Competência do parecerista jurídico x Avaliação de aspectos técnicos para adoção do regime de contratação integrada
- 25 de agosto de 2021
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Acórdão 1.492/21 – Plenário do TCU
Relator: Ministro Bruno Dantas.
Data da Sessão: 23/06/2021.
Sumário:
RELATÓRIO DE AUDITORIA. SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DE (…). PAC. TERMOS DE COMPROMISSO FIRMADOS ENTRE (…) E O (…). SOBREPREÇO NO CONTRATO. NÃO ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PARA ADOÇÃO DO REGIME DE CONTRATAÇÃO INTEGRADA. OITIVAS. IG-P. MEDIDA CAUTELAR PARA ABSTENÇÃO DO ENVIO DE RECURSOS AOS TERMOS DE COMPROMISSO E AO CONTRATO. OITIVAS E AUDIÊNCIAS. ANÁLISE DAS OITIVAS. CONFIRMAÇÃO DAS IRREGULARIDADES. TERMOS DE COMPROMISSO EXPIRADOS. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS FONTES DE RECURSOS FEDERAIS PARA O CONTRATO. RECLASSIFICAÇÃO DOS ACHADOS PARA F/I. REVOGAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. DETERMINAÇÃO PARA QUE O (…) SE ABSTIVESSE DE DESTINAR RECURSOS FEDERAIS PARA A EXECUÇÃO DAS OBRAS A MENOS QUE FOSSE ANULADO O CONTRATO (…) E REALIZADO NOVO CERTAME LICITATÓRIO ESCOIMADO DOS VÍCIOS IDENTIFICADOS NESTES AUTOS. DETERMINAÇÃO À (…) PARA QUE VERIFICASSE O IMPACTO DAS ANÁLISES REALIZADAS NESTES AUTOS NA VIABILIDADE FÁTICA E JURÍDICA DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO FIRMADO COM O ESTADO DE (…) COM RECURSOS DO FGTS. ANÁLISE DE AUDIÊNCIAS. ACOLHIMENTO DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA APRESENTADAS POR ALGUNS RESPONSÁVEIS. REJEIÇÃO DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA TRAZIDAS PELOS DEMAIS. MULTA.
VII.1. Alegações
(…)
323. Adentrando ao caso, os responsáveis alegaram que a demonstração fática e técnica do cumprimento dos requisitos para a adoção da contratação integrada, previstos no art. 9º da Lei 12.462/2011 (Lei do RDC), não depende do parecerista jurídico, mas sim dos engenheiros que atuam no processo.
(…)
327. Acrescentaram que a imputação de responsabilidade aos pareceristas por justificativas técnicas elaboradas por equipe de engenharia poderia enfraquecer a atuação destes profissionais nos procedimentos licitatórios, devido ao receio de ser responsabilizado por atos equivocados fora da área jurídica.
(…)
333. Desse modo, afirmaram que seria impossível para qualquer parecerista jurídico saber se essas situações seriam do tipo convencional, conforme afirmou a CGU. Por isso, atribuir tal obrigação ao jurista seria evidentemente desproporcional.
(…)
338. A defesa dos procuradores também abordou aspectos jurídicos sobre a responsabilidade do parecerista. Primeiramente, alegaram que o parecerista jurídico somente pode ser responsabilizado quando ficar plenamente comprovado que agiu com dolo ou erro grosseiro. Além disso, mencionaram que a imputação da responsabilidade somente poderia prosperar caso fosse comprovada sua má-fé.
(…)
340. Quanto à análise da boa-fé do responsável, entenderam que, devido à sua incompetência para distinguir as questões técnicas, não se poderia esperar outro ato do Parecerista Jurídico que não a confiança no que foi especificado pela equipe de engenheiros. Assim, estaria caracterizada a boa-fé objetiva, que, de acordo com o Acórdão 3.615/2015-TCU, para sua caracterização, deve-se observar a adequação da conduta a um padrão esperado, e não somente a sua intenção.
341. Por fim, os responsáveis trouxeram trechos de obras de juristas e decisões do Supremo Tribunal Federal que trazem, em suma, alguns apontamentos atinentes ao caso, tais como o entendimento de que o parecer jurídico não vincula a autoridade administrativa e o não cabimento de condenação do parecerista, se a decisão administrativa for eivada de defeito desconhecido do agente que forneceu o parecer.
VII.2. Análise
(…)
344. Há entendimentos nesta Corte no sentido de que não se pode responsabilizar o parecerista jurídico pela deficiência na especificação técnica da licitação, já que tal ato é estranho à sua área de atuação, à exemplo do Acórdão 181/2015-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Vital do Rego. Além desse, o Relatório do Ministro Raimundo Carreiro que fundamentou o Acórdão 186/2010-TCU-Plenário também segue essa linha de entendimento, especificando a função do parecer jurídico: ‘O parecer da assessoria jurídica constitui um controle sob o prisma da legalidade, isto é, a opinião emitida atesta que o procedimento respeitou todas as exigências legais. O parecerista jurídico não tem competência para imiscuir-se nas questões eminentemente técnicas do edital’.
345. Contudo, há que se levar em consideração o argumento suscitado pela equipe de auditoria para avaliar a conduta do parecerista. Conforme o relatório de fiscalização, a falta de critérios objetivos fixados em edital para avaliação das propostas quanto aos eventuais métodos executivos diferenciados, por exemplo, seria um indicativo de irregularidade passível de constatação pelos pareceristas (peça 56, p. 47).
346. Assim, concorda-se que seria razoável esperar que os pareceristas, analisando a legalidade do procedimento, verificassem a existência de tais critérios para que as justificativas relativas ao atendimento do requisito de diferentes metodologias de execução, previstas no Termo de Referência, pudessem ser consideradas adequadas.
(…)
350. Ressalte-se, aqui, o entendimento deste TCU quanto ao caráter vinculativo dos pareceres jurídicos produzidos no âmbito de processos licitatórios e a possibilidade de responsabilização dos pareceristas que os produzem, conforme excerto extraído do voto condutor do Acórdão 3024/2013-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler (…)
(…)
26. Cumpre mencionar que este Tribunal tem jurisprudência no sentido de que o parecerista jurídico pode ser responsabilizado solidariamente com os gestores por irregularidades ou prejuízos ao erário, conforme Acórdãos 190/2001, 19/2002, 1.161/2010 e 40/2013, todos do Plenário.’
351. Os autores Zymler e Dios (RDC – Regime Diferenciado de Contratação, ed. 2, Fórum, 2013, p. 84-85) fazem a conexão desse dispositivo da Lei Geral de Licitações com a Lei do Regime Diferenciado de Contratações, no âmbito da responsabilidade da assessoria jurídica acerca do conteúdo de seu parecer. Tal estudo fora abordado na análise inicial da culpabilidade dos pareceristas, constante do relatório de auditoria (peça 56, p. 47).
352. Portanto, a análise do presente caso se faz perante entendimentos desta Corte, bem como sobre entendimentos doutrinários, segundo os quais a responsabilidade pode ser atribuída ao parecerista.
353. O voto do Ministro-Substituto Augusto Sherman, que embasou o Acórdão 442/2017-TCU-Primeira Câmara, atribuiu responsabilidade ao parecerista jurídico ao identificar a conduta culposa da assessora ao emitir, indevidamente, parecer concluindo pelo atendimento aos requisitos para rescisão contratual por razões de interesse público e para a contratação emergencial pela dispensa de licitação sem que as situações previstas na Lei de Licitações estivessem devidamente caracterizadas.
354. Já o voto do Ministro Augusto Nardes, que deu ensejo ao Acórdão 702/2016-TCU-Plenário, considerou que o assessor jurídico deveria ter adotado outra conduta ao emitir o parecer jurídico desfavorável à impugnação do edital. No seu entendimento, caso o responsabilizado tivesse se baseado na legislação pertinente e na jurisprudência desta Corte, não haveria outro caminho a não ser a concordância com a impugnação, por conter cláusulas indiscutivelmente restritivas à competitividade.
355. Por outro lado, os excertos, transcritos abaixo, do voto do Ministro-Substituto Augusto Sherman que foi base para o Acórdão 246/2015-TCU-Plenário, afastou a responsabilidade do parecerista jurídico que, apesar de ter aprovado a minuta de um ajuste com falhas na especificação do objeto, alertou sobre a necessidade do cumprimento do normativo, que, caso observado, evitaria a ocorrência da ilegalidade:
’32. A Sra. […], subscritora do Parecer (…)/Conjur/MinC, foi chamada a apresentar justificativas por ter considerado legal o ajuste não obstante a ausência de especificação do objeto. Em atendimento, a parecerista argumentou que a descrição do objeto estava baseada em conceitos técnicos, não sendo passível de questionamento jurídico. A responsável também alegou que deixou registrado o alerta quanto à necessidade de que o ajuste atendesse às finalidades do art. 3º da Lei 9.790/99, alerta esse que acabou por ser inobservado pelos gestores.
33. A unidade técnica acolheu as justificativas, por entender que a responsável atuou em fase anterior à celebração do termo, por meio do exame da minuta apenas sob o aspecto formal, e que o alerta enfático proferido afigurou-se como providência suficiente para caracterizar o cumprimento da responsabilidade funcional da parecerista.
(…)
357. Feitas essas ponderações sobre as hipóteses que atraem e que afastam a responsabilização dos pareceristas, entende-se que o caso concreto se encontra numa situação intermediária de difícil enquadramento.
358. Se, por um lado,é razoável considerar que os responsáveis poderiam ter agido de maneira diferente ao tomarem conhecimento das irregularidades consubstanciadas na nota técnica da CGU, haja vista, por exemplo, a inexistência de critérios que pudessem medir a eventual vantajosidade dos diferentes métodos de execução vislumbrados (o que seria uma constatação atribuível aos pareceristas jurídicos e, se observada, teria impedido a sequência da licitação irregular); por outro, é preciso reconhecer que o assunto em discussão envolvia, de fato, questões de cunho eminentemente técnico (não jurídico), não sendo exigível que os pareceristas adentrassem em tal mérito.
359. De modo a privilegiar o conservadorismo da análise, entende-se que se deve aplicar ao caso a interpretação mais benéfica aos jurisdicionados. Assim, ainda que fosse possível aos pareceristas adentrarem no mérito das justificativas apresentadas pela equipe técnica do Governo de (…), bem como no mérito dos apontamentos da CGU, que indicaram não ter havido o cumprimento dos requisitos para utilização do regime de contratação integrada, considera-se que o cunho técnico da questão levantada pela CGU não exigia que eles se manifestassem sobre o seu mérito. Ocorre, portanto, a inexigibilidade de conduta diversa, elemento indispensável da culpabilidade dos agentes.
360. No mesmo sentido está o art. 28 da LINDB, que prevê, como hipóteses de responsabilização, o erro grosseiro e o dolo, elementos que não se configuram no presente caso.
361. Por esses motivos, não será proposta a aplicação de multa aos responsáveis pela não adoção de medidas para anular o procedimento licitatório.
CONCLUSÃO
(…)
372. Com base no exame registrado no item VII.2, entende-se que a conduta dos gestores, apesar de potencialmente reprovável, não se enquadrou nas hipóteses de responsabilização de agentes públicos previstas no art. 28 da LINDB, quais sejam, erro grosseiro ou dolo. Além disso, por se tratar de um assunto de razoável complexidade técnica, restaria afastada a necessidade de pronunciamento dos pareceristas sobre o mérito a suspeita levantada, motivo pelo qual foi proposta a isenção da aplicação de multa aos pareceristas.
(sem grifos no original).