As Organizações da Sociedade Civil do Terceiro Setor no contexto da pandemia COVID-19
- 24 de abril de 2020
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
O Terceiro Setor[1] tem colaborado com a sociedade brasileira e estende seus braços também a inúmeros outros países, desde o início da história do Brasil. A primeira Organização da Sociedade Civil do Terceiro Setor – OSC[2] (ONG), na área de saúde que se tem relato, existe desde o século XVI, quando foi fundada em 1543, a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Santos – SP, hospital com a finalidade de acolher os navegadores que chegavam ao porto e a população daquele vilarejo. Em seguida foi criado um hospital da Irmandade em São Paulo – SP e em 1880 no Estado do Paraná foi fundada a Santa Casa de Curitiba. Diversas cidades também constituíram Santas Casas e outras instituições de saúde, como Beneficências Portuguesas e hospitais de outras religiões, que vencendo as dificuldades que se apresentaram durante séculos, permanecem em funcionamento até os dias atuais, prestando serviços de saúde e assistência social. Infelizmente não foram todos os hospitais que resistiram à oscilação da economia e da política social dos governos passados.
É importante mencionar que ser de uma ordem religiosa não é condição obrigatória para as Organizações das Sociedades Civil, contudo pela natureza e compatibilidade das atividades de saúde e de assistência social, algumas possuem origem religiosa em suas raízes.
Sem deixar de considerar a importância da contribuição dessas organizações no desenrolar dos séculos, os últimos anos do século XX tiveram esse segmento estudado e regulamentado por leis especiais, podendo uma Organização da Sociedade Civil – OSC, ser qualificada com títulos de Organização Social – OS[3] ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscip[4]. Esse movimento legal e social, da década de 1990, resultou no Primeiro Marco Regulatório do Terceiro Setor.
No início do Século XXI, o Código Civil de 2002[5], em seus capítulos II e III, atualizou os conceitos e trouxe em seu texto a previsão para a constituição das organizações, nas formas de fundações, sociedades ou associações privadas, sem finalidade lucrativa e cujos resultados positivos devem ser reinvestidos na sua manutenção e em seus projetos.
Esse movimento de atualização da estrutura legal e jurídica seguiu até o ano de 2014, quando foi publicada a Lei Federal n. 13.019/14[6], que regulamentou o Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, conhecido também pela sigla MROSC. A referida lei já passou por alterações, porém a estrutura geral permanece em consonância com os preceitos da Constituição Federal de 1988, descritos no artigo 5º, incisos XVI a XXI e 150 entre outros.
O Terceiro Setor, assim como todos os outros segmentos chega ao ano de 2020 em uma situação inesperada na esfera mundial. Uma Pandemia, das mais letais que se tem notícia na história da saúde mundial moderna, se dissemina de forma acelerada, onde o contágio com o vírus COVID19[7] é eminente e coloca em risco a saúde e a vida das pessoas em todos os continentes.
Diante desse panorama mundial, as Organizações da Sociedade Civil continuam se diferenciando por sua inegável colaboração diante das grandes dificuldades e por suas atividades peculiares no contexto dessa pandemia, atendendo notadamente crianças, idosos, indígenas e a faixa da população mais vulnerável. Além dos trabalhos rotineiros, tanto na área assistencial como na área de saúde, entre diversas outras, o que é possível constatar no apoio a essa situação emergencial é a capacidade de mobilização dessas organizações, colaborando na identificação de grupos sociais e das populações mais suscetíveis, tanto nas grandes cidades como nas comunidades isoladas do Brasil. Participam ativamente na divulgação e apoio das campanhas de saúde, na elaboração de projetos, na construção e gestão de Hospitais de Campanha e também na gestão de hospitais que tem as portas abertas para a população atendida pela universalidade do Sistema Único de Saúde – SUS[8], por meio das Organizações Sociais – OS.
Na esfera assistencial, a relevância é para a obtenção de recursos tanto na forma de doações, como na coleta e na distribuição de produtos de higiene, vestuário, alimentos e cestas básicas para famílias, onde essa colaboração é vital para a sobrevivência e para a dignidade humana, a exemplo da preparação e distribuição de alimentos prontos para o consumo da população de rua.
As Organizações da Sociedade Civil também se distinguem pela agilidade em sensibilizar grupos, que solidários reúnem-se rapidamente para prestar apoio humanitário à população oferecendo infraestrutura e maquinário para a confecção de máscaras e outros equipamentos de proteção individual, na contratação de profissionais para trabalharem na elaboração desses e outros produtos e em diversas atividades de apoio social. Participam também por meio do voluntariado, nos hospitais, centros de apoio, postos de saúde e outros locais destinados a esses fins.
Destarte, outro ponto que pôde ser observado em tempos mais tranquilos foi à capacidade dessas organizações em reunir grupos para a prestação de serviços e geração de renda, criando dessa forma empregos. Existem projetos organizados que possibilitam realizar oficinas para produção e eventos para a venda de objetos de arte, artesanatos, alimentos entre outros produtos e de prestação de serviços, que contribuem muito para a sustentabilidade dos assistidos, resgatando pessoas da instabilidade econômica e as inserindo na economia criativa, em suas regiões de origem.
Essas ações favorecem os grupos sociais, na forma de associações de bairro ou de grupos de interesse, nas oficinas de capacitação em varias atividades profissionais, de cultura, de arte, de assistência social e de saúde entre outras. Podem também colaborar na contenção do êxodo para as metrópoles, onde as condições de acolhimento e das estruturas como moradia, saneamento básico e a qualidade de vida, historicamente remetem a circunstâncias de fragilidade tanto na esfera de saúde, quanto na econômica e social.
Para amparar ações na área social, foi publicada em Genebra, Suíça, em 2010, a Norma Internacional IS0 26.000 – Diretrizes da Responsabilidade Social, que é fonte adequada para aprofundar os conhecimentos sobre os requisitos, critérios e ética para agir de forma adequada não só na gestão das Organizações da Sociedade Civil, mas também nas relações com empresas, indústrias e agronegócios que queiram participar de alguma forma dessa aquarela social.
Ainda não sabemos asituação em que o nosso país e o mundo estarão após a pandemia, no entanto é possível afirmar, de acordo com a história, que a colaboração das Organizações da Sociedade Civil, nas suas variadas frentes, poderá ser fator positivo na preservação e na reconstrução da estrutura econômica e na manutenção da paz social do Brasil, após a pandemia do COVID19.
São Paulo – SP, 19 de abril de 2020.
Ana Maria Viegas da Silva é formada em Direito e especialista em Administração Geral pela Universidade Paulista – UNIP. É autora do Livro “As Organizações da Sociedade Civil do Terceiro Setor no Século XXI” (2018) e coautora dos Livros “Estudos sobre a Lei Federal n. 13.303/16” (2020) e “Terceiro Setor Gestão das Entidades Sociais – ONG, OS, Oscip” (2008). Atua em pesquisa e produção de conteúdo para portais corporativos intranet e de temas diversos na internet. Profissional com 12 anos de experiência em Administração Pública, no Governo do Estado de São Paulo.
[1] Silva, Maria das Graças Bigal Barboza & Silva, Ana Maria Viegas. Terceiro Setor Gestão das Entidades Sociais – ONG, OS Oscip, Belo Horizonte, MG. Editora Fórum:2008, p. 23.
[2] Silva, Ana Maria Viegas da Silva. As Organizações da Sociedade Civil do Terceiro Setor no Século XXI. Brasília, DF. Editora Kiron:2018, p. 17.
[3] Lei Federal n. 9.637/98 – Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.
[4] Lei Federal n. 9.790/99 – Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências.
[5] Lei Federal n. 10.406/02 – Institui o Código Civil.
[6] Lei Federal n. 13.019/14 – Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999. (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015) e suas alterações.
[7] COVID-19 é a doença infecciosa causada pelo novo coronavírus, identificado pela primeira vez em dezembro de 2019, em Wuhan, na China. https://www.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos
[8] Lei Federal n. 8.080/90 – Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, e suas alterações.