que a seleção do menor preço é feita a partir de um algoritmo de sistema, ou seja, sem que haja consenso sobre o menor lance.
Assim, a proposta de alteração prevista na minuta do novo regulamento federal do pregão eletrônico reduzirá a imprevisibilidade existente no modelo vigente, conferindo aos participantes do pregão eletrônico a capacidade de formularem seus lances com mais racionalidade e diligência.
Evaldo Araújo Ramos – Pós graduado em licitações e contratos, bacharel em direito e administração de empresas, atual Diretor de Licitações do Tribunal de Contas da União, onde ocupa desde 2006 o cargo de Auditor Federal de Controle Externo. Dentre suas atribuições profissionais, atua como pregoeiro, leiloeiro e presidente de comissões especiais de licitação. Colaborador do Instituto Serzedelo Correa, unidade do TCU responsável pelas ações de capacitação do órgão, e também da Escola Nacional de Administração Pública, onde ministra o curso de Fundamentos de Pregão Eletrônico. Já ministrou diversos cursos de formação e capacitação de pregoeiros pelo Brasil.