Lei nº 14.133/2021 e Lei nº 13.303/2016: a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro contratual, variação cambial e estudo comparativo
- 1 de julho de 2021
- Posted by: Inove
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ANÁLISE JURÍDICA
A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, inicialmente estabelecido com a aceitação da proposta pela Administração, constitui direito do contratado garantido pela Constituição da República (art. 37, inc. XXI) e pela Lei nº 13.303/2016 (art. 81, inc. VI c/c §5º).
Para viabilizar o exercício desse direito, o ordenamento jurídico conceituou institutos voltados à recomposição da equação econômico-financeira, sendo eles basicamente a revisão, o reajuste e repactuação.
A Lei das Estatais prevê os mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro em seus artigos 69, III e 81, VI c/c. §§ 6º e 7º. O inciso III do art. 69 reproduz na íntegra o art. 55, III da Lei nº 8.666/93. O art. 81, VI é cópia do art. 65, II, d da Lei de Licitações. O art. 81, §6º da nova lei reproduz, com as devidas adaptações, o art. 65, §6º da Lei nº 8666/93. Por final, o art. 81, §7º também replica o teor do art. 65, §8º da Lei de Licitações.
Eis os dispositivos da lei das estatais a tratar do tema:
”Art. 69. São cláusulas necessárias nos contratos disciplinados por esta Lei:
[…]
III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços e os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;
(….)
”Art. 81. Os contratos celebrados nos regimes previstos nos incisos I a V do art. 43 contarão com cláusula que estabeleça a possibilidade de alteração, por acordo entre as partes, nos seguintes casos:
[…]
VI – para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
[…]
§6º Em havendo alteração do contrato que aumente os encargos do contratado, a empresa pública ou a sociedade de economia mista deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.
§7º A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato e as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do contrato e podem ser registrados por simples apostila, dispensada a celebração de aditamento.
Temos da leitura do art. 68 da Lei nº 13.303/16, que os contratos por ela regidos deverão observar as suas cláusulas, o disposto na própria lei e os preceitos de direito privado. Isso quer dizer que os demais decretos, leis e instruções normativas que regulamentam a matéria no direito público não podem mais ser utilizados de forma subsidiária como ainda é possível em sede de lei geral de licitação. Com a nova sistemática da lei das estatais, as lacunas, segundo a própria lei, agora serão dirimidas pelo direito privado, ou seja, aplicar-se-á, em princípio, o Código Civil.
O Diploma privado traz as regras sobre inadimplemento, mora e juros legais nos arts. 389 a 407, porém não traz regras específicas acerca dos meios de reequilíbrio contratual.
O contrato deve suprir tal lacuna legal em sede de Administração Pública Indireta e deverá trazer a disciplina acerca do reequilíbrio contratual, juntamente com as normas internas e regulamentares das estatais.
Apenas a título exemplificativo trazemos o teor do regulamento de licitação e contratação da ELETROBRAS, que tratou de forma muito técnica o tema sub examen:
”Alteração para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato
1 – O equilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ocorrer por meio de:
a) reajuste: instrumento para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato diante de variação de preços e custos que sejam normais e previsíveis, relacionadas com o fluxo normal da economia e com o processo inflacionário, devido ao completar 1 (um) ano a contar da data da proposta;
b) repactuação: espécie de reajuste destinado aos contratos de terceirização de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, em que os custos de mão de obra são calculados ao completar 1 (um) ano a contar da data do orçamento a que se refere a proposta, ou seja, da data base da categoria ou de quando produzirem efeitos acordo, convenção ou dissídio coletivo;
c) revisão: instrumento para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato diante de variação de preços e custos decorrentes de fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém com consequências incalculáveis, e desde que se configure álea econômica extraordinária e extracontratual, sem a necessidade de periodicidade mínima.” (negritos de ora)
A revisão contratual tem por objetivo promover o reequilíbrio econômico-financeiro abalado em face da superveniência de fatos imprevisíveis ou, se previsíveis, de consequências incalculáveis. Para que seja devida, além da ocorrência de álea extraordinária, deve ser demonstrado o nexo de causalidade entre o evento e a ruptura efetiva da equação econômico-financeira. A revisão pode ocorrer a qualquer tempo, não havendo necessidade do lapso temporal de 1 ano exigido para o reajuste por força da lei do plano real.
Nesse contexto, entende-se que, em tese, a Administração poderá revisar o preço contratado em face da variação da moeda estrangeira, na hipótese de ocorrer, na vigência do contrato, variação expressiva da moeda estrangeira. Mas, deve restar devidamente comprovada a relação e o efeito econômico prejudicial para a contratada, entre a variação da cotação da moeda estrangeira e o equilíbrio da equação: encargo x preço que deu origem ao contrato.
Em suma, desde que devidamente comprovado o nexo de causalidade entre o evento identificado e o desequilíbrio detectado entre o encargo inicialmente definido e a remuneração, será devida a revisão contratual. Lembramos, porém, que não é qualquer variação de preços que possibilita a revisão contratual.
Renato Geraldo Mendes esclarece o tema:
Por vezes, os contratados alegam que a variação cambial em relação ao Real produz um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato e que a manutenção das bases contratuais, no tocante ao preço, causa prejuízo insuportável aos seus interesses. Em tese, é indiscutível o direito à revisão quando verificada a ocorrência de desequilíbrio na equação econômico-financeira. Todavia, o fato de haver um direito em tese a ser reconhecido não significa que, no caso concreto, haverá obrigatoriamente revisão. É preciso um exame do caso específico a fim de apurar o direito ou negar-lhe guarida. Nesse sentido, a oscilação cambial, pura e simples, não é razão suficiente para que pleitos que objetivem revisão sejam acolhidos, notadamente partindo da premissa de que, como regra, os contratos são em reais. O ideal é a análise do caso concreto, ou seja, o fornecedor terá de demonstrar cabalmente que o evento (variação cambial) causou um desequilíbrio na equação econômico-financeira e que o cumprimento do contrato nas bases iniciais representaria prejuízo, visto que o evento era imprevisível (ou previsível, porém de consequências incalculáveis). (MENDES, 2016, Lei nº 8.666/1993, nota ao art. 65, inc. II, alínea “d”, categoria Doutrina.) (negritos de ora)
Como se sabe nem todo fator externo que altere a proposta do particular rompe a equação econômico-financeiro do contrato. A atividade empresarial está sujeita a intempéries e oscilações naturais do mercado que são inerentes ao risco e alea de se exercer uma atividade econômica. Nem mesmo a oscilação da cotação de moeda estrangeira pode, por si só, demandar o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.
Para fundamentar um claim de reequilíbrio econômico-financeiro, deve restar comprovada uma “álea econômica extraordinária e extracontratual” que impeça ou retarde a execução do contrato, segundo a nova lei de licitação, in verbis:
LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021
Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(…)
II – por acordo entre as partes:
(….)
d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.
A variação cambial no equilíbrio econômico-financeiro de um contrato administrativo pode ser enquadrada como um fato imprevisível (teoria da imprevisão) ou previsível, porém de consequências incalculáveis.
A Corte de Contas Federal já se manifestou sobre o tema. Um julgado que é considerado um ‘case’ é o Acórdão n. 2.837/2010. Na ocasião a Corte de Contas Federal sedimentou o entendimento de que a corriqueira variação cambial, do dia a dia, não impacta no equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, pois é previsível e traduz-se em risco ordinário do negócio ou álea empresarial.
Em 2017 decidiu o Tribunal de Contas da União respondeu à consulta do Ministério do Turismo por meio do Acórdão n. 1.431/2017. Em seu técnico Voto o Relator, o Ministro Vital do Rêgo entendeu que ”a variação cambial que impacta no equilíbrio econômico-financeiro deve ser inesperada, abrupta e afetar a execução do contrato. Além disso, afirmou que a recomposição deve ser fundamentada, com documentação que ateste tal situação “de forma incontestável” em todo o custo global do contrato, e não somente em determinados itens.”’
Em suma o Relator, sumarizou em três pontos os fundamentos cumulativos (concomitantes) para a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro:
“a) constituir-se em um fato com consequências incalculáveis, ou seja, cujas consequências não sejam passíveis de previsão pelo gestor médio quando da vinculação contratual;
b) ocasionar um rompimento severo na equação econômico-financeira impondo onerosidade excessiva a uma das partes. Para tanto, a variação cambial deve fugir à flutuação cambial típica do regime de câmbio flutuante; e
c) não basta que o contrato se torne oneroso, a elevação nos custos deve retardar ou impedir a execução do ajustado, como prevê o art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei 8.666/1993.”
Em 2019 a 1ª Câmara do Tribunal de Contas de União exarou o Acórdão n. 4.125/2019. e nele o TCU entendeu que a variação cambial deve ser imprevisível ou de consequências incalculáveis para que seja concedido o reequilíbrio econômico-financeiro. Da análise dos acórdãos do Tribunal de Contas da União é possível tecer algumas conclusões:
1. A variação cambial ordinária não autoriza o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos;
2. Somente será concedido o reequilíbrio no caso de variação cambial imprevisível ou previsível, porém de consequências incalculáveis que impactem significativamente a equação financeira contratual;
3. É importante analisar a variação cambial à luz do contexto fático e econômico para confirmar a sua (im)previsibilidade e seus efeitos;
4. A variação cambial deve repercutir em todo o custo global do contrato, e não sob determinado item objeto do contrato;
5. A recomposição deve ser fundamentada no processo de claim e deve conter documentação que comprove todos estes fatores.
É de boa técnica que a Administração pública analise pontualmente um pedido de revisão em face da análise do preenchimento dos pressupostos exigidos para referido reequilíbrio contratual. O ônus é da contratada de comprovar documentalmente que a variação da moeda estrangeira, além de se mostrar imprevisível no momento da formação do ajuste, promoveu efetivo desequilíbrio da relação encargo x remuneração instituída com a celebração do contrato nos termos da proposta apresentada.
Célio Nunes Leite é consultor em licitação/contratação Administrativa, advogado da CHESF\ELETROBRAS. Especialista em Direito Público pela Faculdade Mauricio de Nassau. Artigos publicados nos mais prestigiados periódicos e sites de direito público.