O dever de promover diligência na licitação: principais regras
- 10 de setembro de 2019
- Posted by: Inove
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Sob uma interpretação estritamente literal/gramatical, a Lei Geral de Licitações confere à comissão e também ao pregoeiro, visto que a regra se aplica subsidiariamente ao pregão, o direito de efetuar diligência para complementar a instrução do processo licitatório.
Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
§3º. É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.
Ocorre, no entanto, que de acordo com o entendimento pacífico do Tribunal de Contas da União, o dispositivo legal não veicula uma simples discricionariedade ao gestor público, mas sim um verdadeiro dever de ação nas situações em que a diligência se mostrar necessária e adequada.
É pacífico o entendimento do Tribunal de que falhas sanáveis, meramente formais, identificadas nas propostas, não devem levar necessariamente à inabilitação, cabendo à Comissão Julgadora promover as diligências destinadas a esclarecer dúvidas ou complementar o processamento do certame (Lei 8.666/1993, art. 43, §3º). É o sentido que se extrai do Acórdão 2.521/2003-TCU-Plenário, in verbis: “atente para o disposto no art. 43, §3º, abstendo-se, em consequência, de inabilitar ou desclassificar empresas em virtude de detalhes irrelevantes ou que possam ser supridos pela diligência autorizada por lei”.
Acórdão 3.340/2015 – Plenário
A questão, muitas vezes, se mostra mais complexa do que aparentemente pode se imaginar. É que a aplicação inadequada dessa importante ferramenta processual prevista na Lei Geral de Licitações pode acarretar violação aos princípios da isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório, a partir de um tratamento excepcional a uma licitante em detrimento das demais concorrentes.
Deve-se observar que, nos termos da lei, não é possível a inclusão de documentação que deveria ter sido originariamente apresentada, pois isso configuraria um tratamento anti-isonômico entre os participantes, uma espécie de prêmio para aquele que descumpriu uma regra do edital.
O desafio do gestor público é, portanto, estabelecer uma relação de equilíbrio e compatibilidade entre os princípios citados no parágrafo precedente e os do formalismo moderado e da supremacia do interesse público, sobretudo porque no ambiente concorrencial haverá quase sempre insatisfação por parte dos perdedores com o resultado da disputa, o que obriga o pregoeiro ou a comissão de licitação a assumirem a responsabilidade por decidir em cada caso concreto sobre a pertinência ou não da diligência.
Apesar dessa previsão vedando o acréscimo de documentação nova, que deveria ter sido inicialmente enviada, o Tribunal de Contas da União tem se posicionado favoravelmente à utilização da diligência nos casos em que são identificados erros sanáveis na planilha de preços apresentadas pela empresa.
Nessa linha de raciocínio, a Corte de Controle Federal tem admitido e até mesmo exigido que os órgãos/entidades promovam diligência com vistas a corrigir erros de natureza meramente formal, de modo a priorizar o menor preço. Essa retificação da planilha, por óbvio, não pode acarretar aumento no preço global da proposta.
As omissões nas planilhas de custos e preços das licitantes não ensejam necessariamente a antecipada desclassificação das respectivas propostas, devendo a administração pública promover as adequadas diligências junto às licitantes para a devida correção das eventuais falhas, sem a alteração, contudo, do valor global originalmente proposto, em consonância, por exemplo, com os Acórdãos 2.546/2015, 1.811/2014 e 1.87/2014, do Plenário do TCU.
Acórdão 830/2018 – Plenário
Apesar das críticas que eventualmente possam ser feitas a esse posicionamento, o fato é que, na prática, o órgão/entidade licitante poderia ter um custo muito maior com determinada contratação por não ter efetuado a reconvocação da empresa para saneamento de uma falha no preenchimento da sua planilha.
A construção da linha de interpretação adotada pelo TCU passa pela premissa de que não há inclusão de nova proposta, pois esta deve ser considerada em relação ao preço total e não à composição desse valor, o que permitiria o saneamento de erros/falhas cometidas no preenchimento da planilha desde que não haja majoração do preço global, ou seja, sem qualquer mudança na proposta ofertada pela empresa.
Em síntese, para o TCU, o envio de nova planilha não representa nenhuma espécie de privilégio para a empresa, posto que o preço global não pode ser alterado, ou seja, não haverá mudança na classificação, mas apenas uma retificação no documento que discrimina a composição do preço oferecido pela licitante.
Apesar de não haver um limite para a quantidade de diligências que podem ser realizadas, a comissão ou o pregoeiro não podem exercer uma espécie de instância revisora da atividade empresarial. É obrigação da licitante e não da administração decidir como será corrigido o erro identificado sem acarretar, com essa retificação, novas falhas/vícios na planilha.
A diligência também é muito usada para sanear dúvidas em relação às informações dos atestados de capacidade técnica, especialmente porque são documentos produzidos por terceiros, os quais muitas vezes já possuem um padrão de texto para emissão desses documentos.
Ao constatar incertezas sobre o cumprimento de disposições legais ou editalícias, especialmente dúvidas que envolvam critérios e atestados que objetivam comprovar a habilitação das empresas em disputa, o responsável pela condução do certame deve promover diligências para aclarar os fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que servirão de base para a tomada de decisão da Administração (art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993)
Acórdão 2.730/2015 – Plenário
A promoção de diligência em face do atestado de capacidade técnica pode ter como finalidade tanto a complementação de informação ausente no documento como a confirmação da veracidade dos fatos nele descritos.
É importante ressaltar que a diligência pode ser feita junto à empresa ou ao emissor do atestado, ficando a cargo da comissão ou do pregoeiro decidir qual opção será mais rápida e segura.
Imagine, por exemplo, que há dúvida quanto à efetiva execução do objeto indicado no atestado. Nesse caso, em diligência, a administração poderia solicitar ao próprio licitante que apresentasse a cópia da nota fiscal relativa aquele fornecimento/serviço referido no atestado.
Não se admite, porém, que o próprio edital exija a apresentação de atestados acompanhados das respectivas notas fiscais, visto que estes últimos não são documentos de habilitação. Aliás, o TCU tem um posicionamento muito firme no sentido de que apenas os documentos previstos nos artigos 27 a 31 da Lei n.º 8.666/1993 podem ser solicitados como requisito de habilitação.
É ilegal e restringe a competitividade do certame licitatório a exigência de documentos de habilitação além daqueles previstos nos arts. 27 a 31 da Lei 8.666/1993.
Acórdão 3.192/2016 – Plenário
A terceira hipótese mais comum na utilização do poder-dever de diligência se aplica quando há dúvidas sobre a exequibilidade da proposta apresentada pela licitante, situação na qual a administração precisa verificar se a oferta será efetivamente cumprida, sob pena de se contratar uma empresa com um significativo risco de má execução do objeto ou mesmo a sua inexecução.
A desclassificação de proposta por inexequibilidade deve ser objetivamente demonstrada, a partir de critérios previamente publicados, e deve ser franqueada oportunidade de o licitante defender sua proposta e demonstrar sua capacidade de bem executar os serviços, nos termos e condições exigidos pelo instrumento convocatório, antes de ter sua proposta desclassificada.
Acórdão 1.079/2017 – Plenário
Conforme consta no julgamento acima descrito, a desclassificação de licitante com base na exequibilidade da sua proposta deve ser precedida sempre do contraditório. Por tal razão, somente após efetuar diligência junto à empresa, concedendo-lhe o direito de comprovar a sua capacidade de executar o objeto naquele preço ofertado, é que a administração poderá desclassificá-la.
Em linhas gerais, portanto, a diligência funciona como um recurso indispensável para a comissão de licitação ou o pregoeiro aproveitarem boas propostas para a administração pública desde que os erros, falhas ou omissões identificadas em planilhas ou documentos apresentados possam ser sanados ou esclarecidos sem violação ao princípio da isonomia entre os licitantes. Não se trata de uma simples faculdade ou direito da administração, mas de verdadeiro poder-dever do gestor público, posto que não há discricionariedade para decidir fazer ou não a diligência, quando esta se mostrar cabível, sob pena de descartar uma boa proposta e, consequentemente, acarretar prejuízo econômico para o órgão/entidade contratante.
Evaldo Araújo Ramos – Pós graduado em licitações e contratos, bacharel em direito e administração de empresas, atual Diretor de Licitações do Tribunal de Contas da União, onde ocupa desde 2006 o cargo de Auditor Federal de Controle Externo. Dentre suas atribuições profissionais, atua como pregoeiro, leiloeiro e presidente de comissões especiais de licitação. Colaborador do Instituto Serzedelo Correa, unidade do TCU responsável pelas ações de capacitação do órgão, e também da Escola Nacional de Administração Pública, onde ministra o curso de Fundamentos de Pregão Eletrônico. Já ministrou diversos cursos de formação e capacitação de pregoeiros pelo Brasil.