A Lei Geral de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados na gestão e segurança de documentos e arquivos
- 15 de julho de 2021
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS
Documentar histórias, fatos e épocas, é atividade que há muitos séculos tem acompanhado diferentes civilizações. Desde os tempos mais remotos, quando os egípcios e outros povos do Oriente armazenavam seus documentos em papiros manuscritos com hieróglifos e registravam seus cotidianos em pergaminhos e pedras, está claro que há um desejo de transferir, compartilhar e eternizar os caminhos percorridos pelos homens.
Na América do Sul, existem marcas que são possíveis de serem vistas do alto, e que foram criadas em uma época em que não existiam aviões ou satélites. São os gigantescos desenhos do Deserto de Nazca, no Peru.
Num universo menos amplo, as pinturas rupestres da Serra da Capivara, no Piauí demostram que de uma forma primitiva, há milhares de anos, os homens que aqui viviam também tinham o desejo de registrar suas histórias. Não é possível chegar à exatidão de quem fez e quando esses documentos foram criados, mas é fato que registram a existência remota de homens, com a visão voltada para o futuro.
O FUTURO CHEGOU
No ano de 2021 e com o acesso cada vez mais amplo à tecnologia, as pessoas tentam registrar cada segundo de suas vidas e exibi-las em telefones celulares, computadores, canais de televisão entre outros equipamentos eletrônicos.
Em meio a essa massa desordenada de informações e documentos, que são gerados segundo a segundo, de forma livre e lúdica, existem outros documentos de ordem pública e que devem ter as informações organizadas, armazenadas e garantidas por sigilo.
Quanto a privacidade das pessoas e os acessos à documentos, a Constituição Federal de 1988, em seu “artigo 5º. e incisos, traz as seguintes previsões, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
A maioria dos brasileiros desconhecem as prerrogativas e garantias constitucionais e esse pode ser um dos fatores que causam tantas falhas de segurança e vazamentos de informações. Quem não conhece, não fiscaliza.
A LEI GERAL DE ACESSO À INFORMAÇÃO
Precedendo a Lei Federal n. 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados, foi publicada em 2011 a Lei Geral de Acesso à Informação, Lei Federal n. 12.527/11, que no artigo 3º, estabelece os seguintes critérios “Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I – observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II – divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III – utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV – fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V – desenvolvimento do controle social da administração pública.”
A Lei Geral de Acesso à Informação[1], traz orientações importantes sobre os ritos de organização, classificação e guarda, tanto de arquivos impressos, microfilmados e em vídeo, quanto nas atuais mídias digitais, como streaming.
O caminho lógico e adequado é estudá-la, entender e aplicar as orientações, para poder trabalhar com tranquilidade com a Lei Geral de Proteção de Dados.
Não é difícil entender que para poder fazer a gestão documental adequada e proteger os dados, é importante antes de tudo conhecer os arquivos, as séries documentais, identificar e classificar os tipos de documentos e os respectivos tempos de guarda nas Tabelas de Temporalidade; o que pode ser descartado, publicado ou deve ser mantido sob os diferentes tipos de sigilos, incluindo os dos documentos governamentais, que podem ser classificados como ultrasecretos, secretos ou reservados, nos termos dos artigos 23 a 25, da Lei Geral de Acesso à Informação.
Além da Lei Geral de Acesso à Informação, o Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública orienta a gestão arquivística e possui diversos outros normativos, que buscam informar os gestores e usuários.
Entre os normativos para gestão, é importante considerar os Planos de Classificação e Tabelas de Temporalidades, sejam estes de âmbito federal, dos estados ou dos municípios.
As Tabelas de Temporalidade permitem identificar e determinar a classificação de cada série documental. A partir de tais parâmetros é possível definir os pontos de sigilo aplicáveis aos grupos de documentos.
Saber o que está sendo arquivado, permite ampliar ou restringir os acessos aos documentos, às informações e ainda aplicar os níveis de segurança adequados, com que esses devem ser guardados.
Tanto as empresas da iniciativa privada, como a maioria dos órgãos da administração pública em suas diferentes esferas, possuem acervos documentais e tem séries de documentos que envolvem várias áreas da gestão, como planejamento estratégico, leis, decretos, portarias, contratações de serviços e aquisições de produtos, documentos fiscais, tributários, trabalhistas e previdenciários.
Existem também os documentos considerados das áreas fim, leia-se estudos de engenharia civil, elétrica, portuária, tecnologia da informação, segurança pública, entre outros com peculiaridades inerentes a cada atividade.
O QUE SÃO DOCUMENTOS?
Seja na esfera pública ou privada, os documentos de arquivos são gerados em papel e mídias digitais. Podem ser digitalizados em cópias criadas em sistemas tipo “scanners” ou em documentos digitais feitos diretamente por meio de softwares.
Cabe exemplificar alguns tipos de documentos de arquivos; administração Pública são processos administrativos, contratos, projetos básicos, editais, prontuários funcionais, relatórios de gestão, planilhas, balanços, entre outros a critério de cada órgão público.
Os arquivos científicos e acadêmicos em regra de guarda permanente, tem os formatos de relatórios, trabalhos de conclusão de curso superior, monografias, teses, memoriais e demais documentos relativos ao ensino e às pesquisas.
Os arquivos médicos[2] são prontuários, anotações, guias de receituários, exames médicos, perícias e receitas médicas.
Arquivos Jurídicos são das esferas judicial cível, criminal, trabalhista, tributária, contratos diversos, pareceres e relatórios.
Com destaque para os arquivos públicos a Constituição Federal de 1988, define “art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem, inciso V, §2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.”
COMO ACESSAR INFORMAÇÕES DIGITAIS DE OUTROS FORMATOS?
Existem arquivos de outras épocas, com documentos em microfilmes, fotografias, audiovisuais, e até em disquetes e cd´s. Como resgatar as informações nessas mídias? Os leitores de microfilmes e os sistemas informatizados anteriores ainda funcionam? Essa também é uma questão a ser estudada quando da contratação de serviços. Como serão as migrações e os acessos ao longo dos anos posteriores a criação dos documentos? Essas são perguntas que nos ajudam a prever custos de armazenagem em determinadas mídias, ao longo do tempo.
GESTÃO E ORGANIZAÇÃO DE ARQUIVOS
Sejam quais forem as mídias onde as informações estejam armazenadas, as equipes que atuam na área da gestão de arquivos devem estar sempre atualizadas e orientadas sobre suas atribuições e obrigações de manter a organização dos documentos em pastas, caixas e envelopes. Identificados e catalogados com a série documental, o tipo de documento, a data de arquivamento, o tempo de guarda, se pode ser descartado ou é de guarda permanente, e outros dados que possam contribuir para a classificação. Os procedimentos são os mesmos para arquivos digitais, as regras gerais existentes há tempos independem da mídia onde os arquivos estão armazenados.
As aferições periódicas dos documentos, das condições de armazenagem, de possíveis campos magnéticos que danificam arquivos eletrônicos, a conservação, o oferecimento de cópias à interessados; os relatórios com a quantidade e os registros de acessos remotos, consecutivos ou não, são fundamentais, na gestão e proteção das plataformas de armazenagem e dos bancos de dados.
ARMAZENAGEM, CONSERVAÇÃO E “VAZAMENTOS”
Além dos indesejados e constantes vazamentos de informações sigilosas, que resultam em constrangimentos e exposições excessivas de grande parte dos brasileiros, os grandes blocos de informações sensíveis, devem obrigatoriamente, ter critérios estratégicos de segurança. Isso deve ser previamente planejado e apresentado na contratação dos profissionais, equipamentos e sistemas envolvidos nos projetos de gestão, guarda ou outros em que exista a movimentação de informações.
Já prevendo possíveis problemas, no âmbito dos arquivos de órgãos governamentais, no ano de 2015 foi publicada uma instrução especial para informações digitais “RESOLUÇÃO Nº 43, DE 04 DE SETEMBRO DE 2015. Altera a redação da Resolução do CONARQ nº 39, de 29 de abril de 2014, que estabelece diretrizes para a implementação de repositórios digitais confiáveis para a transferência e recolhimento de documentos arquivísticos digitais para instituições arquivísticas dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos – SINAR.”
LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS – LGPD
O fato de ser uma unidade de armazenagem e gestão de arquivos é pressuposto de local que deve ser olhado com cuidados e zelo. A LGPD e sua regulamentação, mais uma vez confirma tais orientações e detalha procedimentos. Além das características jurídicas, quem quiser realizar a gestão, precisa estudar e treinar as técnicas previstas na lei.
Está claro desde sempre que arquivos sensíveis nunca puderam ser distribuídos sem autorização e tampouco comercializados.
A LGPD atualiza, complementa e detalha informações técnicas para o Sistema de Gestão Arquivística Digital, possui um capítulo especial para tratamento de dados pessoais, um para tratamento de dados pessoais sensíveis, e é importante destacar que também há um capítulo especial para o tratamento de dados de crianças e adolescentes. Define regras para o Setor Público, para as transferências nacionais e compartilhamentos internacionais de dados. Regras, responsabilidades e boas práticas são parte da LGPD.
A Lei Federal n. 8.159/91 dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados. O Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, atua a bastante tempo.
A Constituição Federal, Código Civil, Código Penal e algumas leis e decretos, de diversas esferas governamentais antes da LGPD já definiam sanções e penalidades aplicáveis à gestão inadequada. Os arquivos privados possuem regulamentos próprios, como é o caso do Decreto Federal n. 4.073/02, que regulamenta a Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados.
Concluindo, não estamos começando a realizar a gestão de documentos agora; os bancos de informações digitais, já são usados em sistemas informatizados desde os anos de 1970, em instituições financeiras, hospitais, empresas e indústrias.
A pouco conhecida política de reserva de mercado acabou há anos, os formatos e os recursos de armazenagem mudaram, passamos a utilizar equipamentos e sistemas de outros países. Os softwares são atualizados e modernizados com frequência, mas as obrigações básicas de conservação, segurança e sigilo, existem há muito tempo.
É certo que os recursos de gestão arquivística evoluíram de forma considerável desde os primeiros normativos legais, porém cabe observar, que as obrigações oriundas das leis existentes, se ainda em vigência, não devem ser esquecidas com a entrada em vigência da LGPD.
São Paulo, 01 de abril de 2021.
Ana Maria Viegas da Silva é Bacharel em Ciências Jurídicas, especialista em Administração Geral, pesquisadora da Administração Pública, do Terceiro Setor e autora de livros técnicos. Empresária, gestora cultural e conteudista.
Notas:
[1] Decreto Federal n. 7.845/12. Regulamenta procedimentos para credenciamento de segurança e tratamento de informação classificada em qualquer grau de sigilo, e dispõe sobre o Núcleo de Segurança e Credenciamento.
[2] Código de Ética Médica – RESOLUÇÃO CFM Nº 2.217/2018, publicada no D.O.U. de 1° de novembro de 2018, Seção I, p. 179, item IX.