A importância do BDI na elaboração e análise de propostas em licitações de obra públicas
- 25 de março de 2020
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
Por André Kuhn
Um dos assuntos mais polêmicos quando se discute obras públicas é a questão do orçamento de referência, que é um componente do projeto básico. Ao se licitar a aquisição de uma mesa, o levantamento do preço de referência é baseado em uma simples cotação de preços, onde ele é representado pela média de, pelo menos, três propostas. Nesse caso ninguém está preocupado com a quantidade de horas que o carpinteiro consome para produzir uma mesa, com o consumo de madeira, pregos e cola, com os custos administrativos ou se o fornecedor terá um lucro de 10% ou 100%.
No caso de obras o objeto é único e de valor significativo, não tendo sentido fazer uma cotação de preço da obra a ser licitada. Isso porque a orçamentação de obras, dentre outros motivos, exige um responsável técnico pela sua elaboração.
A planilha orçamentária de uma obra é composta basicamente de serviços, quantidades, preços unitários, preços totais dos serviços e preço total da obra. Os serviços e suas quantidades são obtidos do projeto, podendo ter uma pequena variação devido a critérios de quantificação e composição de serviços adotados por quem elabora o orçamento.
Entretanto, o valor dos serviços é um fator que depende do objetivo do orçamento. A Administração Pública utiliza-se obrigatoriamente de referências oficiais para orçar, sendo o SICRO e o SINAPI as tabelas adotadas para obras executadas com recursos federais, onde as composições desses dois sistemas estão disponíveis na Internet. Porém, como a CAIXA e o DNIT (instituições responsáveis por manter, respectivamente, o SINAPI e o SICRO) chegaram às composições de custos dos serviços que compõem os sistemas, se nenhuma delas executa obras diretamente? Em outras palavras, as composições dessas duas tabelas são todas teóricas, assim como qualquer tabela de referência, pública ou privada. Contudo, para o fim a que se destinam, elas atendem bem a finalidade, pois o objetivo do orçamento de referência é evitar que o contratante pague um preço excessivo pela execução do contrato. Já o orçamento da proposta representa o preço que o contratado aceita receber pelos serviços a serem prestados.
Uma parcela que compõe o preço de uma obra é O BDI (Bonificações e Despesas Indiretas), composto por todos aqueles custos que não foram considerados como diretos, acrescido do lucro. No caso de obras públicas, os custos de mobilização/desmobilização e administração local devem ser considerados como diretos, compondo itens da planilha orçamentária.
Os custos com riscos e eventuais, administração central e encargos financeiros dependem de cada empresa, condicionados ao custo de capital, tratamento aos riscos envolvidos, capital de giro, fluxo de caixa, despesas administrativas e outros. Os custos com impostos dependem do regime tributário da empresa e das alíquotas definidas pelo poder público, como o exemplo do ISSQN, tributo municipal que varia de 2% a 5%.
Como a Administração Pública, ao elaborar um orçamento para licitar determinada obra, não fará sua execução de forma direta, as parcelas de custos indiretos e lucro que compõem o BDI do orçamento de referência seguem percentuais previamente definidos. Porém, cada licitante deve elaborar sua própria composição de BDI, considerando seus custos indiretos próprios e o lucro almejado. Sendo assim, é descabida a desclassificação de uma licitante por apresentar uma planilha de BDI diferente da do orçamento de referência. Pelo contrário, a apresentação de uma planilha diferente infere que a empresa elaborou o orçamento de forma adequada, e não simplesmente copiou os percentuais disponibilizados no edital.
Desse modo, caso a licitante apresente um percentual de BDI superior ao do edital, mas cujos preços unitários e global sejam iguais ou inferiores ao do orçamento de referência, não é motivo de desclassificação.
Contudo, cabe alguns cuidados que dependem de cada situação, principalmente com a adoção dos percentuais de tributos que podem sofrer diferenciação, como o ISSQN, que depende do município onde o contrato está sendo executado. Supondo que um licitante elaborou uma composição de BDI considerando um percentual de ISSQN de 5%, e de fato paga um percentual de 2%, durante a execução do contrato a interpretação atual dos órgãos de controle é que se deve reduzir o valor do contrato, adotando-se o percentual de 2%. Porém, na situação inversa, caso a proposta apresente um percentual de 2% e a alíquota correta é de 5%, a contratada não tem direito ao ajuste de valor. A única exceção é caso o imposto sofra uma alteração de percentual em data posterior à da apresentação das propostas.
Outro cuidado na definição da alíquota de ISSQN é nos casos de execução de obras que englobam em mais de um município, como ocorre comumente em construção rodoviária. O BDI do orçamento inicial deve considerar uma média ponderada. Entretanto, no caso de acréscimos de serviços, esse percentual médio também deve ser ajustado.
Observa-se que o tema requer conhecimentos legais, gerenciais e técnicos adequados pelos dois lados, para que as empresas licitantes elaborem propostas de preço apropriadas, e para que a Administração Pública analise essas propostas de forma justa, dentro das boas práticas e alinhada com a interpretação legal vigente.
André Kuhn – MSc – CRK – Profissional certificado por Notório Saber em Engenharia de Custos pelo IBEC/ICEC – International Cost Engineering Council. Mestre em Engenharia Civil na Universidade Federal Fluminense (UFF); Graduado em Engenharia de Fortificação e Construção no Instituto Militar de Engenharia (IME); Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Engenheiro do Quadro de Engenheiros do Exército Brasileiro até 2013; Consultor do Instituto Protege; Palestrante em cursos e seminários sobre Licitações e Contratos de Obras Públicas; Professor no curso de MBA Executiva e em Gestão e Políticas Públicas (Ibmec); autor do livro: Qualidade e Licitação de Obras Públicas: uma Análise Crítica, Editora Appris; Secretário de Engenharia e Arquitetura do Ministério Público Federal de 2014 a 2019; Atualmente Diretor Executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT e Presidente do Conselho de Administração da Valec.