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Como analisar a exequibilidade nos contratos de receita?
- 15 de setembro de 2020
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
Como se sabe, a licitação, por se tratar de procedimento, individualiza-se como uma sequência ordenada de fases. Cada fase caracteriza-se pela concentração de atos voltados a ultimar certas finalidades.
O procedimento inicia-se na fase interna, que é sucedida pela fase externa e encerra-se com a contratação. Cada etapa do processo cumpre uma função própria, logicamente interligada enquanto antecedentes e consequências uma das outras. Isto quer significar que a contratação não é produto apenas das disputas. Antes, ela deriva das decisões a todas as fases anteriores, de modo tal que as deliberações outrora adotadas não podem ser ignoradas, revistas ou infringidas.[1]
O exame da aceitabilidade das propostas não escapa a este contexto, inclusive nas licitações cujo objeto gere receitas para Administração. Também neste caso, impõe-se à Administração o dever de avaliar a exequibilidade da proposta que lhe foi ofertada. Até porque, não basta que a proposta seja a mais vantajosa para a Administração do ponto de vista exclusivamente econômico. Igualmente, revela-se imperioso verificar se o licitante dispõe de meios para adimplir a obrigação que pretende assumir.
Por isso, não se pode olvidar que a proposta quando não lastreada economicamente “afeta, sobremaneira, o princípio da eficiência. O ponto é que o aludido princípio deve ser apurado com vistas à satisfação concreta dos interesses públicos, o que ocorre com a execução do contrato. Se a proposta for inexequível, sem condições de ser executada, a rigor, em vez de vantagem, impõe-se à Administração prejuízo, amarga desvantagem”.[2]
A grande dificuldade que permeia a matéria é distinguir as propostas inexequíveis daquelas que podem ser extremamente vantajosas, mormente porque o limite entre uma e outra é extremamente tênue.
Em comentários gerais à matéria, Marçal JUSTEN FILHO esclarece que:
A exequibilidade consiste na possibilidade jurídica e material da execução da proposta. Isso se verifica quando sua execução seja lícita e viável de acordo com os conhecimentos técnicos dominados em um certo momento. A expressão “lícita” é utilizada em sentido amplo. Considera-se lícita a proposta concorde com o direito. A impossibilidade jurídica verifica-se quando o comportamento proposto pelo licitante for proibido pelo direito. A execução da prestação do licitante importaria inevitável ilicitude.
A viabilidade da execução material deve ser entendida tanto na acepção absoluta como na relativa. Assim, será inexequível proposta que envolva conduta impossível de ser realizada perante os conhecimentos técnico-científicos. Por exemplo, a proposta de executar certa obra com materiais não disponíveis na Terra. Também será inexequível a proposta que, embora de execução teórica viável, revele-se inviável para o caso concreto. No exame das circunstâncias, verifica-se que o licitante não terá condições materiais de cumprir aquilo que propõe.
Os requisitos materiais específicos dependem do caso concreto. Cada licitação deverá prever, segundo as particularidades do objeto licitado, características a serem observadas na formulação da proposta. A extensão das exigências variará conforme o tipo de licitação. Assim, em uma licitação de técnica e preço, existirão requisitos mais específicos e rigorosos do que em uma licitação de menor preço. Os requisitos materiais específicos abrangem a identidade do objeto licitado e a satisfatoriedade da prestação proposta pelo licitante.
A identidade do objeto licitado envolve a descrição formulada pelo licitante para a prestação que se propõe a executar. Essa proposta deve ser conforme com o contido no ato convocatório. Assim, se o ato convocatório alude à aquisição de cavalos, será desclassificada a proposta de vacas. A identidade do objeto licitado visa a excluir a proposta de prestação diversa daquela desejada pela Administração Pública.
A satisfatoriedade da prestação verifica-se quando a proposta apresenta as qualidades mínimas exigidas pela Administração. Assim, se o ato convocatório alude à aquisição de cavalos com mais de dois e menos de cinco anos, será desclassificada a proposta de potros recém-nascidos.[3]
Não se logrou êxito em localizar parâmetros mais objetivos de análise. Elucubra-se que a escassez de material sobre o tema se deva justamente em razão das especificidades que perpassam cada caso concreto especialmente em se tratando de contratos de receita. Do mesmo modo, não há legislação específica para os referidos contratos, conforme reconhece o próprio Tribunal de Contas da União (TCU), observe-se:
A legislação sobre contratações públicas volta-se essencialmente para os contratos que geram dispêndios, ou seja, contratos de aquisição de bens e serviços, havendo pouca disciplina sobre os ajustes que geram receitas para a Administração Pública.
Daí por que, em se tratando de contratos de geração de receita, a utilização da legislação em vigor não prescinde da analogia.[4]
À guisa das recomendações da Corte de Contas da União, parece-nos mais acertado que a Administração se valha, analogicamente, dos imperativos vigentes para que possa avaliar a exequibilidade das propostas. Porquanto, convém citar as disposições do art. 48 da Lei 8.666/93:
Art. 48 – Serão desclassificadas:
I – as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação;
II – propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüiveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.
Fazendo as adaptações necessárias, pode-se concluir que serão consideradas inexequíveis aquelas propostas que não venham a ter demonstrada sua viabilidade por meio de documentação comprobatória de que os coeficientes utilizados são compatíveis com a execução do objeto do contrato. Não se trata de um valor estanque e muito menos um preço máximo, mas antes de um conceito abstrato, cuja análise variará a depender das condições de mercado, bem como de outras condicionantes afetas ao próprio proponente.
Sobre a matéria, vide as considerações de JUSTEN FILHO:
A desclassificação da proposta por irrisoriedade de preço depende da evidenciação da inviabilidade de sua execução (…). Também deverá ser examinado se o coeficiente de produtividade previsto na proposta (ainda que implicitamente) é adequado aos termos previstos para a execução do contrato.
Se o licitante não dispuser de condições econômicas de executar a proposta, deverá haver a desclassificação dela.
De acordo com o inc. II, há obrigatoriedade de o edital veicular as condições mínimas de executoriedade da prestação. É óbvio que não cabe ao edital estabelecer coeficientes mínimos de produtividade, margens de lucro ou preços máximos de insumos e custos. O edital deverá prever a obrigatoriedade de o licitante declinar informação acerca da elaboração de sua proposta, de molde a permitir um exame objetivo da exequibilidade da proposta. O dispositivo deve ser interpretado em consonância com o art. 44, §3º, e será objeto de maiores considerações adiante.[5]
Não por outra razão que, tanto sob o viés doutrinário[6] quanto jurisprudencial[7], tem se afirmado que a inexequibilidade reveste-se de presunção relativa. Isto quer significar, em termos práticos, que poderá a proponente afastá-la (inexequibilidade), mediante comprovação de sua efetiva capacidade de executar o objeto licitado pelo preço oferecido. E nem poderia ser diferente, eis que seria inconcebível que a mera aplicação de uma fórmula matemática ou critérios máximos de aceitabilidade prevalecessem sobre a realidade.
Neste sentido oportuno mencionar, uma vez mais, o entendimento externado pelo TCU, sobre a matéria:
51. Não se faz necessária, no entanto, propositura à Petrobras com relação ao cerceamento de defesa no âmbito da desqualificação de licitante, uma vez que já há recomendação à Petrobras, datada de 19/9/2012, conforme Acórdão 2.528/2012 – TCU – Plenário, para que oriente os gestores incumbidos de julgar procedimentos licitatórios no sentido de que a desclassificação de proposta por inexequibilidade deve ser objetivamente demonstrada, a partir de critérios previamente publicados, e que deve ser franqueada a oportunidade de cada licitante defender a respectiva proposta e demonstrar a sua capacidade de bem executar os serviços, nos termos e condições exigidos pelo instrumento convocatório, antes que ele tenha a sua proposta desclassificada. Tampouco se faz necessária audiência dos gestores envolvidos, pois no caso em tela havia indícios suficientes de que a proposta era de fato inexequível (sem grifos no original).[8]
Assim, ao se deparar com uma proposta aparentemente inexequível, a Administração deve oportunizar ao particular que demonstre sua viabilidade econômica, seja por meio de documentos contábeis, contratos que atestem seu fluxo de caixa ou, ainda, outros elementos que possam, legitimamente, justificar o preço excessivamente superior ao de mercado. Em outras palavras, em tais hipóteses (de possível inexequibilidade), deve ser concedida ao licitante a oportunidade de ratificar o seu preço, comprovando a vantajosidade de sua oferta. Somente de posse destas informações é que a Administração poderá decidir por classificar ou não a proposta do licitante vencedor.
Juliana Miky Uehara é advogada, consultora em licitações e contratos administrativos e Assessora Especial de Gabinete na Prefeitura Municipal de Pinhais/PR.
[1] UEHARA, Juliana Miky. As fases da licitação. Disponível em: <
[2] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 4. ed. Fórum: Belo Horizonte, 2015. p. 520.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.008-1.009.
[4] TCU. Acórdão 2.844/10. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues. Data da Sessão: 27/10/10.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 1.018.
[6] Neste sentido, vide: JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., 1.027.
[7] Neste sentido, vide: TCU. Decisão 286/01. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Adylson Motta. DOU 25/05/01.
[8] TCU. Acórdão 1.092/13. Órgão Julgador: Plenário. Relator: Ministro Raimundo Carreiro. Data da Sessão: 08/05/13.
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