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IN 73/2020 e a justificativa de preços nas inexigibilidades – Considerações sobre o art. 7º do novo normativo
- 28 de agosto de 2020
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
Se é certo que a pesquisa de preços constitui um dos principais “gargalos” de tempo dentro de um processo licitatório, é igualmente sabido que, em se tratando de contratação direta, a justificativa para uma contratação por inexigibilidade apresenta-se como uma das tarefas mais complexas a ser enfrentada pelo gestor que labora com contratações públicas.
A dificuldade para justificar uma inexigibilidade decorre de uma série de fatores, entre os quais a situação de a inexigibilidade ser um conceito de caráter eminentemente jurídico o que, por vezes, dificulta a imediata compreensão por aqueles que não têm formação na referida área. Ainda, a caracterização de uma inexigibilidade demanda uma análise subjetiva dos fatos o que pode ensejar maiores discussões entre os responsáveis pelo planejamento da contratação, resultando em maior tempo para finalizar a justificativa.
De fato, a meu ver, a justificativa nas inexigibilidades é complexa, pois além de ter que conter a descrição da necessidade a ser atendida com a contratação, deve demonstrar que a melhor solução para atendê-la não é um objeto licitável (fugindo, portanto, à regra da licitação), que o fornecedor a ser contratado é o mais adequado e, ainda, que o preço proposto é compatível com o preço de mercado.
Diante desse cenário, é que a recente Instrução Normativa nº 73, de 5 de agosto de 2020, editada pela Secretaria de Gestão do Ministério da Economia merece ser comemorada por aqueles que, em suas rotinas, têm a árdua tarefa de instruir processos de contratação por inexigibilidade.
O objetivo da IN nº 73 foi disciplinar “o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.” O escopo específico, entretanto, não impediu que trouxesse regras específicas sobre a justificativa de preços nas contratações por inexigibilidade, conforme se pode observar em seu art. 7º.
Já no caput do precitado art. 7º, é reforçada a necessidade de que os processos de inexigibilidade sejam instruídos com a devida justificativa “de que o preço ofertado à administração é condizente com o praticado pelo mercado”. E, na sequência, o artigo elenca, em um rol exemplificativo, alguns instrumentos por meio dos quais esta demonstração de adequação de preço poderá ser feita.
De um modo geral, as disposições do art. 7º formalizam posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais já consolidados sobre o assunto no sentido de que a comprovação da adequação do preço nas inexigibilidades deve ocorrer mediante a comparação com preços anteriormente praticados pelo próprio contratado e não pela comparação com preços de outros fornecedores, o que é um imperativo lógico da inviabilidade de competição que fundamenta a inexigibilidade.
Demais disso, observa-se que já caminhavam nesse sentido também posicionamentos da AGU, nos termos da Orientação Normativa nº 17, de 1º de abril de 2009, bem como do Tribunal de Contas da União, conforme demonstra o Acórdão 2993/2018-Plenário[1].
De acordo com o inciso I do art. 7º, a justificativa quanto ao preço proposto poderá ser feita pela apresentação de documentos fiscais ou instrumentos contratuais de objetos idênticos, comercializados pela futura contratada, emitidos no período de até 1 (um) ano anterior à data da autorização da inexigibilidade pela autoridade competente.
Quando utilizadas notas fiscais emitidas pela futura contratada em contratações anteriores, é importante observar se a nota fiscal é capaz de evidenciar a similaridade do preço antes praticado com aquele a ser pago em virtude da inexigibilidade. Há casos, por exemplo, em que o valor total descrito na nota fiscal não é similar ao preço proposto, porém, se considerado o valor cobrado por hora do serviço a ser contratado, haverá a necessária similaridade dos preços.
Assim, se, do conteúdo do documento fiscal não se puder extrair, de pronto, tal similaridade, necessário aclarar o conteúdo da nota, o que pode ser feito, por exemplo, pela juntada do contrato respectivo ou até mesmo da proposta, desde que por meio destes reste clara a compatibilidade entre o preço ora proposto e o antes praticado.
Outra possibilidade trazida pela IN é que a comparação do preço proposto seja feita com tabelas vigentes divulgadas pela futura contratada em sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, contendo data e hora de acesso de modo a comprovar que o preço da futura contratação é compatível com os preços de tabela da futura contratada.
Ainda, considerando todos os vieses que podem estar presentes em uma inexigibilidade, o §1º do artigo 7º admitiu expressamente que além de contratos anteriores, documentos fiscais e tabelas do fornecedor, o gestor possa se valer de outros critérios ou métodos, “desde que devidamente justificados nos autos pelo gestor responsável e aprovados pela autoridade competente.”
Outra situação com a qual o gestor pode se deparar no momento de elaborar a justificativa para o preço em uma inexigibilidade diz respeito à hipótese de o futuro contratado não haver comercializado o objeto a ser contratado anteriormente. Seria o caso, por exemplo, de um serviço que a futura contratada já preste, mas para o qual tenha conferido uma “formatação” mais específica para atender à demanda da Administração contratante.
Para tais situações, a IN, especificamente o §2
º do art. 7º em comentário, estabelece que a justificativa de preço poderá ser realizada com objetos de mesma natureza, já comercializados por aquele fornecedor.
Na sequência, a IN cuidou em reforçar a compreensão de que a existência de pluralidade de possíveis fornecedores descaracteriza a inexigibilidade. Nesse sentido, é que o §3º do art. 7º estabelece que se a pesquisa de preços indicar a possibilidade de competição, estará inviabilizada a inexigibilidade. Tal previsão, ademais, veicula o posicionamento já adotado pelo TCU, nos termos do Acórdão 2280/2019-Primeira Câmara[2].
Por fim, a Instrução Normativa autorizou que as previsões atinentes às inexigibilidades poderão ser aplicadas às hipóteses de dispensa de licitação, em especial as previstas nos incisos III, IV, XV, XVI e XVII do artigo 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
A partir desta breve análise ao art. 7º, percebe-se que a IN 73 trouxe um ganho importante em termos de segurança jurídica para aqueles que têm a desafiadora atribuição de instruir um processo de inexigibilidade de licitação. Todavia, considerando todas as nuances que uma inexigibilidade pode envolver, este tipo de contratação sempre demandará uma análise criteriosa por parte do gestor, ainda que agora, felizmente, exista a baliza da normatização.
Gabriela Lira Borges é Mestre em Governança e Planejamento Público pela UTFPR. Especialista em Direito Constitucional pela Unisul. Especialista em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera. Procuradora do Estado do Acre de 2005 a 2012. Consultora Jurídica da Consultoria Zênite de 2012 a 2016. Analista de Licitações do SESC Paraná de 2016 a 2017. Atualmente, Assessora Jurídica do SENAR Paraná. Autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S.
[1] “A justificativa de preço em contratação decorrente de inexigibilidade de licitação (art. 26, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.666/1993) pode ser feita mediante a comparação do valor ofertado com aqueles praticados pelo contratado junto a outros entes públicos ou privados, em avenças envolvendo o mesmo objeto ou objeto similar”. (Acórdão 2993/2018-Plenário, Rel. Min. Bruno Dantas).
[2] “A realização de cotação de preços junto a potenciais prestadores dos serviços demandados, a fim de justificar que os preços contratados estão compatíveis com os praticados no mercado, afasta a hipótese de inexigibilidade de licitação, por restar caracterizada a viabilidade de competição.” (Acórdão 2280/2019-Primeira Câmara, Relator Benjamin Zymler).