A necessária preservação do equilíbrio econômico-financeiro nas atas de registro de preços
- 24 de novembro de 2023
- Posted by: Inove
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RESUMO
O ordenamento jurídico assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, por meio dos institutos do reajuste, repactuação e revisão (reequilíbrio econômico-financeiro). Usualmente, sempre foi possível e estimulada a prática no âmbito dos contratos administrativos, desde que configurados os requisitos da Teoria da Imprevisão. A questão controvertida era a possibilidade da recomposição de preços no Sistema de Registro de Preços, cuja legislação anterior nada tratava a respeito. Assim, a possibilidade ou não, sob a vigência da Lei n.º 8.666/1993, ficava ao arbítrio de cada ente da federação regulamentar ou decidir acerca do tema. Buscou-se, nesse artigo, demonstrar as inovações trazidas pela Lei n.º 14.133/2021 em busca da necessária uniformização de procedimentos quanto ao reequilíbrio econômico-financeiro e os entraves práticos para a sua realização.
PALAVRAS-CHAVES:
Equilíbrio econômico-financeiro. Teoria da Imprevisão. Recomposição de preços. Sistema de Registro de Preços. Atas de Registro de Preços. Cotejo com a Lei n.º 8.666/1993 e Lei n.º 14.133/2021. Decreto n.º 11.462/2023. Panorama nos Estados.
INTRODUÇÃO
A proteção do equilíbrio econômico-financeiro dos ajustes administrativos, conforme art. 40, inc. XI, da Lei nº 8.666/1993 e art. 25, §7º, da Lei nº 14.133/2021 é respaldada pela supremacia constitucional constante do art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal de 1988.
Esta manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos ajustes administrativos é realizada pelas seguintes procedimentos: reajuste, repactuação e revisão (reequilíbrio econômico-financeiro ou recomposição de preços). Este último referente a fatos de consequências inevitáveis, ainda que previsíveis, classificados em força maior ou caso fortuito. Importa destacar que não existe consenso na doutrina e/ou jurisprudência sobre as definições, não prejudicando a análise por este artigo do que será chamado de reequilíbrio econômico-financeiro.
Ainda, quando tratado de ajustes administrativos de modo amplo, faz-se referência a contratos administrativos e atas de registro de preços.
O reequilíbrio econômico-financeiro é procedimento que objetiva restabelecer o equilíbrio da relação firmada entre a Administração Pública e o contratado ou compromitente da ata de registro de preços, em seu aspecto financeiro, influenciado pela superveniência de fato imprevisível, ou previsível, mas de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
1. O DIREITO CONSTITUCIONAL AO REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO
O direito ao equilíbrio econômico-financeiro possui estatura constitucional, previsto pelo art. 37, XXI da Constituição da República. O referido dispositivo assegura que, nas cláusulas que versem a respeito do pagamento, devem ser mantidas as condições efetivas da proposta e, para tanto, convencionou-se a subdivisão em três institutos, quais sejam, reajuste, repactuação e revisão.
Em breves linhas, o reajuste diz respeito à variação previsível e lenta, decorrente da inflação. Isto é, trata-se da variação normal de mercado ao longo do tempo. Em outras palavras, busca-se a recomposição do valor contratual em face da variação de certo índice, definido pela Administração Pública no momento da elaboração do edital de licitação e do consequente contrato administrativo, por se tratar de uma variação ordinária e previsível.
Nesse sentido é o entendimento doutrinário. Confira-se lição de Joel de Menezes Niebuhr [1]:
Além disso, o inciso XI do art. 40 da Lei n° 8.666/93 prescreve que o critério de reajuste deve retratar a variação efetiva do custo de produção. Para tanto, à Administração é permitido adotar índices específicos ou setoriais. Cumpre ressaltar que a adoção de índices é faculdade outorgada à Administração. Ela pode perfeitamente utilizar outros critérios para promover o reajuste, que não por meio de índices. Entretanto, é usual que a Administração defina índice já no próprio edital. A propósito, quem escolhe o índice é a Administração, porquanto é ela quem define as condições do edital.
Por sua vez, a repactuação tem lugar nas contratações de prestação de serviços continuados com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou com predominância de mão de obra.
Ainda no escólio de Niebuhr [2]:
Logo, a gênese e a razão de ser da repactuação são os custos de mão de obra, que têm data certa para ser majorados, que corresponde à data-base da respectiva categoria, em que deve ocorrer acordo, convenção ou dissídio coletivo.
A última espécie, e sobre a qual importa tecer maiores comentários e objeto principal deste artigo, é a chamada de revisão contratual ou recomposição, reequilíbrio econômico-financeiro ou realinhamento.
Esta hipótese tem lugar quando se verificam eventos imprevisíveis e extraordinários ou previsíveis de consequências incalculáveis, bem como em casos de caso fortuito, força maior ou fato do príncipe, que repercutem na prestação do serviço ou na aquisição dos produtos.
Isto é, por estar-se tratando de situações bruscas e não esperadas na execução do serviço ou fornecimento do produto, não há que se falar em interregno de 1 (um) ano para sua concessão ou de expressa previsão no instrumento contratual.
O Tribunal de Contas da União ao responder a consulta a respeito da possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual, por meio do Acórdão n.º 1431/2017-Plenário manifestou-se a respeito da aplicação da teoria da imprevisão e consignou os seguintes apontamentos:
9.2.3. o reajuste e a recomposição possuem fundamentos distintos. O reajuste, previsto no art. 40, XI, e 55, III, da Lei 8.666/1993, visa remediar os efeitos da inflação. A recomposição, prevista no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993, tem como fim manter equilibrada a relação jurídica entre o particular e a Administração Pública quando houver desequilíbrio advindo de fato imprevisível ou previsível com consequências incalculáveis. Assim, ainda que a Administração tenha aplicado o reajuste previsto no contrato, justifica-se a aplicação da recomposição sempre que se verificar a presença de seus pressupostos;
9.2.4. o reequilíbrio contratual decorrente da recomposição deve levar em conta os fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, que não se confundem com os critérios de reajuste previstos contratualmente. Portanto, a recomposição concedida após o reajuste deverá recuperar o equilíbrio econômico-financeiro apenas aos fatos a ela relacionados. Na hipótese de ser possível um futuro reajuste após concedida eventual recomposição, a Administração deverá estabelecer que esta recomposição vigorará até a data de concessão do novo reajuste, quando então deverá ser recalculada, de modo a expurgar da recomposição a parcela já contemplada no reajuste e, assim, evitar a sobreposição de parcelas concedidas, o que causaria o desequilíbrio em prejuízo da contratante.
O Superior Tribunal de Justiça também decidiu nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. CONTRATO E ADITIVO PARA FORNECIMENTO DE SEIS HELICÓPTEROS PARA A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREÇO AJUSTADO EM MOEDA NACIONAL (REAL). VENCEDORA CONTRATANTE QUE NECESSITAVA IMPORTAR AS AERONAVES PAGANDO EM MOEDA ESTRANGEIRA (DÓLAR). DESVALORIZAÇÃO DO CÂMBIO OCORRIDA EM JANEIRO DE 1999. TEORIA DA IMPREVISÃO. ÁLEA EXTRAORDINÁRIA CONFIGURADA. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. ART. 65, II, ‘D’, DA LEI Nº 8.666/93. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO DA EMPRESA PARTICULAR PROVIDO.
1. Em consonância com o estabelecido no art. 37, XXI, da Constituição Federal, que garante a manutenção das condições efetivas da proposta de contrato celebrado com a Administração, a Lei de Licitações prevê a possibilidade de revisão contratual com o fito de preservação da equação econômica da avença, podendo essa correção, dentre outras premissas, advir da teoria da imprevisão, a teor do disposto no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.
(omissis)
(REsp n. 1.433.434/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 20/2/2018, DJe de 21/3/2018.)
Portanto, resta inequivocamente comprovado o direito à recomposição dos preços nos contratos administrativos firmados sob a égide da Lei n.º 8.666/1993 e da Lei n.º 14.133/2021. No entanto, situação diversa se configurava quanto aos preços registrados no Sistema de Registro de Preços.
Em primeiro lugar, importa conceituar o instituto. Jacoby Fernandes [3] assim define:
O Sistema de Registro de Preços, sem dúvida, garante com mais eficácia a isonomia, porque numa licitação, por exemplo, que tenha por objeto a aquisição de, centenas de itens de material de expediente” para atender às necessidades da Administração durante um exercício, pequenos empresários poderão cotar os produtos de sua especialidade, iniciando assim a atividade de negociar com a Administração Pública. É mais isonómico porque amplia a competitividade, parcelando o objeto e, por consequência, otimizando a possibilidade de obtenção de proposta mais vantajosa.
A Lei n.º 14.133/2021 se preocupou em estabelecer as definições dos institutos tratados no corpo normativo. Destarte, no inc. XLV do art. 6º descreveu o Sistema de Registro de Preços como o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras”.
2. A NLLC E O SRP EM ÂMBITO FEDERAL
Em verdade, a própria temática do Sistema de Registro de Preços foi amplamente trabalhada na nova legislação. Tratada como um procedimento auxiliar (ao lado do credenciamento, da pré-qualificação, do procedimento de manifestação de interesse e do registro cadastral) e com maior abrangência, eis que atualmente é possível também utilizar-se do procedimento para obras e serviços de engenharia e para a contratação direta, seja em casos de inexigibilidade como nos de dispensa de licitação.
No que concerne às vantagens de utilização do Sistema de Registro de Preços, além de servir como “fonte de pesquisa mercadológica”, Fortini e Camarão elencaram:
Desnecessidade de indicação de recursos orçamentários; contratação de objetos de difícil previsibilidade; diminuição com despesas de estrutura adequada para o armazenamento e a estocagem dos objetos; redução de pagamento de seguro; diminuição do desperdício de material; ganho de economia de escala com demandas agregadas; racionalização de despesas com a padronização das contratações; redução do número de licitações e, por conseguinte, diminuição de custos transacionais; agilidade na contratação por meio de sistema de compras just in time.
Em que pese a doutrina tradicional já viesse há muito reforçando a necessidade de garantia da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, a Lei n.º 8.666/1993 nada trouxe a esse respeito.
Jacoby Fernandes [4], defende que mesmo no Sistema de Registro de Preços há que se garantir o equilíbrio econômico-financeiro:
O Direito, preservando a harmonia que lhe é implícita como sistema, ao retirar do contratado a garantia da pacta sunt servanda, erigiu outra, juridicamente, equivalente que valoriza a participação do contratado, ao lhe garantir a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Impende esclarecer que ao se referir à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, mais do que garantir que a empresa não tenha prejuízos financeiros, busca-se preservar o lucro inicialmente calculado e pretendido no momento da realização da licitação.
Isso porque à Administração Pública não é lícito, sob o manto do interesse público, locupletar-se ilicitamente, lesando e impondo prejuízos a quem quer que contrate ou lhe preste serviços, para que se chegue ao fim último: o de gastar menos. Não é disso que se trata a busca do menor preço e o respeito à economicidade.
Percebe-se que a solução dada pelo Decreto n.º 7.892/2013, que regulamentou o Sistema de Registro de Preços, sob a égide da antiga legislação, era a de, uma vez constatado que o valor praticado no mercado estava superior ao registrado, de modo que ao fornecedor fosse impossível cumprir com seus compromissos, liberá-lo sem a aplicação de penalidades e a convocação dos demais fornecedores para que fosse efetuada a negociação dos valores:
Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá:
I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e
II – convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.
Parágrafo único. Não havendo êxito nas negociações, o órgão gerenciador deverá proceder à revogação da ata de registro de preços, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação mais vantajosa.
A crítica que a doutrina fazia [5] é de que tal disposição era inconstitucional, porquanto obrigava o fornecedor a comprovar que, se tivesse que cumprir a obrigação, teria prejuízo, configurando, assim, afronta ao já mencionado art. 37, inc. XXI da Constituição Federal, além de determinar que a Administração Pública deflagrasse outro processo licitatório, haja vista que a liberação do fornecedor de cumprir o compromisso inutilizava a Ata de Registro de Preços e todo o processo realizado originalmente, gerando, via de consequência, mais despesa para os cofres públicos.
Essa interpretação acerca do art. 19 do referido Decreto, contudo, não era consenso entre os doutrinadores. Com efeito, parte que concordava com a solução trazida por essa normativa alegava que o dever de comunicar à Administração Pública a inviabilidade do cumprimento da obrigação tratava-se de um risco alocado ao fornecedor, e que devia ser diligente ao verificar a ocorrência de fatos anormais que atingissem o custo do produto ou serviço.
Aduzia, ainda, que não haveria afronta ao equilíbrio econômico-financeiro, uma vez que isso não significa que a Administração Pública deva arcar com todos os ônus oriundos de fatos supervenientes, mas tratava-se de uma repartição de riscos. Assim, se os fornecedores não aceitassem a atualização do preço proposta, seriam liberados e caberia ao Poder Público a realização de nova licitação ou a contratação direta do produto ou serviço.
A questão chegou a ser discutida no âmbito da Advocacia-Geral da União, e no Parecer n.º 070/2016/SCTL/PF-IFG/AGU, o qual ora transcreve-se ementa, oportunidade em que ficou consignada a necessidade de demonstração da onerosidade excessiva para a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro:
AQUISIÇÃO COM INSTALAÇÃO DE APARELHO DE AR CONDICIONADO PELAS EMPRESA TOP COMÉRCIO CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA-EPP- ATA DE REGISTRO DE PREÇOS- DÚVIDA JURÍDICA-REEQUILÍBRIO ECONOMICO-FINANCEIRO VARIAÇÃO CAMBIAL.
Ementa: I. Realizada a licitação por meio do Sistema de Registro de Preços para aquisição com instalação de aparelho de ar condicionado. Preço registrado em ata. Solicitação de revisão dos preços decorrentes de variação cambial. Falta de comprovação documental. Indeferimento do pleito. Dúvida jurídica da Administração sobre a possibilidade de reequilíbrio econômico financeiro dos preços registrado na Ata em Decorrência de variação cambial. Possibilidade em tese, nos termos do acordão n.º25/2010-Plenário.
II. Há sempre necessidade de motivação dos atos administrativos justificativa e autorização de autoridade competente comprovação do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e observância dos limites previstos legal e contratualmente para a realização de alteração contratual. Justificativas técnicas de exclusiva responsabilidade dos gestores e responsáveis administrativos.
III. Observância: 37, XXI da CF, art.58, inc. I e seus §§1ºe 2º e 65, II, “d”, todos da lei 8.666/93, c/c art.17. 18 e 19 do Decreto n.º 7.983/2013 das condições contratuais e do ON AGU n.º 22/09.
IV. A Análise dos aspectos de natureza eminentemente técnico-administrativa competem à Administração. Discricionariedade Administrativa. Conveniência e Oportunidade dos atos de natureza administrativa praticados pelo gestor púbico.
V. A variação cambial não acarreta autônoma e automaticamente a revisão contratual, pois esta requer a comprovação inequívoca de onerosidade excessiva suportada pela contratada. A variação cambial ocorrida deve ser caracterizada como extraordinária e não a mera variação decorrente da flutuação normal do câmbio.
VI. Em ocorrendo comprovadamente o desequilíbrio decorrente do fato do príncipe, seja para mais ou para menos, impõem-se o restabelecimento da equação econômico-financeira formada no momento da apresentação da proposta por meio de reequilíbrio econômico-financeiro. (grifei)
Na busca por inovar no ordenamento jurídico, a Lei n.º 14.133/2021 desceu a minúcias sobre o procedimento a ser adotado no Sistema de Registro de Preços e dentre tais disposições, é de notar o inciso VI:
Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre:
(omissis)
VI – as condições para alteração de preços registrados;
Discorrendo sobre esse inciso, Fortini e Camarão assim consignaram [6]:
Portanto, o caminho do legislador atual é mais razoável. O edital deve dispor a respeito do percurso a ser adotado pelo administrador público, não fazendo sentido que o legislador vede a mudança de preços, ainda que para patamar superior, se comprovado que o aumento de preços deriva de fatores reais, dos quais não se escapará mesmo que se abandone a ata e se persiga nova licitação.
De igual modo, o Decreto n.º 11.462, de 31 de março de 2023, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços, tratou a respeito da negociação dos preços registrados quando o preço de mercado for superior ao fixado em Ata:
Art. 27. Na hipótese de o preço de mercado tornar-se superior ao preço registrado e o fornecedor não poder cumprir as obrigações estabelecidas na ata, será facultado ao fornecedor requerer ao gerenciador a alteração do preço registrado, mediante comprovação de fato superveniente que o impossibilite de cumprir o compromisso.
§ 1º Para fins do disposto no caput, o fornecedor encaminhará, juntamente com o pedido de alteração, a documentação comprobatória ou a planilha de custos que demonstre a inviabilidade do preço registrado em relação às condições inicialmente pactuadas.
§ 2º Na hipótese de não comprovação da existência de fato superveniente que inviabilize o preço registrado, o pedido será indeferido pelo órgão ou pela entidade gerenciadora e o fornecedor deverá cumprir as obrigações estabelecidas na ata, sob pena de cancelamento do seu registro, nos termos do disposto no art. 28, sem prejuízo da aplicação das sanções previstas na Lei nº 14.133, de 2021, e na legislação aplicável.
§ 3º Na hipótese de cancelamento do registro do fornecedor, nos termos do disposto no § 2º, o gerenciador convocará os fornecedores do cadastro de reserva, na ordem de classificação, para verificar se aceitam manter seus preços registrados, observado o disposto no § 3º do art. 18.
§ 4º Se não obtiver êxito nas negociações, o órgão ou a entidade gerenciadora procederá ao cancelamento da ata de registro de preços, nos termos do disposto no art. 29, e adotará as medidas cabíveis para a obtenção da contratação mais vantajosa.
§ 5º Na hipótese de comprovação do disposto no caput e no § 1º, o órgão ou a entidade gerenciadora atualizará o preço registrado, de acordo com a realidade dos valores praticados pelo mercado.
§ 6º O órgão ou a entidade gerenciadora comunicará aos órgãos e às entidades que tiverem firmado contratos decorrentes da ata de registro de preços sobre a efetiva alteração do preço registrado, para que avaliem a necessidade de alteração contratual, observado o disposto no art. 35.
É de notar que, diferentemente da Lei n.º 8.666/1993 que silenciou a respeito do assunto, e também do Decreto n.º 7.892/2013 que não trouxe tanto detalhamento, a novel legislação de regência inequivocamente avançou no tema, possibilitando a maior eficiência do instrumento e em observância ao princípio da boa-fé que rege toda e qualquer relação jurídica – pública ou privada.
3. O REEQUILÍBRIO EM ATA DE REGISTRO DE PREÇOS NO PAÍS: A EVOLUÇÃO NÃO VEM DA NLLC
No entanto, a possibilidade da recomposição dos preços não é uma novidade tão disruptiva no cenário jurídico. Com efeito, no silêncio da lei e na falta de regulamento que detalhasse o procedimento de revisão dos valores, alguns entes da federação supriram essa lacuna normativa.
A título de exemplo, o Tribunal de Contas do Estado do Pará respondendo à Consulta formulada pelo Ministério Público do Estado do Pará quanto à possibilidade de revisão de valores registrados em ata, em decorrência de atos supervenientes, foi editada a Resolução n.º 19.291, cuja ementa restou assim consolidada:
EMENTA: CONSULTA. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. REVISÃO DE VALORES. FATO SUPERVENIENTE. POSSIBILIDADE. 1. Há a possibilidade de revisão dos valores constantes em ata de registro de preços, em decorrência de fatos supervenientes, tais como a pandemia do novo Coronavírus, tanto para diminuição, quanto para elevação dos valores registrados. Nesse último caso, devem ser atendidos os seguintes requisitos, cumulativamente:
a) comprovação de que, no plano concreto, o fato superveniente representou álea econômica extraordinária, de modo que se demonstre o nexo de causalidade entre o fato alegado e o respectivo aumento de preços;
b) realização de convocação dos demais fornecedores para que lhes seja assegurada igual oportunidade de negociação, nos termos do art. 21, II, do Decreto Estadual nº 991/2021;
c) efetuação de prévia e meticulosa pesquisa de preços, a fim de que, no processo de negociação, não restem dúvidas quanto à equivalência entre o valor da melhor proposta apresentada e aquele praticado hodiernamente no mercado;
d) promoção da devida publicidade à eventual alteração dos preços registrados.
De igual modo, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco Processo (TCE-PE nº 1925134-8) respondendo consulta formulada acerca da possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro para compra de produtos perecíveis (hortifruti), com base na tabela oficial de Centro de Abastecimento – CEASA, contratação realizada por meio do sistema de registro de preços, registrou:
É possível a recomposição dos preços de produtos hortifruti considerando como parâmetro a variação dos preços desses produtos contidos na tabela oficial do Centro de Abastecimento – CEASA, em casos de necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, desde que observadas as seguintes condições:
a) comprovação de desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato, de forma global, e devido a fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis à época de apresentação da proposta comercial pelo fornecedor, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual, devidamente demonstrado em parecer técnico elaborado por especialista na área e aprovado por autoridade competente;
b) no cálculo da recomposição deve restar evidenciada a variação do preço de cada um dos produtos a ser adquirido, com o desconto da parcela relativa à flutuação já esperada dos preços em função da sazonalidade, e seu impacto no valor total do contrato;
c) o estudo deve envolver todos os produtos a serem adquiridos, inclusive considerando os que sofreram variação negativa;
d) tão logo seja regularizada a situação extraordinária que ensejou o reequilíbrio dos preços dos produtos (e.g., fortes chuvas, enchentes ou grave seca – desde que atípicas para o período -, crise no sistema de transportes da região etc.), eles devem ser novamente revistos, de ofício, pela Administração;
e) sejam mantidas as condições de vantajosidade da proposta inicial do fornecedor em relação aos preços da CEASA à época dessa proposta, sendo considerado o fator de recomposição do preço, calculado como quociente entre o preço contratado e o preço do respectivo produto no CEASA à época da licitação. Assim, o preço do produto resultante do reequilíbrio não poderá ser superior ao preço vigente no CEASA multiplicado pelo referido fator de recomposição. Caso contrário, as condições acordadas devem ser mantidas, conforme art. 37 da Constituição Federal.
Na vanguarda, o Estado do Rio Grande do Sul, no Decreto n.º 53.173, de 16 de agosto de 2016 já dispunha sobre a revisão de preços registrados em Ata de Registro de Preços:
Art. 21. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir com o compromisso, o órgão gerenciador poderá aceitar a solicitação de revisão do preço registrado a partir dos motivos e dos comprovantes apresentados pelo fornecedor, com base em nova pesquisa de mercado, preservando a economia obtida no procedimento licitatório.
§ 1º Após trinta dias da protocolização do requerimento de revisão, sem que o órgão gerenciador tenha se manifestado conclusivamente quanto ao requerido, o fornecedor poderá requerer a suspensão da emissão de novos pedidos de entrega de bens ou de prestação de serviços.
§ 2º Viabilizada a negociação, o novo valor registrado, que constará no termo aditivo, terá efeito retroativo à data do protocolo do pedido.
§ 3º Caso frustrada a negociação, caberá ao órgão gerenciador:
I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, se confirmada a pertinência da motivação apresentada; e
II – convocar os demais fornecedores constantes no CR, observada a ordem de registro e de classificação, para assegurar igual oportunidade de negociação.
§ 4º A emissão que trata o § 1º deste artigo refere-se à convocação para firmar o contrato ou à aceitação de instrumento equivalente.
§ 5º Caso a motivação apresentada pelo fornecedor não seja acolhida pela Administração Pública Estadual, o descumprimento da obrigação de fornecer ensejará a aplicação das sanções cabíveis.
Art. 22. Não havendo êxito nas negociações previstas nos arts. 20 e 21 deste Decreto, o órgão gerenciador deverá proceder à revogação da ARP ou do item objeto do pedido de revisão, conforme for o caso, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação mais vantajosa.
Art. 23. Compete ao órgão gerenciador a apreciação dos pedidos de reequilíbrio dos preços das atas vigentes.
Parágrafo único. O reequilíbrio dos preços da ARP implicará a revisão dos preços dos contratos vigentes, observado o disposto no parágrafo único do art. 20 e no § 2º do art. 21 deste Decreto. (grifei)
Vê-se, em conclusão, que, andou bem a Lei nº 14.133/2021 para uniformizar o entendimento e procedimento de revisão de valores no território nacional, haja vista que o cenário era bem desigual a depender de qual Estado da Federação estaria em vigor a Ata de Registro de Preços que se pretendia a revisão dos valores nela registrados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Sistema de Registro de Preços apresenta grandes vantagens na seara das contratações públicas e avançou exponencialmente com a novel legislação, principalmente no que diz respeito à possibilidade de se permitir o reequilíbrio econômico-financeiro das Atas de Registro de Preços. No entanto, em termos práticos, pode-se vislumbrar alguns percalços no meio do caminho.
Isso porque, tanto a Lei n. 14.133/2021, quanto o Decreto n.º 11.462/2023, trazem a obrigação de se realizar pesquisa de mercado, a fim de verificar o valor estimado, o que é um verdadeiro desafio para os órgãos públicos, seja porque a realidade de cada região tem suas especificidades, como distância geográfica, meio de transporte, quantidade de itens, o que encareceria ou dificultaria sobremaneira a execução do instrumento, seja porque nos casos de recomposição de preços, a demora numa eventual resposta do fornecedor, pode ser crucial para determinar ou alterar o real valor de mercado, por exemplo.
Contudo, essa dificuldade encontrada no planejamento das contratações públicas não deve servir de impeditivo para que a Administração estimule a recomposição dos preços, como forma de preservar o trabalho já efetuado e o dispêndio de verba pública utilizada na realização da licitação que culminou na Ata de Registro de Preços que sofreu o desequilíbrio econômico-financeiro, em observância aos princípios da economicidade nas contratações e da proporcionalidade, que se mostra importante na ponderação dos valores encontrados na ampla pesquisa de mercado exigida.
Amanda Guiomarino é servidora pública. Analista Jurídico do Ministério Público do Estado do Pará desde 2013. Atuou na assessoria jurídica dos contratos administrativos. Atualmente é Pregoeira/Agente de Contratação. Graduada em Direito e Pós-Graduada em Direito Administrativo e Gestão Pública. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Pará. Integrante do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo e do Centro de Estudos Empírico-Jurídicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GUIMARÃES, Edgar; NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços: aspectos práticos e jurídicos. 2. ed. atualizada de acordo com o Decreto n° 7.892/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 5. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
FORTINI, Cristiana (Coord.). Registro de Preços: análise da Lei n° 8.666/93, do Decreto Federal n°7.892/13 e de outros atos normativos. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
GUIMARÃES. Eduardo dos Santos. Manual de Planejamento das Licitações Públicas. Curitiba: Juruá, 2015.
NIEBURH, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 5ª ed. revista e ampliada. Editora Fórum.2022. Versão eletrônica.
FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CAMARÃO, Tatiana (Coords.). Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei n° 14.133, de 1° de abril de 2021. 1. Reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2022. v.02
[1] NIEBURH, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 2ª ed. revista e ampliada. Editora Fórum. 2012. p. 885.
[2] NIEBURH, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 5ª ed. revista e ampliada. Editora Fórum.2022. Versão eletrônica.
[3] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 5. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 34 e 35.
[4] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico. 5. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 252
[5] GUIMARÃES, Edgar; NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços: aspectos práticos e jurídicos. 2. ed. atualizada de acordo com o Decreto n° 7.892/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
[6] FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CAMARÃO, Tatiana (Coords.). Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei n° 14.133, de 1° de abril de 2021. 1. Reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2022. v.02. p. 212