Inovação Tecnológica e a Modernização da Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Desafios e Oportunidades
- 28 de julho de 2023
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A estruturação de um estado de serviço público, exemplificada de forma efetiva pelo modelo de estado de bem-estar social identificado na primeira metade do século XX, tem levado os governos a gerenciarem cada vez mais informações dos seus cidadãos em bancos de dados. “Atualmente, governos e empresas têm utilizado cada vez mais tecnologias para coletar, armazenar e analisar grandes quantidades de dados pessoais” (DE ARAUJO et al., 2020, p. 775). Entre esses dados, destacam-se informações relacionadas à situação fiscal, saúde e segurança dos cidadãos, que são utilizadas para diversos fins, como o controle social, a formulação de políticas públicas, a detecção de fraudes e até mesmo para fins comerciais. Dessa forma, uma vasta quantidade de informações delicadas e confidenciais sobre as pessoas tem sido armazenada em bancos de dados tanto governamentais quanto privados.
As inovações tecnológicas alteraram significativamente a forma como as pessoas se relacionam e se comunicam entre si. DE ARAUJO et al. (2020, p. 778) afirmam que “As inovações tecnológicas que ocorreram nas últimas décadas tiveram um enorme impacto no cotidiano das pessoas. Vale ressaltar que desde a massificação da rede mundial, as interações interpessoais mudaram, e a dimensão exata dessa influência vem sendo cada vez mais estudada. Na era da informação, tais avanços tecnológicos oferecem, entre outras coisas, potenciais melhorias na gestão de processos”.
A Internet, em particular, tem sido uma força transformadora na sociedade, mudando as interações interpessoais e criando novas formas de conexão entre pessoas e organizações. Além disso, essas inovações têm o potencial de melhorar a eficiência e a eficácia da gestão de processos, tanto no setor público quanto no privado. No entanto, é importante considerar os possíveis impactos negativos dessas mudanças e garantir que o desenvolvimento tecnológico esteja em consonância com os valores e direitos fundamentais da sociedade.
O cenário de inovação e desenvolvimento tecnológico tem proporcionado diversas ferramentas que podem ser utilizadas pela administração pública para aprimorar suas funções constitucionais, tais como a prestação de serviços públicos e a implementação de políticas públicas. As compras públicas, por sua vez, representam uma oportunidade para o Estado brasileiro adquirir bens e serviços de forma estratégica, buscando atender às necessidades da sociedade e garantir a efetividade dos direitos constitucionais, além de fomentar a economia do país é o que nos ensina Borges (2017, p. 235), “as compras públicas representam uma oportunidade para o Estado brasileiro adquirir bens e serviços de forma estratégica, buscando atender às necessidades da sociedade e garantir a efetividade dos direitos constitucionais, além de fomentar a economia do país”.
Nesse sentido, a inovação e o desenvolvimento tecnológico podem proporcionar diversas ferramentas que podem ser utilizadas pela administração pública para aprimorar suas funções constitucionais, incluindo a prestação de serviços públicos e a implementação de políticas públicas, como as compras públicas. Essa abordagem estratégica permite que o Estado adquira bens e serviços que atendam às necessidades da sociedade e garantam a efetividade dos direitos constitucionais, além de fomentar a economia do país. De acordo com Marques (2013, p. 933), “o cenário de inovação e desenvolvimento tecnológico tem proporcionado diversas ferramentas que podem ser utilizadas pela administração pública para aprimorar suas funções constitucionais, tais como a prestação de serviços públicos e a implementação de políticas públicas”.
Assim, a utilização de tecnologias para aprimorar a gestão das compras públicas pode trazer benefícios significativos para o desempenho da administração pública e para a sociedade como um todo, como uma maior eficiência, transparência e competitividade do processo de compras. É fundamental que a administração pública utilize a inovação e o desenvolvimento tecnológico para aprimorar a gestão das compras públicas, a fim de garantir a efetividade das políticas públicas e concretizar os direitos garantidos pela Constituição Federal.
A gestão pública eficiente é fundamental para a prestação de serviços de qualidade à população e a Lei nº 14.133, que entrou em vigor em 1º de abril de 2021 no Brasil, estabelece normas gerais para as licitações e contratos públicos em todo o território nacional, exceto para sociedades de economia mista e empresas públicas. A legislação representa um avanço significativo ao incorporar a jurisprudência dos Tribunais de Contas e a doutrina especializada, como a consolidação do pregão e do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), bem como a extinção da modalidade de tomada de preços.
A Lei nº 14.133/2021 traz diversas inovações para as licitações e contratações públicas no Brasil. Algumas das principais são:
- Incorporação da jurisprudência dos Tribunais de Contas e da doutrina especializada ao texto legal;
- Criação de novas modalidades de licitação, como o diálogo competitivo e a licitação por técnica e preço;
- Regulamentação do uso do pregão eletrônico para todas as contratações, exceto as de obras e serviços de engenharia;
- Estabelecimento de critérios objetivos para a seleção de projetos básicos e executivos, com o objetivo de aumentar a qualidade e a eficiência das contratações públicas;
- Previsão de medidas para aumentar a transparência e a participação da sociedade no processo licitatório, como a divulgação prévia das licitações e a criação de um portal nacional de contratações públicas;
- Aumento dos prazos para a apresentação de recursos e impugnações, garantindo maior segurança jurídica aos participantes do processo licitatório;
- Proibição de contratação direta de serviços técnicos especializados que possam ser executados por empresas comuns;
- Maior rigor na análise da capacidade técnica e financeira dos licitantes, com a possibilidade de exigência de garantias e a previsão de sanções mais rigorosas em caso de inexecução do contrato.
Essas inovações representam um avanço significativo na gestão pública e na melhoria da qualidade das contratações realizadas pelo Estado brasileiro. De acordo com a doutrina especializada em contratações públicas, a utilização do diálogo competitivo como modalidade de licitação é uma tendência mundial e representa um avanço na gestão pública. Segundo Marçal Justen Filho, “o diálogo competitivo permite que a Administração identifique as necessidades da sociedade, avalie as possibilidades de solução e estabeleça a contratação mais adequada, levando em conta as opções disponíveis no mercado” (FILHO, 2020, p. 564). Segundo Fabrício Motta, professor de Direito Administrativo, “a legislação atualiza e aprimora as normas gerais aplicáveis às licitações e contratos públicos, estabelecendo um regime mais moderno e adequado às necessidades da sociedade” (MOTTA, 2021, p. 2.082).
Nesse contexto, a inovação na gestão pública torna-se cada vez mais necessária para aprimorar a efetividade dos serviços públicos e atender às demandas da sociedade. A modernização e a utilização de novas tecnologias podem auxiliar na redução de custos e no aumento da eficiência, proporcionando um melhor aproveitamento dos recursos públicos.
A Lei nº 14.133/2021 traz importantes avanços ao consolidar o pregão e o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), e ao extinguir a modalidade de tomada de preços. De acordo com Cristiana Fortini, doutora em Direito Administrativo, “a consolidação dessas modalidades de licitação traz mais segurança jurídica e eficiência na gestão pública, além de permitir a contratação de bens e serviços de forma mais ágil e econômica” (FORTINI, 2021, p. 1.014).
Essas mudanças na Lei de Licitações e Contratos Administrativos devem contribuir para a melhoria da eficiência, eficácia e transparência dos processos licitatórios, resultando em benefícios para a sociedade como um todo. Além disso, a consolidação de modalidades de licitação traz mais segurança jurídica e eficiência na gestão pública, permitindo a contratação de bens e serviços de forma mais ágil e econômica. Com isso, a Lei nº 14.133/2021 representa um importante marco na modernização das contratações públicas no Brasil, incorporando a jurisprudência e doutrina especializada, e trazendo novidades como o diálogo competitivo e a consolidação de modalidades já existentes. Isso pode impulsionar a inovação tecnológica no setor público, promovendo a efetividade dos serviços prestados e atendendo às demandas da sociedade.
A nova Lei de Licitações, apresenta diversas vantagens para as tecnologias emergentes, especialmente para aquelas que visam a modernização do setor público. Uma das principais vantagens, e destaco mais uma vez, é a previsão do diálogo competitivo como modalidade de licitação, que permite que a Administração Pública dialogue com o mercado para identificar soluções tecnológicas inovadoras que possam atender suas necessidades de forma mais eficiente. Isso possibilita a participação de empresas de tecnologia nas licitações públicas e incentiva o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras que possam melhorar a qualidade dos serviços públicos oferecidos à população.
Outra vantagem é a criação de um portal nacional de contratações públicas, que irá centralizar as informações sobre licitações e contratos em todo o país, tornando o processo mais transparente e acessível para empresas de tecnologia que desejam participar. Isso estimula a participação de empresas de tecnologia nas licitações públicas e incentiva o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras que possam melhorar a qualidade dos serviços públicos oferecidos à população. Segundo Medauar (2018, p. 298), “a publicidade é requisito imprescindível para a licitação e o contrato, devendo ser ampla, geral e irrestrita, salvo exceções previstas em lei”. A centralização das informações sobre licitações e contratos em um portal nacional pode facilitar o acesso às informações necessárias para a participação de empresas de tecnologia no processo licitatório, além de permitir a avaliação da regularidade das contratações públicas pelos cidadãos.
A nova lei também permite a contratação de soluções tecnológicas como serviço, o que permite que a Administração Pública contrate tecnologias de ponta sem precisar adquirir infraestrutura própria, o que muitas vezes pode ser oneroso e inviável. Além disso, a nova lei prevê a margem de preferência de até 20% para bens e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no Brasil.
A respeito da contratação de soluções tecnológicas como serviço, Lucas Rocha Furtado e Victor Rocha Polizelli, em seu livro “Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos” (2021), explicam que essa modalidade de contratação é importante porque permite que a Administração Pública tenha acesso a tecnologias de ponta sem a necessidade de investir em infraestrutura própria, o que pode ser muito oneroso. Eles ainda destacam que essa modalidade de contratação é uma alternativa à tradicional aquisição de licenças de uso, que muitas vezes implica em altos custos.
Com relação à margem de preferência para bens e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no Brasil, Marçal Justen Filho, em sua obra “Comentários à Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos” (2021), explica que essa medida tem como objetivo incentivar o desenvolvimento tecnológico nacional, favorecendo as empresas brasileiras que investem em pesquisa e inovação. O autor destaca, no entanto, que essa margem de preferência não pode ser usada de forma indiscriminada, mas deve ser justificada pela Administração Pública.
No entanto, para que haja uma integração efetiva da norma à Nova Administração, é essencial que as políticas públicas promovam a inclusão digital. A nova lei valoriza o processo administrativo eletrônico como lócus regular de processamento das licitações e contratações diretas, considerando o ambiente virtual e eletrônico como regra. Além disso, a lei também contém dispositivos que possibilitam o incentivo à inovação por meio da contratação de soluções tecnológicas. É importante ressaltar que a nova lei inaugurou um novo regime jurídico de licitações e contratos administrativos, mas a Lei nº 8.666/1993 ainda continua vigente em relação às regras procedimentais e principiológicas.
De acordo com Marçal Justen Filho, em seu livro “Comentários à Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos” (2021), a inclusão digital é um requisito fundamental para a efetiva implementação da nova Lei de Licitações. O autor destaca que a nova lei estabelece a obrigatoriedade de realização de licitações na modalidade eletrônica para todos os órgãos da Administração Pública, inclusive para aqueles que ainda não possuem infraestrutura tecnológica adequada. Além disso, o autor ressalta que a nova lei traz importantes inovações relacionadas à contratação de soluções tecnológicas, o que pode incentivar o desenvolvimento de tecnologias avançadas e aumentar a eficiência dos serviços públicos.
Por fim, é importante ressaltar que a Nova Lei de Licitações representa um importante avanço no que diz respeito à modernização do setor público brasileiro. A incorporação de novas tecnologias e práticas mais eficientes e transparentes pode ajudar a melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população, além de incentivar a participação de empresas de tecnologia nas licitações públicas e fomentar o desenvolvimento de soluções inovadoras. No entanto, é preciso que haja um esforço por parte das políticas públicas para garantir a inclusão digital e a capacitação dos servidores públicos para lidar com as novas tecnologias e práticas trazidas pela nova lei. A implementação efetiva da Nova Lei de Licitações pode representar uma mudança significativa na forma como as compras públicas são realizadas no país e contribuir para a melhoria do setor público como um todo.
Thiago Ferrarezi é Advogado e Engenheiro de Produção. Especialista em Direito do Estado pela UFRGS. Mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV. Doutorando em Inteligência Artificial na PUCSP.
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