Servidor temporário pode ser Pregoeiro? Exercício da função de Pregoeiro à luz das disposições da Lei 8.745/93
- 14 de abril de 2020
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Exercício da função de Pregoeiro à luz das disposições da Lei 8.745/93
Por Juliana Miky Uehara
Como se sabe, o Pregoeiro desempenha importantes funções dentro da Administração Pública, intercalando-se entre coordenar o procedimento licitatório e controlar as atividades que lhe são acessórias. Destarte, no exercício desse mister este sagaz agente público é objetivamente responsável por processar e julgar o procedimento licitatório, incumbindo-lhe:[1]
- receber os envelopes contendo os documentos de habilitação e as propostas;
- o exame, segundo os termos do edital, dos documentos habilitatórios;
- a habilitação ou inabilitação dos licitantes;
- o julgamento, igualmente nos termos do edital, das propostas;
- a classificação ou desclassificação das propostas;
- o dever de revisar os seus atos quando viciados;
- o recebimento de recursos contra seus atos e o dever de informá-los à autoridade superior;
- a apreciação de recurso hierárquico e o dever de informar a autoridade superior caso decida por manter sua decisão;
- promoção de diligências;
- adjudicar o objeto, quando não houver recurso;
- conduzir a equipe de apoio;
- propor à autoridade superior a aplicação de penalidades aos licitantes.
Por praticar atos administrativos, isto é, atos voltados à satisfação do interesse público, os misteres atribuídos ao Pregoeiro devem observar os estreitos limites de sua competência, pois “qualquer ato que desborde dessa vinculação será passível de invalidação administrativa ou judicial”.[2]
A par da importância destas funções, é natural que se indague: o servidor temporário poderia ser Pregoeiro?
A contratação temporária de mão de obra foi disciplinada pelo inc. XI, do art. 37, da Constituição da República, nos seguintes termos:
Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Omissis (…)
IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
De acordo com o texto constitucional, é possível a contratação servidores temporários, para o atendimento de excepcional de interesse público, nas hipóteses prescrita em lei.
Em âmbito federal, a matéria foi regulamentada pela Lei 8.745/93, nos seguintes termos:
Art. 2º – Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:
I – assistência a situações de calamidade pública;
II – assistência a emergências em saúde pública;
III – realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE;
IV – admissão de professor substituto e professor visitante;
V – admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro;
VI – atividades:
a) especiais nas organizações das Forças Armadas para atender à área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia;
b) de identificação e demarcação territorial
d) finalísticas do Hospital das Forças Armadas;
e) de pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de informações, sob responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações – CEPESC;
f) de vigilância e inspeção, relacionadas à defesa agropecuária, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para atendimento de situações emergenciais ligadas ao comércio internacional de produtos de origem animal ou vegetal ou de iminente risco à saúde animal, vegetal ou humana;
g) desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM e do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM.
h) técnicas especializadas, no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado, implementados mediante acordos internacionais, desde que haja, em seu desempenho, subordinação do contratado ao órgão ou entidade pública.
i) técnicas especializadas necessárias à implantação de órgãos ou entidades ou de novas atribuições definidas para organizações existentes ou as decorrentes de aumento transitório no volume de trabalho que não possam ser atendidas mediante a aplicação do art. 74 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990;
j) técnicas especializadas de tecnologia da informação, de comunicação e de revisão de processos de trabalho, não alcançadas pela alínea i e que não se caracterizem como atividades permanentes do órgão ou entidade;
l) didático-pedagógicas em escolas de governo; e
m) de assistência à saúde para comunidades indígenas; e
VII – admissão de professor, pesquisador e tecnólogo substitutos para suprir a falta de professor, pesquisador ou tecnólogo ocupante de cargo efetivo, decorrente de licença para exercer atividade empresarial relativa à inovação;
VIII – admissão de pesquisador, nacional ou estrangeiro, para projeto de pesquisa com prazo determinado, em instituição destinada à pesquisa; e
IX – combate a emergências ambientais, na hipótese de declaração, pelo Ministro de Estado do Meio Ambiente, da existência de emergência ambiental na região específica.
X – admissão de professor para suprir demandas decorrentes da expansão das instituições federais de ensino, respeitados os limites e as condições fixados em ato conjunto dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Educação;
XI – admissão de professor para suprir demandas excepcionais decorrentes de programas e projetos de aperfeiçoamento de médicos na área de Atenção Básica em saúde em regiões prioritárias para o Sistema Único de Saúde (SUS), mediante integração ensino-serviço, respeitados os limites e as condições fixados em ato conjunto dos Ministros de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Saúde e da Educação (sem grifos no original).
A celeuma que permeia o tema é se estes servidores, contratados ad tempus, podem desempenhar a função de Pregoeiros, mormente considerada a categoria jurídica em que se enquadram e a transitoriedade em que ocuparão o cargo público.
A matéria é controvertida e pouco abordada doutrinária e jurisprudencialmente. Porquanto, colacionar-se-ão os parcos estudos localizados sobre o tema, para ao final firmar o entendimento que parece melhor se aplicar ao caso.
Joel de Menezes NIEBUHR advoga ser possível a designação de quaisquer servidores, inclusive os contratados em caráter transitório, para desempenhar a função de Pregoeiro, veja-se:
… se depreende da leitura o mesmo inciso IV do artigo 3° que o pregoeiro deve ser servidor do órgão ou da entidade promotora da licitação. De acordo com o artigo 84 da Lei n° 8.666/93, que se aplica subsidiariamente à modalidade pregão, “Considera-se servidor público, para os fins desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público”. Ademais, o §1° do mesmo artigo 84 da Lei n° 8.666/93 equipara a servidor público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal assim consideradas, além das fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.
Isso significa que a expressão servidor – utilizada no inciso IV do artigo 3° da Lei n° 10.520/02 – é bastante abrangente, já que diz respeito a todos que mantém vínculo com a Administração Pública, direta e indireta, inclusive com entidades controladas indiretamente pelo Poder Público, também obrigadas a realizarem licitação pública. Esse vínculo pode ser tanto estatutário quanto regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, englobando ocupantes de cargos efetivos, cargos em comissão, empregados, contratados por tempo determinado, todos, a rigor, para efeitos legais, “servidores”[3] (destaques no original).
Jair Eduardo SANTANA, partilha do mesmo entendimento:
Saber quem é “servidor do órgão ou da entidade promotora da licitação” não ensejaria maiores dificuldades. Com efeito, nota-se que “servidor” é expressão designativa de toda aquela pessoa física que possui relação de trabalho com o Estado, mediante pagamento. Ou seja, se a lei do pregão tomou a expressão “servidor público”, em seu sentido amplíssimo, está se referindo tanto ao “efetivo”, ao “empregado”, ao “cedido”, ao “requisitado”, quanto o “ocupante de cargo comissionado”, etc. E, por ser assim, por certo incluem-se nessa rubrica – “servidores” – até mesmo os temporários.[4]
Sidney BITTENCOURT aborda tangencialmente a matéria e parece pender pela impossibilidade de servidores alocados em caráter transitório exercerem a função de Pregoeiro, observe-se:
A designação do pregoeiro deve cingir-se ao elenco de servidores do órgão promotor da licitação ou entidade do Sisg, o que afasta, de plano, a possibilidade de ser indicado um estranho aos quadros da Administração.
Uma indagação que se afigura diz respeito à possibilidade de se nomear um servidor ocupante de cargo em comissão para o exercício da função de pregoeiro.
Segundo preconizado pelo inc. IV do art. 3° da Lei n° 10.520/2002, a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e a respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, entre outras, o recebimento das propostas e lances, análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.
(…)
Nos termos do dispositivo, verifica-se que a expressão “servidores” foi adotada de forma genérica, o que poderá induzir ao entendimento de que estaria abrangendo todos os que mantêm vinculo com a Administração. Nesse diapasão, servidores celetistas ou estatutários, ocupantes de cargos efetivos ou em comissão, estariam enquadrados na regra e, portanto, aptos a ser nomeados como pregoeiros.
Ocorre que, ao tratar da equipe de apoio ao pregoeiro, a norma dispôs que essa equipe “deverá ser integrada, em sua maioria, por servidores ocupantes de cargo efetivo, pertencentes, preferencialmente, ao quadro permanente do órgão ou entidade promotora da licitação. Numa dedução lógica, há que se concluir que, se para compor o grupo de apoio, que possui atribuição auxiliar ao pregoeiro, a Lei n° 10.520/2002 exige vínculo efetivo com a Administração, não há como sustentar que o pregoeiro, que detém atribuições infinitamente superiores, possa não possuir tal vínculo.[5]
Em que pese às vozes de escol divergirem entre si, ao que parece a delegação de tais atribuições a servidores temporários esbarraria nas disposições normativas que regem a categoria. Isto porque, o art. 9° da Lei 8.745/93, veda a delegação de quaisquer atribuições, funções ou encargos não previstos no contrato de trabalho a servidores temporários, veja-se:
Art. 9º – O pessoal contratado nos termos desta Lei não poderá:
I – receber atribuições, funções ou encargos não previstos no respectivo contrato;
II – ser nomeado ou designado, ainda que a título precário ou em substituição, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança;
III – ser novamente contratado, com fundamento nesta Lei, antes de decorridos 24 (vinte e quatro) meses do encerramento de seu contrato anterior, salvo nas hipóteses dos incisos I e IX do art. 2° desta Lei, mediante prévia autorização, conforme determina o art. 5° desta Lei. (sem grifos no original).
À guisa das disposições normativas, é necessário indagar a razão que conduziu o legislador a vedar a possibilidade de delegação de quaisquer atribuições/funções/encargos não previstos no contrato de trabalho aos servidores temporários. Uma explicação possível seria evitar o desvio de função, já que a contratação de tais servidores tem por objeto máximo o atendimento de um interesse público excepcional.
Aprofundando um pouco mais a reflexão, e transpondo-a para o caso dos Pregoeiros, chega-se a uma dicotomia que não pode ser mitigada ainda que se pretenda incluir tais atribuições no contrato de trabalho dos futuros servidores.
Isto porque, neste caso, deve-se nortear a interpretação do conjunto normativo por um princípio fundamental: a função de Pregoeiro não é inerente a um cargo público específico e exige, pari passu, capacitação daqueles que irão exercê-la. Perceba-se, que a questão produz obstáculos de duas ordens. Primeiro: impede a contratação de servidores temporários, especificamente, para ocuparem o “cargo” de Pregoeiro, já que as funções por ele desempenhadas não são inerentes a um cargo público específico. Segundo: obsta de se cogitar a possibilidade de se exercer esta função (Pregoeiro) concomitante a outras, já que as segundas poderiam ser preteridas em razão da necessidade de capacitação e do tempo exigidas pela primeira.
Por isto, e para que não haja desvio do telos que informa a contratação temporária, não se pode aceder com a hipótese de que os servidores contratados transitoriamente, venham a exercer a função de Pregoeiro, ou qualquer outra que não esteja prevista no seu respectivo contrato de trabalho.
Juliana Miky Uehara é advogada, consultora em licitações e contratos administrativos e Assessora Especial de Gabinete na Prefeitura Municipal de Pinhais/PR.
[1] A síntese apresentada foi proposta por Diógenes GASPARINE. In: GASPARINI, Diógenes. Comissão de Licitação: e demais órgãos colegiados referidos na Lei n° 8.666/93. São Paulo: NDJ, 2002. p. 13.
[2] Ibidem, p.14.
[3] NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão Presencial e Eletrônico. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 89-90.
[4] SANTANA, Jair Eduardo. Pregão Presencial e Eletrônico. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 139.
[5] BITTENCOURT, Sidney. Pregão eletrônico. 4. ed. Brasília: Gestão Pública, 2016. p. 127-128.