A Lei nº 14.133 e a disciplina da repactuação
- 11 de fevereiro de 2022
- Posted by: Inove
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A Lei nº 14.133 – nova lei geral de licitação – cria um novo marco legal para a matéria. A antiga Lei Federal de Licitações (L.8.666/93), se aplica apenas até 2023 e mesmo assim para contratos que começaram sob sua vigência seja na Administração Pública direta ou em estatais. A Lei nº 14.133 , originada de substitutivo elaborado pela Câmara dos Deputados ao antigo Projeto de Lei do Senado (PLS) 559/2013, trouxe uma compilação de inúmeras normas e práticas pertinentes e atuais sobre licitações e contratos, desde leis a instruções normativas ajustadas em interpretação a recorrências polêmicas avaliadas pelos Tribunais de Contas. Envolve uma consolidação normativa com efeito de ampliação de aplicação de institutos à toda esfera pública, melhor que anterior, embora ainda seja muito burocrática.
No que tange à A Repactuação o referido instituto consiste numa atualização financeira de valores. Propõe reavaliar o preço fixado em contratação onde esteja prevista, em tempo certo e ante possível variação de custos ao longo do tempo, de modo a repor a equação econômico-financeiro inicial, sem que haja delimitação específica de um único tipo ou categoria de contratos a admitir este tipo de instituto de atualização financeira ou correção monetária.
A repactuação teve como origem a implementação do Plano Real, nos idos de 1994. Vale lembrar que naquela época o Brasil vivia uma constante de inflação excessiva e incontrolável com imprecisão de índices reais descolamento comparativo de valores ou poder de compra da moeda. Como o plano foi instituído por medida provisória e mantido por sucessivas reedições, incorporou melhorias redacionais e culminou em Lei Federal a manter este estabelecimento tanto de prazo mínimo quanto de dupla opção para a atualização dos preços – o Reajuste e a Repactuação que são institutos diversos como veremos a seguir. Ao final de uma série de medidas provisórias, assim restou assentado na Lei Federal 10.192/2001:
”Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. § 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. (grifos nossos)”
A lei federal 8.666/1993 já previa no seu artigo 55, inciso III, a obrigatoriedade de constar no contrato “os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços”, que não se confundem com “os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento”, que também é outra inclusão impositiva no texto clausular dos contratos administrativos.
Importante ressaltar que a própria Lei tratava em dispositivos distintos de reajustamento e de reajuste. Neste contexto, como primeiro impacto da normatização do Plano Real, os gestores públicos passaram a ter que identificar claramente em seus contratos se operar-se-ia reajuste ou repactuação assim como precisaram prever periodicidade em prazos jamais inferiores a um ano, vindo a sagrar-se praxe nacional as cláusulas com periodicidade exata de um ano
O mecanismo da repactuação é essencialmente simples, embora nem sempre os cálculos também assim sejam. Basta a detentora e gestora dos seus próprios custos – a contratada – apresentar uma nova planilha demonstrando cada item que sofreu modificação e a origem comprovada destas variações, assim como seus reflexos na matriz de custos do contrato.
Mas foi disciplinada a Repactuação na nova lei geral de licitação? Nas definições do artigo 6º, exatamente no inciso LIX, a Nova Lei de Licitações conceitua Repactuação como sendo: “forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato utilizada para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, devendo estar prevista no edital com data vinculada à apresentação das propostas, para os custos decorrentes do mercado, e com data vinculada ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio coletivo ao qual o orçamento esteja vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra;”
Eis finalmente uma boa definição do instituto, mas ainda imperfeita. Porque parece limitar a aplicação do instituto apenas para contratos com exclusividade ou predominância de mão de obra, o que pode provocar problemas e utilização restrita de tão interessante instituto de reequilíbrio financeiro
Ora, inúmeros outros contratos possuem insumos muito representativos e de grande sensibilidade no preço, a justificar a adoção de repactuação mesmo não tendo no item mão de obra a maior representatividade.
Podemos citar por todos o contratos de transporte onde o insumo combustível, atrelado à amortização dos veículos, pode representar mais do que a remuneração e encargos com o motorista. É típico contrato onde se faz necessária a aplicação da Repactuação, mas em estreita atenção ao texto legal, não é admitida em tais contratos.
Noutra passagem do texto da nova lei, emerge na previsão de conteúdo básico do edital, no artigo 25, parágrafo 8º, que assim dispõe (….)
”§ 8º Nas licitações de serviços contínuos, observado o interregno mínimo de 1 (um) ano, o critério de reajustamento será por: I – reajustamento em sentido estrito, quando não houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, mediante previsão de índices específicos ou setoriais; II – repactuação, quando houver regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, mediante demonstração analítica da variação dos custos.”
O legislador incorreu aqui no mesmo equívoco ou atecnia redacional de definição do instituto constante no artigo 6º impondo limites de utilização do instituto na Administração Pública. Uma vez assim publicada a Lei, aqueles que querem se ver bem longe de dar explicações em apontamentos do controle interno ou externo, deixarão de usar este instituto nos contratos que não tenham predominância de custo com mão de obra ou sua exclusividade na matriz de formação do preço, pelo que perderão os contratos administrativos ferramentas de melhor desenvolvimento e de justa aplicação do reequilíbrio contratual de fulcro legal e constitucional. Por dever da abordagem, cumpre ressaltar que o mesmo teor do criticado parágrafo DOUTRINA 14 8º, do artigo 25, é repetido no artigo 92, em seu parágrafo 4º, limitando a utilização do instituto da repactuação. Aqui cabe apontar a redação da lei 14.133/2021 em seu artigo 92, inciso X, ao prever que no contrato administrativo seja previsto prazo para resposta ao pedido de repactuação de preços, adicionada a esta exigência legal a expressão “quando for o caso”. O problema aqui é saber exatamente ”quando será o caso”.
A fixação de um prazo para resposta de pedido repactuação de preços representa uma obrigação convencional contra a Administração, em movimento que exige estudos, análises e perspicácia na fixação de valores o que pode facilmente colocar a Administração em mora, e prazo demasiado extenso – por sua vez – imporá prejuízo ao contratado, que se apresenta antecipadamente em majoração de preços no certame, novamente sendo prejudicial à Administração.
A solução para esta questão passa por melhorar o conjunto redacional do contrato administrativo, prevendo de início e de forma exaustiva e detalhada como deve ser instruído o pedido de repactuação, e, a partir daí, somente do pedido correta e completamente instruído contar o exíguo prazo para avaliação e resposta.
Fato é que a interpretação cautelosa desta passagem legal incita a que haja previsão de prazo para resposta a pedido de repactuação, o que somente será seguro se o contrato detalhar exatamente como instruir o pedido de modo completo e correto, com informações e documentos precisos para aceitação. No mesmo artigo 92 da Nova Lei geral de Licitações existe outra previsão acerca da repactuação, no tocante ao referido prazo de resposta, fixando um transcurso de tempo “preferencial” de um mês.
Ora, a que serve uma norma legal com indicação textual que sua observância é “preferencial”, sem que delimite períodos ou imponha critérios de fixação ou justificação? A rigor temos aqui “letra morta”, Ora, se um mês é o prazo preferencial, porque impor à Administração um prazo menor, uma obrigação maior e arriscada? Não tem sentido. Já no que tange à prazos maiores, de fato existem situações extraordinárias que envolvem uma matriz de custos muito complexa e exigem cálculos aprofundados e conseguinte, mais tempo. Nestes casos, nada obsta que se fixe desde a minuta do contrato que segue anexa ao edital de licitação um prazo de resposta superior a um mês. Contudo, importante que se firme a regra de sempre justificar no processo de instrução do certame as razões para fixar prazo superior a um mês. Entendo que a adoção do prazo preferencial da Lei dispensa respectiva justificativa, somente atraída quando adotado prazo superior, que possa ensejar irresignação dos licitantes.
No que tange ao mencionado artigo 135, cumpre ressaltar que contempla os mesmos equívocos e atecnias dos dispositivos legais supracitados, no que se refere a consideração da repactuação apenas para contratos com dedicação exclusiva de mão-de-obra ou predominância desta.
Além deste problema de limitação do instituto, emerge outro relacionado ao texto legal, qual seja, o de tornar impositiva a repactuação do contrato administrativo nestes casos a despeito do que possa constar na respectiva cláusula do contrato administrativo. Ora, a repactuação consiste numa das modalidades possíveis para atualização financeira do preço dos contratos, e deveria a lei apenas se limitar a oferecer possibilidades de aplicação do instituto, instrumentalizando o Gestor Público. Da forma escrita, só se aplica a contratos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou com predominância de mão de obra e sempre a estes, por força do artigo 135. Além das críticas apresentadas ao seu enunciado, também pertine criticar a limitação de possibilidades para fixação das datas-bases, pois percebe-se redação desnecessariamente limitante de possibilidades, impedindo a utilização eficaz e pontual do instituto da repactuação. Reiteramos que a base legal do instituto da repactuação no cenário nacional foi o artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei que assentou o Plano Real (L.10.192/2001), que assim dispõe: § 1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.
Urge notar que a Lei do Plano Real apresenta duas possibilidades de fixação da data-base. A primeira delas seria a data limite para apresentação da proposta, hipótese absolutamente não recomendada, pois a rigor pode envolver data posterior à de fixação do preço.
E se existe uma premissa destacada, e existe, sobre atualização financeira, é que a metodologia de correção deve incorporar todas as ocorrências após a base de fixação do preço em recálculo. Logo, se o processo administrativo de seleção admite apresentação de propostas e preços antes de ultimado o prazo para tal, podemos nos deparar com preços fixados antes de uma data na qual poderia ocorrer eventos relevantes de desequilíbrio da equação econômico financeira original. Extremamente técnico foi o legislador da Nova Lei de Licitações ao considerar como data base no seu inciso I do artigo 135 não a data limite, mas a data efetiva da proposta,.
A segunda possibilidade instituída na Lei do Plano Real diz respeito à “data-base fixada a partir do orçamento a que a proposta se referir”. Embora a menção à acordo, convenção coletiva ou dissídio coletivo, constante na Nova Lei de Licitações, possa significar uma data-base orçamentária a que se refira a proposta, acaba por ser limitador, pois existem inúmeros outros marcos que o orçamento pode se apegar, não somente Normas Coletivas.
Neste aspecto ressaltamos o equívoco de pensar no instituto da repactuação apenas para contratos com predominância de mão-de-obra. Reiteramos que existem outros contratos celebrados no mercado possuem marcos orçamentários de grande relevância que não estão atrelados especificamente a custos trabalhistas.
Não existe justificativa razoável de ordem legal ou jurídica para esta limitação imposta ao instituto, de ter sido pensado e limitado somente a contratos com intensiva e mais representativa mão de obra.
Outro ponto é que a Lei do Plano Real, ao mencionar de modo aberto a data-base fixada a partir do “orçamento que a proposta se referir”, abre inúmeras possibilidades ajustadas diretamente para adequação às peculiaridades de cada contrato. Permite, por exemplo, aplicar no caso prático a melhor solução identificada no mercado, qual seja. Seguindo a avaliação das disposições da Nova Lei acerca da repactuação, cumpre ressaltar a tecnicidade do disposto no parágrafo primeiro do mesmo artigo 135,(….)
”’§ 1º A Administração não se vinculará às disposições contidas em acordos, convenções ou dissídios coletivos de trabalho que tratem de matéria não trabalhista, de pagamento de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados do contratado, ou que estabeleçam direitos não previstos em lei, como valores ou índices obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários, bem como de preços para os insumos relacionados ao exercício da atividade.”
Temos um regramento acerca de questões inseridas em normas coletivas que não devam afetar a Administração Pública ou possam de alguma forma representar vantagem indevida ao contratado. Uma delas é a inadmissão do repasse da cobrança de valores por participação dos empregados nos lucros da empresa. Ora, caso haja previsão deste tipo de este alcance, terá por base ganho, vantagem, lucro auferido pela empresa, cujo respectivo pagamento de participação significará apenas uma redução deste, mas jamais custo da atividade. Trata-se da aplicação da mesma lógica para não se admitir nas planilhas de custo rubricas de imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido.
É comum o questionamento se a repactuação não seria o mesmo processo matemático, não equivaleria ao reajuste só que mediante identificação de variações e índices individuais nos custos. E a resposta é não! Reajuste é um instituto que se faz de um jeito e resulta numa conta certa e invariável, enquanto a Repactuação é outro instituto promovido de forma diversa e com resultados menos cartesianos, justamente para serem tendentes à maior precisão no aso concreto, embora ambos busquem o mesmo objetivo que é a atualização financeira. Repactuação não se assemelha ao reajuste na medida em que a repactuação não é apenas a aplicação de índice(s) sobre os custos originais da planilha do contrato, pois estes custos podem ter perdido a proporção original entre si. A repactuação Impõe adicionalmente que se atualize as proporções internas de custos na planilha, e, diante de uma mudança percebida, a necessária identificação do impacto de mudança dos pesos ponderados de custos antes de se apropriar os novos valores, o que depende de situações concretas decorrentes da condução da contratada sobre o período de execução do contrato que se quer repactuar. Como o próprio nome indica a repactuação indica em suas raízes verbais a ideia de um novo acordo contratual, de “pactuar novamente”, o que necessariamente atrai a obrigatoriedade de participação e concordância de ambas as partes, concordância esta que deve ao final ser assentada em documento bilateral, diverso do que se tem no instituto do apostilamento.
A apostila envolve uma mera anotação no processo administrativo, anotação esta promovida individualmente pelo agente público competente sem necessidade de participação da contratada ou sua subscrição, e dispensando a formalidade dos aditamentos contratuais dentre eles a publicação de extrato de sua ocorrência. Ora, como imaginar uma repactuação sem debate aplicado sobre a planilha de custos, com suas ponderadas variações, e sem acordo entre as partes? O próprio essencial processo dinâmico de instrução da repactuação a excluído do rol de hipóteses de apostilamento, pois exige instrução processual. Pela sua natureza jurídica e finalidade um apostilamento deve ser unilateral.
Célio Eduardo Nunes Leite é Advogado da CHESF ELETROBRAS. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau; Consultor em Licitação e Contratação Pública.