Direito administrativo. Consórcios Públicos. Anotações.
- 29 de setembro de 2023
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
O consórcio público é uma pessoa jurídica que exsurge da associação entre entes federados diversos, tendo por objeto o desenvolvimento de atividades de natureza continuada de interesse comum dos seus associados.
O art. 241 da CF/1988 aduz:
“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”. (negritos de ora)
A Lei 11.107/2005 disciplina os consórcios públicos e foi regulamentada pelo Decreto 6.017/2007 que se encontra revogado parcialmente.
Segundo o art. 1.º, § 1.º, da referida Lei, os consórcios públicos poderão ser constituídos ou como associações públicas ou como pessoas jurídicas de direito privado.
Temos aqui a atuação do denominado “federalismo de cooperação” . Esse conceito reconhece a necessidade da associação entre entes federativos, em vista da constatação de que existem necessidades cujo atendimento envolve interesses e competências de entes federativos múltiplos.
A necessidade de um federalismo de cooperação se torna cada vez mais hialina pelo crescimento e interpenetração fática de diversas cidades e necessidades comuns entre estas a ligando umbilicalmente, o que torna as divisas territoriais entre municípios uma questão meramente formal.
Surgem questões interfederativas, inclusive para a prestação conjugada de serviços públicos como o saneamento básico para citar o serviço público associado mais em voga.
A necessidade de atuação permanente e conjugada é o que legitima e é a pedra de toque para a criação de um consórcio público que nada mais é que uma estrutura organizacional em sentido amplo destinada a atuar de modo contínuo e permanente no atendimento de serviços públicos associados. Não é técnica a criação de um consórcio público para executar uma obra pública, mesmo quando diversos entes estatais colaborem com a sua execução.
Em casos de obras públicas, a melhor escolha recairá sobre a figura do convênio, caracterizado pelo repasse de recursos de uma esfera para a outra em um contexto pontual e não num contexto que evidencie necessidades permanentes destes entes federados.
As relações de cooperação federativa de natureza contínua e permanente envolvem, em boa parte dos casos, a prestação associada de serviços públicos. Essa hipótese envolve a prestação coordenada de serviços públicos de titularidade de entes federados múltiplos, cujo desempenho satisfatório requer uma atuação unificada.
A prestação associada dos serviços públicos pelo consórcio público supera os problemas relacionados com a atuação isolada dos diversos entes federativos. Outra diferença essencial e mesmo ontológica entre a figura do consórcio público e a figura do convênio, é que este último produz direitos e obrigações para as partes, mas não legitima o surgimento de uma entidade autônoma.
O consórcio público tem variadas classificações. Uma das precípuas as divide em consórcios públicos homogêneos e heterogêneos.
Os consórcios públicos homogêneos são aqueles que congregam entes federativos da mesma natureza. Enquadram-se nessas hipóteses os consórcios públicos compostos exclusivamente por Municípios ou Estados.
Os consórcios públicos heterogêneos envolvem entes federados de natureza e extensão jurídica diferenciada. É o caso do consórcio composto por Municípios, e por Estado ou mesmo Municípios e o Distrito Federal.
O art. 1.º, § 2.º, da Lei 11.107/2005 admite a participação da União em consórcio público quando for ele integrado também pelo Estado em que os Municípios se localizarem. O dispositivo supra não impõe uma vedação à constituição de consórcio público exclusivamente entre a União e Municípios, sem a participação de Estado. Ora, estaríamos ferindo a autonomia dos municípios como ente federado ao fazer tal vedação sem fulcro na lei ou na Carta Republicana. Em determinados e pontuais casos – por questões de ordem política ou mesmo logística – a União e Município tem interesse em formarem um consórcio público que beneficiará a ambos e não ao Estado que abriga o Município. É evento raro, mas acontece numa Federação.
Podemos afirmar que os municípios só exercerão sua autonomia como ente federado se a sua autonomia financeira for uma conquista permanente. . A participação liliputiana dos municípios nas receitas da União, combinado com um elevadíssimo estoque de dívidas que, não auditadas e calculadas de forma adequada, proporcionou, no decorrer dos anos, um crescimento enorme no saldo devedor, tornando-a impagável.
Os municípios por décadas desembolsaram recursos para pagamento de dívidas que inviabilizam suas administrações. Os fatores mencionados e políticas econômicas equivocadas quanto ao desenvolvimento do País vêm causando enormes anomalias no equilíbrio das contas públicas dos entes federados. Devemos retornar aos princípios da Constituição de 1988, envolvendo toda a classe política para que ela assuma os compromissos de resgate do pacto federativo e de uma reforma tributária justa (não a que está sendo aprovada) e que destine aos municípios os recursos na mesma proporção das atribuições que lhes foram determinadas pela Constituição e demandadas pela população que neles reside.
A forma e constituição de um consórcio público
A constituição do consórcio público requer a observância estrita de um iter complexo, que reflete a natureza associativa da figura.
A criação de um consórcio público se inicia com a firmação de um protocolo de intenções prévio, assinado pelos chefes dos Poderes Executivos dos entes federados interessados. Esse protocolo de intenções definirá as condições essenciais sobre a organização e o funcionamento do consórcio.
O. art. 4.º da Lei 11.107/2005 disciplina as cláusulas essenciais a serem previstas neste protocolo:
Art. 4º São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:
I – a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;
II – a identificação dos entes da Federação consorciados;
III – a indicação da área de atuação do consórcio;
IV – a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos;
V – os critérios para, em assuntos de interesse comum, autorizar o consórcio público a representar os entes da Federação consorciados perante outras esferas de governo;
VI – as normas de convocação e funcionamento da assembléia geral, inclusive para a elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público;
VII – a previsão de que a assembléia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as suas deliberações;
VIII – a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de ente da Federação consorciado;
IX – o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
X – as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria;
XI – a autorização para a gestão associada de serviços públicos, explicitando:
a) as competências cujo exercício se transferiu ao consórcio público;
b) os serviços públicos objeto da gestão associada e a área em que serão prestados;
c) a autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos serviços;
d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa, no caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados;
e) os critérios técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão; e
XII – o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público.
§ 1º Para os fins do inciso III do caput deste artigo, considera-se como área de atuação do consórcio público, independentemente de figurar a União como consorciada, a que corresponde à soma dos territórios:
I – dos Municípios, quando o consórcio público for constituído somente por Municípios ou por um Estado e Municípios com territórios nele contidos;
II – dos Estados ou dos Estados e do Distrito Federal, quando o consórcio público for, respectivamente, constituído por mais de 1 (um) Estado ou por 1 (um) ou mais Estados e o Distrito Federal;
III – (VETADO)
IV – dos Municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os Municípios; e
V – (VETADO)
§ 2º O protocolo de intenções deve definir o número de votos que cada ente da Federação consorciado possui na assembléia geral, sendo assegurado 1 (um) voto a cada ente consorciado.
§ 3º É nula a cláusula do contrato de consórcio que preveja determinadas contribuições financeiras ou econômicas de ente da Federação ao consórcio público, salvo a doação, destinação ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direitos operadas por força de gestão associada de serviços públicos.
§ 4º Os entes da Federação consorciados, ou os com eles conveniados, poderão ceder-lhe servidores, na forma e condições da legislação de cada um.
§ 5º O protocolo de intenções deverá ser publicado na imprensa oficial.
Art. 5º O contrato de consórcio público será celebrado com a ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções. (negritos de ora)
A A etapa posterior envolve a aprovação do protocolo por meio de lei, editada por cada um dos entes políticos interessados, ratificando o protocolo de intenções nos moldes do art. 5º supra negritado
Se o consórcio público for dotado de personalidade jurídica de direito público, a aquisição da personalidade jurídica far-se-á mediante a vigência das leis de ratificação dos protocolos de intenção (Lei 11.107/2005, art. 6.º, I). Verbis:
Art. 6º O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:
I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;
II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.
§ 1º O consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados. (negritos de ora)
No caso de consórcio público com personalidade de direito privado, aplicam-se as regras da legislação civil. O protocolo de intenções, devidamente ratificado pelas leis dos consorciados, deve ser levado ao registro civil de pessoas jurídicas como qualquer ente privado.
Noutro giro a estrutura do consórcio público (membro da administração indireta dos entes associados) é integrada por assembleia geral composta pelos diferentes entes federativos consorciados. A assembleia geral terá competência, para eleger o representante legal do consórcio público, que será, obrigatoriamente, chefe do Poder Executivo de algum dos entes federativos consorciados.
O art. 6.º, § 2.º, da Lei 11.107/2005 determina que:
“O consórcio público, com personalidade jurídica de direito público ou privado, observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, à celebração de contratos, à prestação de contas e à admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943”.
Contrato de programa e contrato de rateio
O contrato de rateio é o instrumento adequado para que os entes consorciados repassem recursos financeiros ao consórcio público.
O ente consorciado, que não consignar, em sua respectiva lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações necessárias para atender as despesas previstas no contrato de rateio nos moldes legais poderá ser excluído do consórcio público.
Por sua vez o contrato de programa tem como escopo a constituição e regulamentação das obrigações que um ente da Federação constitui com outro ente da Federação ou com o consórcio público no âmbito de gestão associada de serviços públicos.
O objeto do contrato de programa envolve “a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos”.
A lei prevê a continuidade do contrato de programa mesmo quando extinto o consórcio público ou o convênio de cooperação que autorizou a gestão associada de serviços públicos, trata-se da denominada ultratividade do contrato de programa, uma vez que o contrato de programa permanece válido e eficaz mesmo com a permanência de uma única parte no ajuste.
Célio Eduardo Nunes Leite é Advogado da CHESF ELETROBRAS. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau; Consultor em Licitação e Contratação Pública.