NLLC: marca e necessidade de alteração da Súmula 270 do TCU
- 18 de agosto de 2023
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
A Súmula 270 do TCU prevê o seguinte:
“Em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização e que haja prévia justificação”.
A Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), porém, tem forte influência de princípios da governança corporativa empresarial e a compra de produto “apenas por ser o mais barato” está em vias de extinção com a inclusão do conceito de “ciclo de vida do objeto”.
A proibição de marca, que não passa de uma escolha de marca (s) por via transversa, tem previsão expressa na nova lei de licitações, rompendo a exclusividade de padronização como justificativa para a indicação de marca.
É corriqueiro que nas empresas privadas ou mesmo em nosso âmbito doméstico haja “fuga” de determinadas marcas que criam problemas ao invés de oferecerem soluções.
O dogma da busca irracional apenas do menor preço restou sepultado pela nova lei de licitações. Assim, prevê a lei federal 14.133/21:
“Artigo 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:
(…)
III – vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;”.
Pensamos que a nova figura criou uma espécie de “obrigação de não fazer no âmbito administrativo” consistente em não adquirir marcas que tenham ciclo de vida que tornem o produto substancialmente mais caro do que o produto com preço apenas nominalmente maior.
A “demagogia da vantagem nominal” tem seus dias contados.
O processo para vedação/escolha de marca deve ser feito antes do procedimento licitatório de maneira a assegurar o contraditório e a ampla defesa às marcas que serão potencialmente vedadas e, também àquelas que, potencialmente, serão escolhidas.
O processo administrativo apartado e anterior à licitação propriamente dia é relevante pois dificulta a ocorrência de nulidades no âmbito do exercício do contraditório e da ampla defesa, principalmente pelas “fábricas de demagogia de preços” que oferecem problemas a preços módicos mas não entregam soluções à administração pública.
A (s) marca (s) a ser (em) indicada (s) como adequada (s) também deve participar do processo administrativo em busca da verdade real e do debate com a indicação de elementos técnicos que fundamentem a(s) escolha(s) da marca(s).
O procedimento deve ser iniciado com a justificativa técnica da área que pretende proibir/escolher, intimando-se todas as marcas possíveis e conhecidas. A intimação genérica das demais empresas interessas pelo Diário Oficial também é recomendável como reforço à possibilidade de defesa.
Após tal procedimento a licitação poderá ser iniciada, utilizando como justificativa para a escolha(s) /vedação(ões) de marca o procedimento adminsitrativo, afastando alegações de supressão do exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.
Em razão da modificação contínua de tecnologia, a cada procedimento licitatório o escolha/vedação de marca(s) pode ser impugnada, desde que sejam indicados elementos ausentes no procedimento anterior, como por exemplo, a mudança de tecnologia da empresa que tenha aumentado o ciclo de vida do objeto.
A regra que fulminou de morte o fornecimento pelas “fábricas de demagogia de preços” está prevista no artigo 41 da NLLC, especialmente no inciso I, “c” e no inciso III. Assim:
“Artigo 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:
I – indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses:
a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;
b) em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração;
c) quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante;
III – vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;”.
É possível interpretar-se que apenas o processo de proibição de marca teria a necessidade de processo administrativo apartado, já que o inciso III faz referência expressa ao estabelecer que “…mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensável ao pleno adimplemento da obrigação contratual”.
Porém, do ponto de vista substancial, a “escolha de uma marca” nada mais é senão a vedação implícita das demais, não tendo sentido hermenêutico que a vedação por via indireta e transversa tenha procedimento distinto do procedimento direto e imediato. Feita essa interpretação (da qual discordamos) estaríamos erigindo a hipocrisia e a dissimulação como instrumentos de gestão ao arrepio do princípio da moralidade administrativa.
Portanto, de rigor o processo administrativo tanto para a vedação quanto para a escolha de marca. Tal processo administrativo não precisará; obviamente; ser burocraticamente repetido a cada nova licitação, sendo suficiente sua menção nos procedimentos licitatórios posteriores.
Desta forma, encerrando um período de trevas gerencial, a nova lei de licitações inaugura um período de gestão pública efetiva com a possibilidade de escolha/vedação de marca por motivo substancial que é o ciclo de vida do objeto.
A provecta Lei 8.666/93 já autoriza a escolha de marca em hipótese de padronização da administração pública ou justificativa técnica. Porém, estabelece como regra o uso da similaridade, tornando a escolha da marca algo bem mais restrito.
Assim, prevê em seu artigo 7º a moribunda lei 8.666/93s:
“§5o É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório”.
O artigo 15 da mesma lei 8.666/93 prevê:
“Artigo 15. As compras, sempre que possível, deverão:
(…)
§7o. Nas compras deverão ser observadas, ainda:
I – a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;”
Nesse ambiente de aridez legislativa é que o TCU editou a Súmula 270 acima referida.
Com todo o respeito, pedimos licença para sugerir a redação hipotética que deverá prosperar após debates no TCU sobre o tema da marca sob a luz da NLLC:
“Em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização, escolha/vedação decorrente de motivos estritamente técnicos e que haja prévia justificação”. (negrito e sublinhado em nossos acréscimos não existentes na redação original da Súmula 270 do TCU).
Feita nossa modesta sugestão, a palavra final está com a Corte de Contas.
Laércio José Loureiro dos Santos é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed., Dialética, 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm, 2023).