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Consulta: locação de luminárias pode ser usada na melhoria da iluminação pública
- 26 de julho de 2024
- Posted by: Inove
- Category: Notícias
A administração pública, no âmbito do seu poder discricionário para implementar, modernizar e reordenar o sistema de iluminação pública, pode realizar a contratação de empresa para a locação de luminárias de LED e prestação de serviços de instalação e manutenção, com a consolidação da propriedade sobre os equipamentos, pelo município, ao final do contrato.
Para tanto, a contratação deve ser precedida por estudo técnico de viabilidade que demonstre as vantagens da modalidade contratual escolhida frente às demais opções possíveis.
É possível a contratação de bens e serviços de iluminação pública por meio da modalidade pregão, inclusive no caso de locação com posterior consolidação da propriedade, quando os padrões de desempenho e qualidade desses bens e serviços forem objetivamente definidos no edital e no Termo de Referência, por meio de especificações usuais de mercado, o que deverá ser analisado em cada caso concreto no âmbito da Lei n° 10.520/02 (Lei do Pregão). Nesse caso, a utilização da modalidade licitatória pregão é obrigatória no âmbito da Lei n° 14.133/21 (a Nova Lei de Licitações e Contratos).
As despesas mensais com a contratação realizada para manutenção, expansão e aprimoramento da rede de iluminação pública podem ser custeadas com recursos da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), nos termos previstos na legislação municipal ou distrital.
A contratação da locação das luminárias com posterior transferência da propriedade refere-se a uma espécie de ativo financiado; e possui natureza de dívida de longo prazo, uma vez que a remuneração do particular pela realização do ativo – que engloba a amortização do investimento realizado e o lucro do negócio – ocorre de forma diferida no tempo, com a consolidação da propriedade dos bens pelo município ao final do contrato.
Portanto, nessa contratação, a administração pública deve observar as disposições do artigo 37, inciso IV, da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF); e, assim, deve haver previsão orçamentária da despesa.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Lunardelli (Região Central), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de contratação de empresa para instalação e locação de luminárias LED, visando a implementação e reordenação luminotécnica de áreas públicas.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) afirmou que é possível a celebração de contrato de locação de ativos para a contratação de bens e serviços de iluminação pública, tal como locação, instalação e manutenção de luminárias de LED, com posterior consolidação da propriedade sobre os equipamentos locados ao final do contrato.
A unidade técnica ressaltou que, para tanto, a contratação deve configurar um modelo eficiente, econômico e eficaz para superar as dificuldades inerentes à gestão pública; e deve ser precedida por estudo técnico de viabilidade capaz de comprovar a sua vantagem em comparação à locação simples ou à aquisição dos produtos.
A CGM destacou que a modalidade licitatória do pregão pode ser utilizada para essa a contratação, desde que o edital e o Termo de Referência apresentem padrões de desempenho e qualidade objetivamente definidos, por meio de especificações usuais no mercado. Além disso, frisou que as despesas mensais do contrato de locação poderão ser custeadas pela Cosip
Finalmente, a unidade técnica salientou que a realização de infraestrutura na área de iluminação pública deve ser considerada um ativo financiado e, por ser uma dívida de longo prazo, impõe à administração pública o cumprimento dos limites impostos pela LRF.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou, em seu parecer, com a instrução da CGM. Além disso, reforçou que é possível a utilização dos recursos da Cosip para custeio, expansão e aprimoramento da rede de iluminação pública, nos termos da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário (RE) n° 666.404/SP.
O órgão ministerial frisou que a contratação deve obedecer aos ditames da LRF, inclusive quanto ao disposto no inciso IV do artigo 37, devendo haver previsão orçamentária da despesa, tendo em vista sua natureza de dívida de longo prazo.
Legislação, jurisprudência e doutrina
O inciso V do artigo 30 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.
O artigo 149-A da CF/88 estabelece que os municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública. O parágrafo único desse artigo fixa que é facultada a cobrança dessa contribuição na fatura de consumo de energia elétrica.
O artigo 175 do texto constitucional expressa que incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a prestação de serviços públicos.
O inciso XIII do artigo 6º da Lei nº 14.133/21 define como bens e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.
A alínea “a” do inciso XXI desse artigo define como serviço comum de engenharia todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens.
O inciso XLI do artigo 6º da Lei de Licitações define pregão como a modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto.
O artigo 29 da Lei nº 14.133/21 fixa que a concorrência e o pregão seguem o rito procedimental comum, adotando-se o pregão sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.
O parágrafo único desse artigo dispõe que o pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia de que trata a alínea “a” do inciso XXI do artigo 6º dessa lei.
O artigo 44 da Lei de Licitações expressa que, quando houver a possibilidade de compra ou de locação de bens, o estudo técnico preliminar deverá considerar os custos e os benefícios de cada opção, com indicação da alternativa mais vantajosa.
A LRF conceitua operação de crédito, em seu artigo 29, inciso III, como sendo o compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.
O inciso IV do artigo 37 da LRF estabelece que se equipara a operações de crédito e está vedada a assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 573675/SC, o STF decidiu que a Cosip é um tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte.
Ao apreciar o RE nº 666404/SP, o STF decidiu que os recursos provenientes da Cosip, além de ressarcirem o valor gasto com a manutenção do serviço de iluminação pública, podem ser direcionados para as despesas relativas à expansão da rede, a fim de atender as novas demandas oriundas do crescimento urbano, bem como o seu melhoramento, para ajustar-se às necessidades da população local.
Por meio do Tema nº 696, de repercussão geral, o STF fixou a tese de que é constitucional a aplicação dos recursos arrecadados por meio de Cosip na expansão e aprimoramento da rede.
O Acórdão nº 1791/15 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 1066695/14) fixa que é possível o pagamento dos vencimentos da equipe de eletricistas que fazem a manutenção da rede pública com recursos da Cosip.
O Acórdão n° 2150/20 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 81466/20) expressa que a administração pública pode contratar empresa para locação de luminárias de LED, incluindo os materiais e serviços para sua instalação e manutenção, desde que a contratação seja precedida por estudo técnico de viabilidade capaz de comprovar a vantagem da locação em relação à aquisição dos produtos.
Esse acórdão também fixa que a modalidade licitatória do pregão pode ser utilizada para a contratação de bens e serviços de iluminação pública, desde que o edital e o termo de referência apresentem padrões de desempenho e qualidade objetivamente definidos, por meio de especificações usuais no mercado.
O Acórdão n° 329/24 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 748237/22) dispõe que os sistemas de geração de energia elétrica a partir da captação de energia solar (fotovoltaica) são passíveis de financiamento por meio dos recursos oriundos da arrecadação da Cosip, desde que isso seja autorizado pela legislação municipal.
O Acórdão n° 1501/24 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 113169/22) estabelece que também é viável que os consórcios intermunicipais contratem sociedade de economia mista para a prestação de serviço público de gestão de parque de iluminação pública, desde que o façam mediante licitação; seja para fins de contratação de serviços, nos moldes da Lei nº 14.133/21, ou de delegação de serviço público, por meio de concessão da modalidade administrativa, nos termos da Lei nº 11.079/04.
Nesse caso, as opções administrativas de contratação devem estar devidamente justificadas em conformidade com a gestão estratégica de iluminação pública dos entes consorciados; e também devidamente respaldadas nas leis de regência da contratação, bem como demonstrada a inviabilidade da prestação direta dos serviços pela administração.
João Paulo Spörl e Luiza Nogueira, em artigo publicado na Revista Digital de Direito Administrativo, afirmam que o arranjo contratual denominado locação de ativos pode ser compreendido como o ajuste celebrado entre o poder público e o particular em que este último assume o ônus de construir determinada infraestrutura a ser locada pelo primeiro. Em troca, o ente privado é remunerado em montante suficiente para assegurar a amortização dos investimentos realizados e o lucro projetado para o negócio. Ao final do contrato, o bem é restituído ao patrimônio público.
O professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes explicou que no Direito brasileiro admite-se que as entidades administrativas promovam contratação atípica ou desenvolvam um conjunto de contratos formalmente autônomos, mas entre si relacionados. Isso porque não existe uma tipificação exaustiva dos contratos administrativos. Alguns contratos administrativos são típicos, tal como se passa com a concessão de serviço público. No entanto, a maioria dos contratos administrativos está sujeita apenas a regras genéricas previstas na lei.
Assim, ele entende que, caso a lei não proíba, a administração, no exercício de sua competência discricionária, poderá optar por celebrar contrato administrativo atípico. Todavia, o fim do contrato terá sempre que ser o visado pela lei, ou seja, sempre levando em conta o interesse público.
Marçal Justen Filho destaca que o interesse das partes nem sempre pode ser satisfeito apenas e exclusivamente através dos modelos jurídicos até então conhecidos. A vida real impõe a necessidade de inovação. O elenco dos instrumentos jurídicos não pode ser cristalizado e reduzido apenas àquilo que foi utilizado no passado e nada impede a criação de novos tipos contratuais. Assim, surgem contratos atípicos ou inominados.
O jurista frisa que não existe a determinação de que a administração se valha apenas de contratos típicos – nominados. Ainda reconhecendo que a atividade administrativa se sujeita ao princípio da legalidade, isso não significa que os modelos de contratação pública tenham de ser previamente definidos em lei. A lei concede autorização para o Estado contratar, mas não fornece parâmetros exaustivos dos modelos de contratação.
No âmbito da Representação n° 16451.989.20, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) entendeu possível a adoção do modelo de locação de ativos, desde que demonstradas suas vantagens. Nesse mesmo sentido foi a decisão proferida pela Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) no processo de Denúncia n° 1071424.
Decisão
O relator do processo no TCE-PR, conselheiro Ivens Linhares, acompanhou o posicionamento da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele lembrou que a corte de contas paranaense, ao responder Consulta com questionamento semelhante, entendera que a celebração de contrato de locação simples, com devolução dos bens ao proprietário ao final da contratação, não era usual no segmento de iluminação pública, o que reforçava a necessidade da realização de estudo técnico de viabilidade comparativo que demonstrasse as vantagens desse modelo contratual frente à aquisição dos produtos.
Linhares ressaltou que a locação com transferência da titularidade da propriedade dos bens ao final da vigência do contrato consiste numa modalidade contratual conhecida como “locação de ativos”, que não possui previsão expressa nas leis n° 8.666/93 e n° 14.133/21. Ele destacou que se observa no Brasil, nas últimas décadas, um movimento de diversificação e pluralidade de contratos administrativos, admitindo-se novas formas negociais na tentativa de melhor atender às demandas sociais.
O conselheiro salientou que essa modalidade contratual se mostra vantajosa em contextos de dificuldade de obtenção de financiamento ou de disposição imediata de recursos para investimento em infraestrutura, possibilitando que o ente público tenha acesso a novos ativos, mas com o pagamento realizado de forma diferida no tempo; e vem sendo utilizada, especialmente, em projetos relativos ao desenvolvimento de infraestrutura de saneamento básico.
Especificamente quanto à utilização da locação de ativos no âmbito dos contratos referentes à iluminação pública, o relator frisou que alguns tribunais de contas têm jurisprudência sobre o tema.
O relator lembrou que a Lei de Licitações tornou obrigatória a adoção da modalidade licitatória pregão para aquisição de bens e serviços considerados comuns; mas estabeleceu que o pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto no que se refere a serviços comuns de engenharia.
Linhares entendeu que a implantação de infraestrutura na área de iluminação pública por particular, por meio de contrato de locação de ativos, deve ser considerada um ativo financiado, representando, em termos contábeis, dívida de longo prazo, o que impõe à administração pública a obediência às disposições do artigo 37, inciso IV, da LRF, com a previsão orçamentária da despesa.
No julgamento do processo, os conselheiros aprovaram o voto do relator por maioria absoluta, após a apresentação de voto divergente do conselheiro Maurício Requião. A decisão foi tomada na Sessão Ordinária de Plenário Virtual nº 11/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 20 de junho. O Acórdão nº 1683/24 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 28 de junho, na edição nº 3.239 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 9 de julho.