Parecer jurídico: breves notas sobre o controle de legalidade na fase preparatória da contratação
- 6 de outubro de 2023
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
A Lei nº 14.133/2021 promoveu significativa ampliação das atribuições da assessoria jurídica em relação ao que antes era previsto pela Lei nº 8.666/93. Enquanto nesta, a atuação da assessoria jurídica era, basicamente, a análise prévia da minuta de edital, pelo regime instituído pela Nova Lei, à assessoria jurídica competem as seguintes ações: a) apoio a agente e comissão de licitação, comissão de apoio, fiscais e gestores de contrato; b) controle de legalidade na fase preparatória da contratação e c) representação judicial e extrajudicial de agentes públicos, na hipótese autorizada pela Lei.
No presente artigo, serão abordados alguns aspectos sobre a alínea b supra, isto é, sobre o controle de legalidade na fase preparatória da contratação com foco na manifestação jurídica adequada.
A ampliação da atuação da assessoria jurídica à toda a fase de preparatória é consentânea com o destaque dado pela Nova Lei ao planejamento das contratações pois, conforme se sabe, a Lei nº 14.133/2021 alçou o planejamento a princípio expresso, em seu artigo 5º [1], ao lado da legalidade, moralidade, eficiência, vinculação ao edital e de outros pilares do regime jurídico das contratações.
Fundamento legal
De início, registra-se o dispositivo legal que fundamenta a atuação da assessoria jurídica no controle de legalidade da fase preparatória, qual seja, o artigo 53:
Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
Do caput do dispositivo, extrai-se também o momento em que a manifestação jurídica deverá ocorrer, qual seja, ao final da fase preparatória.
Forma da manifestação
No que diz respeito à forma, o artigo 53, inciso II fixa algumas balizas acerca de como deve ser redigida a manifestação jurídica:
Art. 53. omissis
(…)
II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
Uma crítica frequente aos pareceres jurídicos é que, devido à forma como são escritos, estas manifestações tornam-se, muitas vezes, incompreensíveis para aqueles que não têm formação ou conhecimento jurídico prévio.
Em linha de coerência com as diversas normas que visam a aperfeiçoar o procedimento, a Nova Lei preocupou-se com a forma da manifestação jurídica e estabeleceu que ela deverá ser escrita de maneira compreensível, com clareza e objetividade.
Conteúdo da manifestação
Quanto ao conteúdo da manifestação jurídica, como se trata de controle de legalidade, é imperioso que seja verificado o cumprimento do arcabouço normativo aplicável a etapa do planejamento.
E, no cenário da Nova Lei, o artigo 18 constitui, em nosso ver, o núcleo normativo do planejamento da contratação ordenado dentro da fase preparatória. Pertinente resgatar o inteiro teor do dispositivo:
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;
II – a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso;
III – a definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento;
IV – o orçamento estimado, com as composições dos preços utilizados para sua formação;
V – a elaboração do edital de licitação;
VI – a elaboração de minuta de contrato, quando necessária, que constará obrigatoriamente como anexo do edital de licitação;
VII – o regime de fornecimento de bens, de prestação de serviços ou de execução de obras e serviços de engenharia, observados os potenciais de economia de escala;
VIII – a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e a adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros, para os fins de seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, considerado todo o ciclo de vida do objeto;
IX – a motivação circunstanciada das condições do edital, tais como justificativa de exigências de qualificação técnica, mediante indicação das parcelas de maior relevância técnica ou valor significativo do objeto, e de qualificação econômico-financeira, justificativa dos critérios de pontuação e julgamento das propostas técnicas, nas licitações com julgamento por melhor técnica ou técnica e preço, e justificativa das regras pertinentes à participação de empresas em consórcio;
X – a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual;
XI – a motivação sobre o momento da divulgação do orçamento da licitação, observado o art. 24 desta Lei.
Acerca do tratamento dado pela Nova Lei ao planejamento, oportunas as lições de Joel de Menezes Niebuhr [2]:
Na Lei nº 14.133/2021, o planejamento foi visivelmente realçado. O legislador houve por bem dedicar à fase preparatória, em que ocorre o planejamento, um capítulo inteiro da nova lei, o Capítulo II do Titulo II. O fato é que a Lei n. 14.133/2021 encampou em linhas gerais o fluxo procedimental para o planejamento contido nas instruções normativas federais (como de n. 5/2027, da antiga Secretaria de Gestão do antigo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão), pelo que a origem é bem identificada: plano anual de contratações (inciso VII do artigo 12), estudo técnico preliminar (inciso I do artigo 18), termo de referência ou projetos (inciso II do artigo 18), orçamentação (inciso III do artigo 18), análise de riscos (inciso X do artigo 18) e aprovação jurídica (art. 52).
Com base no precitado artigo, bem como da lição doutrinária acima transcrita, elencam-se alguns pontos cuja análise não pode ser omitida da manifestação jurídica que vise ao controle de legalidade na fase preparatória da contratação. São eles: estudo técnico preliminar, TR, projeto básico e executivo, minuta de edital, minuta de contrato, orçamentação e análise de riscos.
Sobre todos estes pontos, a recomendação primordial é verificar a existência ou não do documento no processo e, em caso de ausência, avaliar se há amparo legal e justificativa emitida pelo agente competente para a omissão. Presente o documento, o próximo passo será verificar sua conformidade com a Lei e também com regulamentos pertinentes, caso existentes.
Em todos os casos, oportuno lembrar que a análise jurídica deve limitar-se a aspectos jurídicos, não ingressando na seara técnica em afronta à segregação de funções e para resguardar de responsabilização o próprio emitente da manifestação jurídica.
Gabriela Lira Borges é mestre em Planejamento e Governança Publica pela UTFPR (2020). Especialista em Direito Tributário pela Uniderp/Anhaguera e em Direito Constitucional pela Unisul, advogada e consultora jurídica especializada em contratações públicas e de entidades paraestatais, autora de diversos artigos jurídicos sobre licitações e contratos na Administração Pública e em entidades do Sistema S e sobre regime jurídico de pessoal da Administração.
[1] Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
[2] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, p. 112.