O parcelamento do objeto de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União
- 1 de julho de 2019
- Posted by: Inove
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De acordo com a Lei 8.666/1993, o objeto da licitação deve ser parcelado sempre que técnica ou economicamente viável, de modo que a reunião/agrupamento do objeto somente será cabível quando devidamente justificado no processo administrativo:
Art. 23 (…)
§1º. As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala.
O objetivo da norma é ampliar a competitividade, sobretudo porque algumas empresas podem não ter capacidade ou condições de ofertar a integralidade do objeto, mas apenas uma parte dele, razão pela qual a adjudicação conjunta inviabilizaria a participação delas no certame.
De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, o parcelamento é a regra, sendo a adjudicação global exceção que deve ser previamente motivada no processo administrativo. Este entendimento foi inserido no Enunciado de Súmula n.º 247 nos seguintes termos:
É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.
Durante a etapa de planejamento da contratação, a administração precisa definir como será feita a adjudicação do objeto no caso em que há diversas pretensões contratuais sendo conduzidas em um único processo, é dizer, o gestor público precisa definir se a disputa será autônoma para cada item ou de forma global, situação na qual todos serão atribuídos a uma única empresa.
Essa não é uma decisão fácil. Há, por exemplo, a possibilidade de que a adjudicação conjunta se justifique por razões econômicas, já que se os itens forem licitados separadamente poderá haver um risco de desinteresse das concorrentes em disputarem aqueles de valores menores, privilegiando os mais representativos da licitação. Isso pode acarretar, inclusive, o fracasso da licitação.
É necessário frisar que o parcelamento do objeto não deve ser confundido com o fracionamento ilegal da despesa, sendo este último um ato ilícito, cuja prática se materializa por meio da divisão do objeto que deveria ser licitado conjuntamente com o propósito de adotar na licitação uma modalidade mais simples do que aquela legalmente prevista. A hipótese está assim redigida na Lei n.º 8.666/1993:
Art. 23 (…)
§5º. É vedada a utilização da modalidade “convite” ou “tomada de preços”, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de “tomada de preços” ou “concorrência”, respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.
O fracionamento da despesa também pode ocorrer quando a administração realiza diversas contratações diretas com fundamento no art. 24, incisos I e II, da Lei n.º 8.666/1993, quando, na verdade, o objeto deveria ter sido licitado.
No âmbito da justificativa econômica para a reunião de diversas pretensões contratuais em um único objeto licitatório, é importante registrar que o mercado tende a oferecer preços menores quando a contratação é realizada conjuntamente, posto que os custos administrativos/logísticos são menores do que aqueles existentes na contratação individualizada. Esse não poderá ser, isoladamente, o motivo para a reunião dos itens, mas deve ser considerado como mais um elemento na justificativa administrativa para o afastamento da regra geral do parcelamento.
Uma outra hipótese de exceção à regra geral do parcelamento do objeto em tantos itens quanto possível é aquela com fundamento em razões técnicas, ou seja, quando há necessidade sob o ponto de vista técnico, de que os itens sejam contratados conjuntamente, sob risco de não ser alcançado o objetivo da licitação, a saber, suprir a demanda administrativa.
Em relação à justificativa técnica para a associação dos itens, deve-se deixar bem claro no processo administrativo qual é efetivamente o risco para a administração com eventual contratação separada dos itens.
A contratação de empresa para realização de eventos, por exemplo, pode ilustrar esse caso. É que a organização de um evento envolve diversas atividades que precisam ser executadas de forma sincronizada para que o serviço seja adequadamente prestado. A decoração, a alimentação, os serviços de recepção, dentre outros, precisam estar alinhados de modo a garantir a realização do evento conforme o interesse da administração.
Apesar de não constar expressamente do texto legal, há uma outra situação que autoriza o agrupamento de itens. Trata-se da limitação na capacidade operacional e administrativa do órgão na gestão de uma quantidade expressiva de contratos. A depender do objeto, a contratação individual pode representar um custo de fiscalização e acompanhamento dos diversos contratos desproporcionais aos benefícios obtidos na separação dos itens. Essa situação é, inclusive, reconhecida pelo TCU:
(…) 9. Urge frisar, preliminarmente, que a adjudicação por grupo ou lote não pode ser tida, em princípio, como irregular. É cediço que a Súmula 247 do TCU estabelece que as compras devam ser realizadas por item e não por preço global, sempre que não haja prejuízo para o conjunto ou perda da economia de escala. Mas a perspectiva de administrar inúmeros contratos por um corpo de servidores reduzido pode se enquadrar, em nossa visão, na exceção prevista na Súmula 247, de que haveria prejuízo para o conjunto dos bens a serem adquiridos.
10. A Administração deve sopesar, no caso concreto, as consequências da multiplicação de contratos que poderiam estar reunidos em um só, optando, então, de acordo com suas necessidades administrativas e operacionais, pelo gerenciamento de um só contrato com todos os itens ou de um para cada fornecedor. É claro que essa possibilidade deve ser exercida dentro de padrões mínimos de proporcionalidade e de razoabilidade. (grifo nosso)
Acórdão 2.796/2013-Plenário
O simples fato de existirem no mercado empresas capazes de fornecer todos os produtos ou prestar diversos serviços não autoriza, por si só, a licitação conjunta do objeto, sendo este o entendimento do Tribunal do Contas da União:
15. No que se refere à falta de parcelamento do objeto, também considero que os responsáveis não conseguiram refutá-las. A principal justificativa para tanto foi a de que não haveria garantia mínima de contratação em relação ao serviço de plotagem, assim sua junção com o serviço de outsourcing de impressão visava a evitar que a licitação fosse deserta. Os defendentes aduziram ainda que a competitividade do certame não ficou prejudicada, pois, na fase de planejamento, havia sido verificada a existência de empresas que poderiam fornecer os dois serviços conjuntamente.
16. Ora, conforme pontuou a Selog, há uma flagrante contradição entre a afirmação de que não haveria garantia mínima de contratação do serviço e a previsão de quantidades expressivas de contratação de plotagem no termo de referência. Vale frisar que o serviço de plotagem correspondia a 45% do valor da contratação, equivalente a mais de R$ 7 milhões em doze meses. Portanto, o argumento não é razoável. Ademais, a simples existência de empresas que pudessem oferecer o serviço não é suficiente para justificar a ausência de parcelamento do objeto quando viável, pois o parcelamento deve ser a regra, excepcionada apenas quando for justificadamente prejudicial ao interesse público ou da Administração, o que não é o caso. Nesse sentido, são os Acórdãos 491/2012 – e 3.155/2011 – ambos do Plenário, entre outros. (grifo nosso)
Acórdão 3009/2015-Plenário
Essa definição sobre o parcelamento ou o agrupamento de diferentes pretensões contratuais em um lote/grupo da licitação precisa ser objeto de ampla avaliação durante os estudos técnicos preliminares, quando deverá ser feito, por exemplo, um diagnóstico do mercado para verificar a viabilidade de contratar o objeto conjuntamente.
Um bom exemplo dessa análise de mercado é a contratação conjunta de serviços terceirizados que não exigem especialização técnica, ou seja, atividades como limpeza, recepção, jardinagem, dentre outras. O TCU tem admitido a contratação integrada dos referidos serviços.
Esse posicionamento da Corte de Contas se sedimentou a partir da compreensão de que a administração não está contratando a atividade em si, mas a gestão da mão de obra, sobretudo porque no mercado as empresas que atuam nessa área não são especialistas em cada um dos serviços que oferecem. A atividade econômica delas é fazer o recrutamento, seleção e gestão dos seus empregados.
Assim, o órgão/entidade pode, a princípio, realizar uma contratação conjunta dessas atividades, conforme expresso na seguinte decisão do TCU:
É legítima a contratação conjunta de serviços terceirizados, sob gestão integrada da empresa contratada, no regime de empreitada por preço global e com enfoque no controle qualitativo ou de resultado, devendo a Administração, na fase de planejamento da contratação, estabelecer a composição dos custos unitários de mão de obra, material, insumos e equipamentos, bem como realizar preciso levantamento de quantitativos, em conformidade com o art. 7º, §2º, inciso II, c/c o art. 40, §2º, inciso II, da Lei 8.666/1993, o art. 9º, §2º, do Decreto 5.450/2005 e a Instrução Normativa Seges/MPDG 5/2017.
Acórdão 2443/2018-Plenário
Cumpre ressaltar que a depender do tamanho do contrato, a reunião das atividades em um único item/grupo pode resultar em uma indevida restrição na competitividade, devendo essa circunstância ser avaliada previamente.
Diante desse cenário legal e jurisprudencial, pode-se concluir que o parcelamento do objeto deve ser objeto de decisão administrativa motivada a partir de elementos técnicos, econômicos ou mesmo operacionais resultantes de avaliação de cada caso, razão porque não há um critério automático e geral para essa decisão.
Evaldo Araújo Ramos – Pós graduado em licitações e contratos, bacharel em direito e administração de empresas, atual Diretor de Licitações do Tribunal de Contas da União, onde ocupa desde 2006 o cargo de Auditor Federal de Controle Externo. Dentre suas atribuições profissionais, atua como pregoeiro, leiloeiro e presidente de comissões especiais de licitação. Colaborador do Instituto Serzedelo Correa, unidade do TCU responsável pelas ações de capacitação do órgão, e também da Escola Nacional de Administração Pública, onde ministra o curso de Fundamentos de Pregão Eletrônico. Já ministrou diversos cursos de formação e capacitação de pregoeiros pelo Brasil.