Considerações sobre o Acórdão 3.258/2020-Plenário e a governança no Sistema S à luz da jurisprudência do TCU
- 6 de maio de 2021
- Posted by: Inove
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Conforme se sabe, as entidades do Sistema S prestam serviços de interesse público, razão pela qual são destinatárias de recursos públicos, advindos de contribuições parafiscais.[1]
O recebimento de recursos públicos atrai sobre o Sistema S a jurisdição do Tribunal de Contas da União que exerce controle finalístico, consoante já afirmado pelo STF no RE 789874[2] e no MS 34296 AgR.[3] Ao acompanhar a jurisprudência da Corte de Contas, é possível perceber um foco na governança e o elevado caráter pedagógico dos julgados proferidos.
Nesta linha, cita-se o paradigmático Acórdão 699/2016-Plenário que teve por objetivo avaliar o nível de transparência destas entidades quanto a diversos aspectos, entre os quais, a divulgação de dados sobre receitas e despesas; licitações; contratos e transferências de recursos a federações e confederações.
Por meio do Acórdão 699/2016, o TCU recomendou a todas as entidades do Sistema S a disponibilização de acesso centralizado às informações e dados padronizados relativos aos assuntos tratados no Acórdão, respeitada a autonomia regional de cada departamento, o estabelecimento de auditorias internas, a criação ou aprimoramento de códigos de ética, entre outras medidas voltadas ao aperfeiçoamento dos processos de governança.
Outras decisões podem ser citadas, a exemplo dos Acórdãos 545/2015 – Plenário, 6.813/2017 – Primeira Câmara e o 7.311/2020-Primeira Câmara, dos quais se extraem diretrizes para processos de patrocínio, como a necessária análise da pertinência do objeto a ser patrocinado com os objetivos institucionais, a obrigatoriedade de prestação de contas, a necessidade de um normativo interno às entidades disciplinando os procedimentos, entre outras.
Há também diversas decisões sobre os processos seletivos, tais como o Acórdão 8.519/2019-Primeira Câmara, o Acórdão 7.436/2018-Segunda Câmara ou o Acordão 9.769/2020-Primeira Câmara que trazem questões como a necessidade de regulamentos internos disciplinando os processos seletivos, adoção de critérios objetivos de seleção, a ampla publicação de resultados dos processos, inclusive de cada etapa, e uma série de outras recomendações voltadas à transparência e eficiência dos processos de seleção de pessoal.
Recentemente, o TCU analisou questões atinentes à gestão compartilhada de entidades do Sistema S e as federações patronais as quais estão vinculadas, com foco nos rateios de recursos para compartilhamento de despesas. Trata-se do Acórdão 3.258/2020-Plenário, uma decisão extensa e rica em parâmetros de boa governança e que, ainda que se dirija especificamente a casos concretos analisados (e às respectivas unidades jurisdicionadas), pode fornecer diretrizes úteis para situações de despesas compartilhadas/rateio de recursos similares.
Em linhas gerais, a investigação no Acórdão 3.258/2020 centrou-se em duas questões, quais sejam, se as despesas suportadas por cada entidade (entidade S e entidade sindical patronal) eram proporcionais aos benefícios auferidos por elas e, ainda, se haveria transparência na gestão compartilhada de modo suficiente a que a proporcionalidade do rateio de despesas pudesse ser adequadamente aferida.
No Acórdão foram identificadas desproporções no compartilhamento de pessoas, áreas e despesas imobiliárias e condominiais e a ausência de publicidade suficiente sobre os critérios de rateio de despesas, prestações de contas e demais informações sobre situações de compartilhamento.
Quanto ao compartilhamento de pessoas, foi identificada desproporção entre o número de funcionários das federações e das entidades do Sistema S alocados em áreas compartilhadas, com prevalência de funcionários das federações nestas áreas, apesar de o custeio das despesas dos empregados recair sobre a entidade do Sistema S.
Além da desproporcionalidade no rateio, a situação poderia ainda configurar fornecimento de pessoal pelas federações para as entidades do Sistema S, sem a submissão aos processos seletivos que estas entidades devem realizar.
No que se refere ao compartilhamento de estrutura, foi identificada a existência de áreas de interesse exclusivo de federações alocadas em áreas compartilhadas, com predominância do custeio de despesas por entidade do Sistema S.
Ainda, foi identificado o compartilhamento de imóveis, porém sem um claro mapeamento das áreas ocupadas por entidade nos espaços físicos compartilhados o que conduz a critérios de rateio de despesas imobiliárias e condominiais que não condizem com a área efetivamente usada por entidade ou setor.
Sem adentrar nos pormenores dos casos concretos analisados pelo Acórdão, é possível extrair orientações gerais que podem contribuir para a boa governança em situações em que entidades do Sistema S e federações optem pelo compartilhamento de estruturas, pessoas e processos.
Nesse sentido, aspecto que merece ser destacado da decisão, e que foi resgatado pelo Acórdão 3.258/2020, é que a jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de admitir o compartilhamento e o respectivo rateio de despesas entre as federações patronais e as entidades do Sistema S, “desde que sejam de interesse comum e não onerem desproporcionalmente uma das entidades” (Decisão n. 612/1999-TCU–Plenário).
As situações identificadas no Acórdão 3.258/2020 traduzem ausência de critérios de rateio que garantam benefícios proporcionais às despesas suportadas por cada entidade. Assim, o Acórdão assentou que os ajustes que dispõem sobre situações de compartilhamento de pessoas, estrutura, serviços ou processos entre o Sistema S e as federações sindicais patronais devem estabelecer critérios de rateio de despesas proporcionais ao benefício auferido por cada entidade participante.
Nessa linha, excerto do Voto proferido pelo Min. Marcos Bemquerer Costa: “(…)sejam adotados critérios objetivos de rateio que garantam a proporcionalidade e a vantajosidade às entidades do Sistema S nas despesas incorridas conjuntamente, e que evidenciem o benefício auferido individualmente por entidade participante do sistema de compartilhamento.”
No que se refere à publicidade das informações relativas ao compartilhamento e rateio de despesas, o entendimento adotado no Acórdão 3.258/2020 é de que deve ser dada ampla publicidade, preferencialmente em sítios da internet, às informações relativas aos compartilhamentos e aos critérios de rateio para as despesas suportadas conjuntamente, não sendo suficiente apenas a divulgação interna destas informações.
Em síntese, a leitura do recente Acórdão permite inferir que o entendimento do Tribunal quanto ao compartilhamento entre federações e entidades é de que tal procedimento reflete “uma modernização administrativa por meio da racionalização dos procedimentos na busca de objetivos comuns” (Decisão n. 325/1999-TCU, Plenário). Contudo, para que seja coerente com boas práticas de governança, notadamente no que se refere à transparência, equidade e accountability, alguns parâmetros precisam ser observados.
Nessa linha, o compartilhamento deve: a) visar a objetivos comuns às entidades envolvidas; b) ser formalizado por ajuste celebrado entre as entidades envolvidas, o qual deverá prever critérios de rateio de despesas c) os critérios de rateio devem assegurar a proporcionalidade e a vantajosidade do rateio, não devendo a entidade do Sistema S custear despesas que se identifiquem com objetivos institucionais exclusivos das federações.
Gabriela Lira Borges é Mestre em Governança e Planejamento Público pela UTFPR. Especialista em Direito Constitucional pela Unisul. Especialista em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera. Procuradora do Estado do Acre de 2005 a 2012. Consultora Jurídica da Consultoria Zênite de 2012 a 2016. Analista de Licitações do SESC Paraná de 2016 a 2017. Atualmente, Assessora Jurídica do SENAR Paraná. Autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S.
Referências:
[1] Nesse sentido, Acórdão TCU nº 1.507/2020-Plenário.
[2] DJ 19/11/2014.
[3] DJ 28-05-2018.