Decreto Federal 8.428/2015: Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). Doutrina e entendimento do TCU. Breve estudo.
- 10 de janeiro de 2020
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O decreto Federal nº 8.428/2015 reformulou a disciplina sobre os procedimentos de manifestação de interesse (PMI) no âmbito federal. Restou totalmente revogado o decreto 5.977/06, que disciplinava a matéria.
O PMI é figura de caráter processual por meio da qual particulares são convocados a submeter desde investigações, estudos e levantamentos preliminares até projetos de interesse público contratáveis junto à Administração Pública. Por meio do PMI, a Administração Pública recebe solicitações e confere autorizações aos sujeitos interessados em apresentar contribuições de interesse público, com o objetivo de selecionar uma delas para, por meio de licitação subsequente, promover a futura contratação de determinado empreendimento.
Desta forma, o referido decreto Federal altera a disciplina anterior em alguns aspectos e inova também ao aprofundar, em outros pontos, o regramento até então existente.
Iniciamos nossa análise trazendo dois Acórdãos do Tribunal de Contas da União que já são uma ‘decisum case’ a ser observado no que tange a todo Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI.
II.1 – CAUTELAS A SETEM TOMADAS EM SEDE DE EDITAL EM PMI PELA ÓTICA DO TCU
Eis o teor do Acórdão da Corte de Contas Federal:
“ACÓRDÃO Nº 2683/2017 – TCU – Plenário Considerando que esta representação noticiou indícios de regularidade nos Editais de Chamamento Público de Estudos Portuários, lançados em 2015, pela antiga Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP/PR), a fim de subsidiar a modelagem de arrendamentos de instalações portuárias, a serem licitados pela Administração Pública; Considerando a análise realizada pela unidade técnica especializada, no sentido de que os respectivos editais não estão em desacordo com o art. 4º, inciso III, do Decreto 8.428/2015, ao não divulgarem as premissas ou memórias de cálculo, bem como as justificativas técnicas em virtude das quais se alcançou o valor fixado; Considerando que, por meio da Nota Técnica 72/2015/DOUP/SEP/PR, foi demonstrado que a metodologia utilizada para fixação do valor do teto único e máximo de ressarcimento, de R$ 452.851,29, observou as disposições do Decreto 8.428/2015 e as determinações do Plenário do TCU, consignadas no Acórdão 1.155/2014-TCU-Plenário; Os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ACORDAM, por unanimidade, com fundamento nos arts. 1º, inciso II, da Lei 8.443/92, c/c os arts. 143, alínea d, inciso III, 234, §2º, e 250 do Regimento Interno, quanto ao processo a seguir relacionado, em conhecer da representação, considerá-la improcedente e determinar o arquivamento, dando ciência ao representante, de acordo com os pareceres emitidos nos autos: 1. Processo TC-025.720/2015-5 (REPRESENTAÇÃO) 1.1. Interessado: Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União 1.2. Órgão/Entidade: Secretaria de Portos (extinta) 1.3. Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues 1.4. Representante do Ministério Público: não atuou 1.5. Unidade Técnica: Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária (SeinfraPor).1.6. Representação legal: não há. 1.7. Determinações/Recomendações/Orientações: não há. (TCU – RP: 02572020155, Relator: WALTON ALENCAR RODRIGUES, Data de Julgamento: 06/12/2017, Plenário) (negritos de ora)
E trazemos adicionalmente o supracitado Acórdão 1.155/2014-TCU-Plenário:
“Voto
Trata-se de representação formulada pelo Procurador do MP/TCU Sergio Caribé, a respeito de possíveis irregularidades ocorridas na extinta Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República (SAC/PR) e no Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPAC), no contexto de diversos editais de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) lançados pelo Governo Federal para subsidiar a modelagem de futuras concessões.
Este momento processual trata do monitoramento do cumprimento das determinações exaradas por meio do Acórdão 273/2016-Plenário, transcritas a seguir:
“9.2. determinar à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República – SAC-PR – que:
9.2.1. proceda à divulgação dos critérios de avaliação e seleção que serão utilizados pela respectiva comissão julgadora;
9.2.2. encaminhe a esta Corte de Contas a memória de cálculo bem como os respectivos critérios adotados para estabelecer os montantes nominais para ressarcimento dos estudos técnicos selecionados para os aeródromos de Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Porto Alegre/RS e Salvador/BA, conforme divulgado pelos “Avisos de Homologação e Adjudicação Concorrência nº 6/2015” (DOU – Seção 3, de 4/12/2015, p. 3) e “Edital nº 2, de 11 de dezembro de 2015 – Aprovação de Estudos” (DOU – Seção 3, de 14/12/2015, p. 3) ;
(…)
9.4. determinar à SeinfraAeroTelecom que:
9.4.1. avalie se os parâmetros utilizados para o cálculo dos valores de ressarcimento pelos estudos e projetos dos aeródromos de Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Porto Alegre/RS e Salvador/BA estão fundamentados em dados objetivos, vinculados aos respectivos custos de elaboração dos estudos selecionados, incluindo margem de lucro compatível com a natureza do serviço e com os riscos envolvidos e baseados em preços de mercado, para serviços de porte e complexidade similares;
9.4.2. caso os aludidos cálculos dos valores de ressarcimento não tenham sido efetuados conforme o item 9.4.1, verifique a oportunidade e conveniência de propor à SAC-PR a retificação desses valores;”
A SeinfraRod concluiu que os subitens 9.2.1 e 9.2.2 do Acórdão 273/2016-Plenário foram cumpridos pela antiga SAC/PR, conforme os documentos juntados às peças 184 e 185.
Quanto ao disposto no subitem 9.4.1, a unidade técnica entendeu que os parâmetros utilizados para cálculo dos valores aprovados para eventual ressarcimento foram fundamentados em dados objetivos.
Avaliou que, para o cálculo do valor final aprovado, foi utilizada a equação paramétrica descrita na Nota Técnica 1/2015/CAE/SAC-PR (peça 185, p. 6-8), cujas variáveis são fatores de execução e de qualidade dos trabalhos apresentados. A memória de cálculo do valor final aprovado foi apresentada à peça 185, p. 24-26 e 30-89.
Os custos de elaboração dos estudos e projetos declarados no momento do requerimento da autorização, nos termos do item 4.1.5 do Edital de Chamamento Público de Estudos 1/2015 (peça 1, p. 14-26) , teriam sido expressamente considerados na equação paramétrica utilizada, sob a denominação PR (peça 185, p. 8) . Portanto, os parâmetros utilizados para o cálculo dos valores de ressarcimento estariam vinculados aos custos de elaboração dos respectivos estudos selecionados.
A SeinfraRod entendeu ainda que o cálculo dos valores de ressarcimento teria considerado margem de lucro compatível com a natureza do serviço e com os riscos envolvidos, e seria baseado em preços de mercado para serviços de porte e complexidade similares.
Por conseguinte, a unidade técnica, ao avaliar se os parâmetros utilizados para o cálculo dos valores de ressarcimento pelos estudos e projetos dos aeródromos de Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Porto Alegre/RS e Salvador/BA atendiam ao disposto no subitem 9.4.1 do Acórdão 273/2016-Plenário, concluiu “que tais parâmetros estavam fundamentados em dados objetivos, vinculados aos respectivos custos de elaboração dos estudos selecionados, e incluíram margem de lucro compatível com a natureza do serviço e com os riscos envolvidos e baseados em preços de mercado, para serviços de porte e complexidade similares”.
Feito esse breve histórico, passo a decidir
Quanto à determinação do item 9.4.1. do Acórdão 273/2016-Plenário, de acordo com a Nota Técnica 1/2015/CAE/SAC-PR (peça 185, p. 8) , a equação paramétrica utilizada para calcular os valores de ressarcimento pelos estudos e projetos aprovados foi a seguinte:
(…)
A equação indica que o valor de ressarcimento dos estudos e projetos foi calculado, considerando os itens efetivamente atendidos em cada um dos quatro relatórios exigidos no item 6.1 do edital (estudo de mercado; estudos de engenharia e afins; estudos ambientais; avaliação econômico-financeira), representados pela variável FEj, ponderados pelo fator de qualidade FQj, cujas memórias de cálculo constam na Nota Técnica 3/2015/CAE/SAC-PR, peça 185, p. 22-88.
Toda a primeira parte da equação, entre parênteses, , foi concebida para aferir uma “nota” para os estudos apresentados, levando em conta os respectivos itens atendidos (FEj) e a qualidade do estudo apresentado para cada item (FEj) .
Essa nota foi ponderada pela representatividade, em termos monetários, de cada um dos quatro estudos em relação ao somatório de seus valores, nos termos do fator ( da equação.
A variável PR, embora denominada “descrição dos custos previstos relativo ao relatório em questão conforme item 4.1.5 do Edital CPE nº 001/2015”, não é uma descrição, e sim, o valor de ressarcimento pela elaboração de cada um dos quatro relatórios, solicitado pelas empresas no momento de sua habilitação.
Por conseguinte, a variável foi utilizada apenas para ponderar as “notas” de cada um dos quatro relatórios apresentados.
O somatório das “notas” dos quatro relatórios resulta em um fator de correção, representado por o qual foi então multiplicado pelo PI (valor total de ressarcimento solicitado pela empresa no momento da habilitação), obtendo-se, assim, o valor de ressarcimento aprovado.
Embora não tenha sido evidenciado na fórmula, o valor do PI, que é efetivamente a base de cálculo para os valores de ressarcimento aprovados, é o somatório dos valores de ressarcimento solicitados para cada relatório. Como os valores do foram estabelecidos, por cada empresa, conforme “os custos inerentes a cada relatório mencionado no item 6.1, por aeroporto, observado o disposto no item 9.5, e ainda as atividades relacionadas ao item 10.13” (peça 1, p. 17 e 18) , os valores de ressarcimento aprovados estariam vinculados aos custos de elaboração dos respectivos estudos e projetos.
Porém, não consta, dos autos, que a SAC-PR tenha, em algum momento, avaliado os valores de ressarcimento solicitados (PR), com base em parâmetros fundamentados nos custos de elaboração dos estudos e projetos.
Conforme a Nota Técnica 09 DERC/SPR/SAC-PR (peça 41, p.11 e 12), item “Descrição dos custos previstos para a elaboração dos estudos, discriminados de forma a permitir, caso sejam aproveitados, análise com vistas a seu futuro ressarcimento”, a SAC-PR verificou apenas se o item 4.1.5 do edital foi integralmente cumprido pelas empresas, ou seja, se houve a indicação do valor do ressarcimento pretendido, acompanhado de informações e parâmetros utilizados para a sua definição, bem como dos custos inerentes a cada relatório, por aeroporto.
Conforme a Nota Técnica, o pleito das empresas que não atenderam ao requisito foi indeferido. Porém, não consta dos autos, que os parâmetros utilizados para calcular esses valores, definidos pelas empresas que tiveram seus pleitos aprovados, tenham sido avaliados ou criticados objetivamente.
Por sua vez, o valor total de ressarcimento solicitado pela empresa no momento da habilitação (PI) foi apreciado somente no momento da habilitação das empresas, segundo o critério definido pelo item 7.3 e subitens do Edital de Chamamento Público de Estudos 1/2015 (peça 1, p.17 e 18) , transcrito a seguir:
“7.3. O valor nominal máximo para eventual ressarcimento pelo conjunto de projetos, levantamentos, investigações e estudos técnicos para cada um dos aeroportos constantes do item 1 do presente Edital, de acordo com o inciso II, §5° do art. 4° do Decreto n° 8.428/2015, não poderá ultrapassar 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) do valor total estimado dos investimentos necessários à implementação da concessão de cada aeroporto e será ainda limitado a:
(…)
Conforme o voto que acompanha o Acórdão 273/2016-Plenário, objeto dessa análise, para aferir os valores dos itens 7.3.1 a 7.3.4 supracitados, a SAC-PR tomou por base os montantes de ressarcimento pelos estudos e projetos aprovados para os aeroportos do Galeão (SBGL) e de Confins (SBCF) , cujo cálculo foi realizado por meio da equação definida pela Nota Técnica 02/2013/GTAE/SAC-PR (peça 37, p. 219-221) . Não fundamentou tecnicamente as similaridades e diferenças entre os referidos aeródromos e aqueles objetos do PMI em análise. Tampouco justificou tecnicamente o percentual de 75% aplicado sobre os valores de ressarcimento de projetos aprovados para SBGL e SBCF, adotados como teto do valor de ressarcimento dos projetos dos aeroportos de Florianópolis e de Porto Alegre.
Ademais, a fórmula utilizada para o cálculo dos valores de ressarcimento pelos estudos e projetos aprovados para SBGL e SBCF é idêntica àquela utilizada para o cálculo dos valores de ressarcimento dos estudos e projetos aprovados para os aeródromos ora analisados, a qual, como já demonstrado, não critica os parâmetros utilizados para calcular os valores de ressarcimento definidos pelas empresas que tiveram seus pleitos aprovados.
Portanto, embora entre os parâmetros utilizados para o cálculo dos valores de ressarcimento, esteja a variável PI, que deveria ter sido calculada, pelas empresas, com base nos custos de elaboração dos estudos selecionados, conforme comando do edital, não consta, dos autos, que esses cálculos tenham sido efetivamente realizados da maneira exigida.
Dessa forma, ao contrário do que concluiu a SeinfraRod, não há como afirmar que os parâmetros utilizados para o cálculo dos valores de ressarcimento pelos estudos e projetos dos aeródromos de Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Porto Alegre/RS e Salvador/BA estão fundamentados em dados objetivos, vinculados aos respectivos custos de elaboração dos estudos selecionados, incluindo margem de lucro compatível com a natureza do serviço e com os riscos envolvidos e baseados em preços de mercado, para serviços de porte e complexidade similares.
(….) A fim de aferir se os valores de ressarcimento aprovados são adequados, a SeinfraRod utilizou como referência o montante de reembolso para o desenvolvimento de estudos classificados como um solicited proposals, os quais são apontados em trabalhos coordenados pelo Banco Mundial como “similares” ao PMI brasileiro (PINHEIRO, A. C. et al. Estruturação de Projetos de PPP e Concessão no Brasil: Diagnóstico do modelo brasileiro e propostas de aperfeiçoamento. São Paulo. 2015) .
Concluiu que os valores aprovados de ressarcimento dos estudos e projetos são compatíveis com as referências pesquisadas (percentual fixo de 1% do investimento previsto, na Argentina; até 1%, na Costa Rica; até 10%, na Indonésia; média de 2,6%, no Reino Unido), pois representariam menos de 1% do valor total para os investimentos necessários à cada aeródromo (Capex) , estimado pela administração pública.
(…)
Avalia a SeinfraRod que as referências internacionais estudadas podem ser consideradas confiáveis e levam em conta, intrinsecamente, a margem de lucro, os riscos e os preços de mercado para serviços de consultoria assemelhados. Concluiu que os valores de ressarcimento aprovados consideram margem de lucro compatível com a natureza do serviço e com os riscos envolvidos e que estariam de acordo com preços de mercado para serviços de porte e complexidade similares.
Por essa razão, entende não haver necessidade de os valores de ressarcimento dos projetos e estudos serem retificados.
Alinho-me à avaliação da SecexRod. Ante os estudos e comparações efetuados, não é conveniente ou oportuno que os valores de ressarcimento pelos estudos e projetos aprovados sejam modificados.
Acrescento que a baixíssima representatividade dos valores de ressarcimento de estudos e projetos aprovados em relação à estimativa de investimentos necessários aos aeródromos (Capex), denota que esses montantes terão impacto insignificante sobre os valores de máximos de outorga que constarão nos editais de licitação de concessão dos aeródromos.
IV Uma vez que foram cumpridas as determinações contidas nos itens 9.2 e 9.4 do Acórdão 273/2016-Plenário e não há razão para retificação dos valores de ressarcimento pelos estudos e projetos aprovados para os aeródromos de Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Porto Alegre/RS e Salvador/BA, determino o arquivamento destes autos, nos termos do art. 169, inciso V, do RI/TCU.(…)’’ (negritos de ora)
Da leitura dos acórdãos supra chegamos em síntese a cristalina conclusão de que em sede de PMI: “os valores de ressarcimento aprovados devem considerar a margem de lucro compatível com a natureza do serviço e com os riscos envolvidos e que estejam de acordo com preços de mercado para serviços de porte e complexidade similares.”
II.2 DOUTRINA
O âmbito de aplicação do decreto
Um primeiro ponto a ser destacado diz respeito às hipóteses de aplicação do decreto. A conjugação dos artigos 1º e 2º conduzem ao entendimento de que a normativa é dirigida à órbita federal. Não há inovação sob este aspecto, mas existem regras novas para delimitar as hipóteses em que o PMI será aplicável.
A norma anterior restringia o uso de PMI à escolha de contribuições aptas a serem utilizadas em parcerias público-privadas. O decreto 8.428 passa a admitir o PMI em outras situações. Autoriza a colheita de contribuições para empreendimentos que constituam objeto não apenas de parcerias público-privadas, mas também de concessão ou permissão de serviços públicos, de arrendamento de bens públicos ou de concessão de direito real de uso (art. 1º).
Um dos efeitos da ampliação do uso da PMI reside na alteração parcial da competência para determinar a sua instauração e regular o seu processamento.
Antes titular exclusivo de tais atribuições, o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal (CGP) permanece delas imbuído no tocante às parcerias público-privadas federais. Cabe a tal órgão gerir as atividades de planejamento de PPPs e determinar os procedimentos de licitação e contratação, conforme as competências definidas no decreto Federal 5.385/05.
Cabe pontuar que com a nova normatização promoveu-se a descentralização da competência para manejar o PMI. Para as demais hipóteses referidas no art. 1º do decreto, estabelece-se que caberá, em cada caso, à “autoridade máxima” ou ao “órgão colegiado máximo do órgão ou entidade da administração pública federal competente” proceder à licitação do empreendimento correspondente ao objeto do PMI (art. 2º).
As hipóteses de restrição a utilização do PMI
Por sua vez os incisos do art. 1º, §3º, do decreto delimitam exceções à aplicação das normas do regulamento.
O inciso I estabelece que procedimentos previstos em legislação específica não serão alcançados pelo novel decreto. Há menção ao art. 28 da lei 9.427/96, que diz respeito à sistemática de realização de estudos, anteprojetos ou projetos de aproveitamento de potencial hidrelétrico dirigidos à ANEEL. Desse modo, a normativa observa a autonomia das estruturas regulatórias que já operam a lógica que inspira o PMI a partir das regras peculiares vigentes em cada setor.
O inciso II traz hipóteses em que o PMI não será aplicado, a depender da identidade do sujeito responsável pela elaboração dos projetos, levantamentos, investigações ou estudos.
Vemos que as contribuições de organismos internacionais integrados pelo Brasil não se sujeitarão ao PMI. Infere-se que o decreto visa a preservar aspectos específicos (inclusive no tocante aos canais de financiamento) decorrentes do relacionamento da Administração Pública com entidades internacionais. De outro lado, prevê-se que as contribuições de “autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista” também não se sujeitarão ao procedimento estabelecido no decreto.
Como se vê, o inciso II trata de situações em que as contribuições oferecidas pelas entidades referidas no decreto serão processadas individual e diretamente, sem o cotejo com outras alternativas.
Observamos que a aplicação do dispositivo pode gerar disputas, sobretudo em relação às empresas estatais que atuam em regime de mercado – e, portanto, submetem-se ao princípio da igualdade de condições com a iniciativa privada (art. 173 da Constituição Federal). Podem surgir questionamentos relacionados ao tratamento diferenciado das contribuições oferecidas por essas entidades, na medida em que se afastará o procedimento de seleção com a possibilidade de participação paritária de outros sujeitos. Tais questionamentos, no entanto, são quase nulificados se todo o procedimento for efetivado de forma robusta, transparente e com documentação apta a demonstrar a vantajosidade à Administração da opção pelo PMI.
A PNS – proposta não solicitada ou o PMI provocado
Outro aspecto que inovou em face da disciplina anterior diz respeito à expressa autorização para que a iniciativa privada provoque a esfera estatal competente a analisar um projeto de interesse público (art. 3º). Com a nova norma qualquer sujeito privado pode suscitar a decisão de instaurar o PMI. Trata-se do que se convencionou chamar de proposta não solicitada – PNS, ou de “manifestação de interesses da iniciativa privada” – MIP, já admitida de modo expresso pela disciplina normativa de outras esferas federativas diversas da federal.
O antigo decreto 5.977 autorizava o uso do PMI apenas para “modelagens de parcerias público-privadas já definidas como prioritárias no âmbito da administração pública federal”. Assim, definia-se que a iniciativa de instaurar o PMI seria necessariamente incumbência do CGP.
Com a nova disciplina normativa, preveem-se requisitos específicos para a proposta de abertura de PMI, quando resultante de iniciativa de sujeito privado: a iniciativa deverá descrever o projeto, detalhar as necessidades públicas que serão atendidas e o escopo das contribuições que constituirão o objeto do PMI (art. 3º, parágrafo único).
Veja-se que não se trata da possibilidade de o próprio sujeito privado instaurar o PMI. Ao contrário, também nesse caso caberá ao órgão ou ente administrativo encarregado de conhecer o pedido promover a análise sobre a conveniência acerca do empreendimento descrito e sobre a própria instauração do PMI. Eventualmente, a solicitação privada poderá ser rejeitada, visto que, conforme dispõe o art. 1º, §1º, do decreto, a decisão sobre a instauração do PMI é facultativa. Em qualquer caso, e como decorrência do direito de petição, tanto o acolhimento quanto a eventual rejeição da provocação privada deverá ser motivada.
Seria possível debater em que medida o decreto 8.428 efetivamente inovou em relação à matéria. Na vigência do decreto 5.977, não havia propriamente uma vedação à PNS, compreendida enquanto derivação do direito de petição. O decreto revogado estabelecia apenas que o PMI seria adotado estritamente para contribuições relacionadas às PPPs já definidas como prioritárias – mas não impedia que houvesse iniciativa anterior, por algum agente privado, para subsidiar a própria definição das PPPs classificadas como prioritárias.
Em qualquer caso, o decreto 8.428 representa um avanço por minudenciar a forma pela qual as iniciativas serão aportadas pelos agentes privados.
O conteúdo do edital e a delimitação do objeto do PMI
Ademais, o decreto 8.428 pormenoriza a disciplina sobre o conteúdo do edital de chamamento dos interessados em participar do PMI. Dentre os vários aspectos a serem considerados, destacam-se alguns a seguir.
Antes, previa-se que o edital deveria dispor sobre as informações necessárias para caracterizar basicamente (1) o escopo das contribuições pretendidas, (2) o prazo máximo para apresentação das contribuições e o valor teto para ressarcimento das contribuições afinal escolhidas e (3) o valor máximo da contraprestação pública admitida no âmbito da PPP correspondente (art. 2º, §1º, I a III, do decreto 5.977).
De um modo geral, o art. 4º do decreto 8.428, nos incisos I e II, reitera essas determinações. Mas, vai além ao estabelecer que o edital deve possibilitar a divulgação: (1) das “informações públicas disponíveis para a realização” das contribuições (art. 4º, III); e (2) dos critérios para qualificação, análise, aprovação e seleção tanto dos requerimentos de autorização quanto das contribuições que serão afinal apresentadas pelos sujeitos então aprovados a tanto.
Aqui cabe pontuar que mesmo durante a vigência do decreto 5.977 e a despeito de previsão normativa expressa, o edital de chamamento do PMI já deveria conter os critérios de seleção dos sujeitos interessados e das contribuições.
De todo modo, as novas disposições apresentam inegável relevância. A uma porque acabam com eventuais disputas sobre a questão. A duas porque já avançam na definição de alguns critérios, ainda que gerais, para delimitar o exame das contribuições (art. 10). A três, porque apontam para uma maior seriedade na postura do órgão ou ente promotor do PMI, à medida que se lhe atribui o dever de divulgar (todas) as informações públicas disponíveis e de preestabelecer os parâmetros que nortearão a conduta de todos os envolvidos no procedimento. Tende-se, assim, a conferir maior precisão e segurança às expectativas em torno do processamento do PMI.
Ainda em relação ao conteúdo do edital, o decreto 8.428 prevê uma importante inovação. O edital do PMI poderá condicionar o ressarcimento da contribuição “à necessidade de sua atualização e de sua adequação, até a abertura da licitação do empreendimento” (art. 4º, §6º).
Essa atualização ou adequação poderá derivar de algumas circunstâncias supervenientes à formulação da contribuição, que são relacionadas de modo exemplificativo pela norma. São elas: (1) alteração de premissas regulatórias e de atos normativos aplicáveis, (2) recomendações e determinações dos órgãos de controle; ou (3) contribuições provenientes de consulta e audiência pública.
Ante tal regra temos que o condicionamento do ressarcimento à eventual atualização ou adequação da proposta não é imperativo. O decreto 8.428 é claro ao estabelecer que o edital “poderá” prever essa condição.
Ademais se houver condicionamento do ressarcimento poderá ter efeitos diretos sobre o interesse da iniciativa privada na participação em um PMI.
Sob um certo ângulo, a participação da iniciativa privada poderá ter uma complexidade adicional, uma vez que o sujeito que apresenta a sua contribuição ainda poderá ter de atualizá-la e adaptá-la a uma série de circunstâncias futuras, de conteúdo incerto. Isso poderá demandar uma série de retrabalhos, sob pena de não obtenção do ressarcimento.
Sob outro ângulo, contudo, a participação do interessado nessas atualizações e adaptações apresenta algumas vantagens, e pode não ser um fator necessariamente negativo. Afinal, se há um efetivo interesse na elaboração de uma contribuição, esse mesmo interesse em regra permanecerá para a realização das adaptações e atualizações que se mostrarem necessárias para que o projeto de empreendimento realmente seja licitado. Ademais, a incerteza relacionada à dimensão dos encargos que seriam assumidos nas futuras atualizações é em alguma medida compensada pela previsão de que o ressarcimento inicialmente estipulado poderá ser complementado (art. 15, § 6º).
É importante também que haja clareza a respeito dessas hipóteses no edital da PMI, de modo que o interessado tenha condições de saber, de modo objetivo, quando o seu ressarcimento será condicionado.
A última observação sobre o dispositivo é que ele não estabelece propriamente um dever do interessado em realizar as adaptações e atualizações de sua contribuição. Apenas se condiciona o seu ressarcimento à tomada de certas providências. A rigor, o interessado poderia simplesmente deixar de promover atualizações e adaptações. Com isso, perderá o direito ao ressarcimento, mas não será propriamente sancionado em virtude dessa conduta. Em suma, considera-se haver aí um ônus, e não um dever jurídico em sentido próprio.
Indicação do valor do ressarcimento pretendido
O art. 5º, inciso IV, do decreto 8.428 prevê que o requerimento de autorização para apresentação de contribuição deverá conter a “indicação de valor do ressarcimento pretendido, acompanhado de informações e parâmetros utilizados para sua definição”.
Diante do prazo relativamente exíguo para a apresentação do requerimento, a disciplina do decreto poderá ampliar os custos de transação dos interessados. Isso porque, em certas situações, será extremamente difícil definir um valor de ressarcimento que seja adequado, ainda mais se ele precisa ser acompanhado de um embasamento objetivo. Essa situação poderá levar ao subdimensionamento dos custos (com a consequente limitação da contribuição a ser ofertada), ou à ampliação de uma margem dentro da qual o interessado poderá trabalhar (havendo, portanto, um possível ressarcimento mais ampliado).
Possibilidade de associação de interessados
O art. 5º, nos §§ 3º e 4º, estabelece a possibilidade de interessados se associarem para a apresentação de contribuições, bem como contempla a alternativa de o autorizado contratar terceiros – sem prejuízo, evidentemente, de suas responsabilidades previstas no edital de chamamento público do PMI.
Estas previsões são uma novidade em relação ao decreto anterior.
Realização de reuniões prévias com os interessados em sede de chamada pública. Necessidade de observância pontual dos princípios de direito público tais como publicidade, isonomia e moralidade dentre outros.
O art. 8º do decreto 8.428 estabelece que o Poder Público poderá realizar reuniões com a pessoa autorizada e quaisquer interessados na realização de chamamento público, sempre que entender que possam contribuir para a melhor compreensão do objeto e para a obtenção de projetos, e estudos mais adequados aos empreendimentos.
Não há nenhuma previsão de publicidade para a realização dessas reuniões, nem se contempla regra determinando a comunicação aos outros autorizados ou interessados. A ausência de normas nesse sentido exigirá algum esforço de interpretação para que as reuniões possam ser realizadas, uma vez que importantes para certas definições, mas de modo compatível com os princípios que regem a atuação da Administração Pública. Ou seja, devem ser buscadas as finalidades contempladas pela norma, o que exige certa flexibilidade, mas sem comprometer a transparência. A solução concreta poderá variar caso a caso.
Possível de participação em futura licitação e contratação
A previsão do art. 18, §§ 1º e 2º, do decreto 8.428 aduz que os “autores” ou “responsáveis economicamente” pelas contribuições oferecidas poderão ser impedidos de participar na futura licitação ou execução das obras ou serviços, caso haja essa vedação no edital de abertura do chamamento público do PMI.
A regra gera algumas dúvidas na boa doutrina quanto à sua compatibilidade com a lei, uma vez que há permissão legal ampla de participação. A questão ainda demanda uma reflexão mais aprofundada dos operadores do direito e dos tribunais. A princípio entendemos que qualquer vedação a participação em licitação e contrato deve restar robustamente fundamentada. O princípio da competitividade e da supremacia do interesse público devem ser ponderados no caso concreto.
A letra da lei deixa margem a dúvidas.
A primeira diz respeito à figura do “responsável econômico” pela contribuição. A norma não esclarece exatamente em que consiste o “responsável econômico”. A denominação empregada pelo decreto é extremamente ampla e imprecisa.
Há ainda outra dúvida acerca do entendimento correto da lei, que diz respeito à efetiva previsão no edital de chamamento do PMI. Partindo-se do pressuposto de que a previsão do decreto é compatível com a lei, ela poderá ser alterada pelo edital? Será válido, por exemplo, que o edital do PMI estabeleça que não será considerado “responsável econômico” o simples financiador do projeto, ou que a vedação à futura participação na licitação abrangerá empresas até determinado nível da cadeia de um grupo econômico? Temos que tais pontos não podem ser definidos em sede de edital razão pela qual o edital deve ser conservador e se ater a lei e ao decreto regulamentador.
Como observamos, as previsões contidas no art. 18 do decreto 8.428 demandam um esforço interpretativo, para que se possa compatibilizar os objetivos da norma sem que se crie insegurança jurídica ou desestímulos à participação em um PMI.
DIREITO A RECURSO NA NOVA SISTEMÁTICA DO PMI
O decreto anterior o de nº 5.977 previa que as decisões de avaliação e seleção das contribuições não ficariam submetidas a recursos administrativos “quanto ao seu mérito” (art. 11). Conquanto não tenha consagrado de modo expresso o direito ao recurso, o novo decreto não repetiu a vedação do regime anterior o que entendemos ser um grande avanço. Assim, inferimos que os atos praticados pelo ente estatal ficarão sujeitos ao regime geral de controle dos atos administrativos, do que decorre também o direito ao recurso administrativo.
Célio Nunes Leite é advogado da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco – Chesf/Eletrobrás, pós graduado em Direito Público e Consultor em Direito Administrativo e Empresarial.