Estudo Técnico Preliminar: A Importância da Descrição da Necessidade para a Realização de um Estudo Eficaz
- 14 de julho de 2023
- Posted by: Inove
- Category: Conteúdos
A nova lei de licitações chegou cheia de novidades, dentre elas a obrigatoriedade de elaboração de estudo técnico preliminar como forma de subsidiar a elaboração do futuro anteprojeto, do termo de referência ou do projeto básico.
Essa novidade certamente é uma das barreiras que ainda impedem alguns órgãos públicos de aplicarem o novo regime jurídico, especialmente prefeituras e câmaras municipais.
De longe, uma das tarefas mais complexas na hora de elaborar um estudo técnico preliminar é a descrição da necessidade, seja pela confusão que se faz entre o objeto da futura licitação, seja pela dificuldade de o agente público realmente conhecer sua necessidade e da problemática a ser resolvida.
Analisando dezenas de ETPs disponíveis no sistema ETP Digital do Governo Federal e diversos outros disponíveis na internet, é possível identificar um padrão comum entre eles, vários possuem o objeto a ser licitado no lugar da real necessidade do órgão, ou seja, a descrição da necessidade acaba sendo uma descrição da solução.
De fato, é difícil separar uma coisa da outra, você pode estar se perguntando. Tá, mas qual a diferença mesmo?
Para ilustrar melhor o que eu desejo trazer à luz, veja o seguinte exemplo.
Um órgão público todos os anos realiza licitação para Aquisição de Material de Limpeza. Até aí tudo bem. Porém, o setor requisitante resolve elaborar um ETP para realização do processo de contratação este ano e ao iniciar o ETP, o servidor começa a descrever a necessidade de uma maneira semelhante a esta: “Este documento trata-se de estudo técnico preliminar, visando a contratação de empresa especializada em fornecimento de material de limpeza …”.
Ao iniciar a descrição de sua necessidade desta forma, o agente acaba de “matar” seu ETP!
Qual a real necessidade desse órgão público?
Será que é mesmo a contratação de empresa para Fornecimento de Material de Limpeza? Ou será que é realizar a Manutenção da Limpeza e Higiene dos Setores Administrativos do Órgão?
Evidente que a necessidade do órgão é realizar a manutenção da limpeza dos setores administrativos, o fornecimento de material de limpeza está mais relacionado a uma das possíveis soluções a serem adotadas.
Por isso afirmo que, ao iniciar a descrição de sua necessidade desta forma o agente “matou” seu estudo técnico preliminar, pois ele já está decidindo qual a solução ele deseja para atender a sua necessidade.
Antes de iniciar um estudo técnico preliminar o agente deve se “desprender” de tudo que é realizado em seu órgão, pois o objetivo é encontrar a melhor solução para atender a sua necessidade, considerando o problema a ser resolvido.
Como forma de exercício, vamos tomar o exemplo acima e realizar três perguntas:
1. Qual o problema a ser resolvido?
Em decorrência das rotinas administrativas e o fluxo de servidores e usuários dos serviços públicos os ambientes acumulam sujeira, que se não forem limpos com regularidade, podem afetar a saúde dos servidores e usuários dos serviços púbicos.
2. Considerando o problema a ser resolvido, qual a minha necessidade?
Diante da constante movimentação de servidores e usuários dos serviços públicos nas áreas administrativas do órgão, se faz necessária a realização da manutenção da limpeza de forma a garantir a higiene do órgão e assegurar a saúde dos servidores e usuários dos serviços públicos.
3. Qual o interesse público envolvido na solução meu problema?
Órgãos públicos limpos e bem conservados garantem um ambiente de trabalho salubre e confortável para os servidores e usuários dos serviços públicos. Além de transparecer uma boa imagem organizacional, garantem a saúde dos envolvidos, atendendo dessa forma o interesse público de uma boa prestação de serviço público aos cidadãos.
Vamos agora fazer um paralelo entre as três perguntas e o que diz o texto da Lei.
A Lei 14.133/2021 em seu art. 18, parágrafo 1º, inciso I diz que o primeiro item do ETP é a descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público.
Notemos que, ao responder a essas três perguntas o agente possui subsídios suficientes para dar início a uma boa e detalhada descrição de sua necessidade, considerando o problema a ser resolvido sob o prisma do interesse público.
Partindo daí, o agente está pronto para dar andamento as demais etapas da elaboração de seu ETP, bem como para estabelecer os requisitos de sua contratação, avaliar as opções disponíveis no mercado e outros, e que trataremos em outra oportunidade.
Para que o agente possa realizar um bom estudo técnico, é de suma importância que ele entenda primeiro o objetivo do estudo.
Costumo sempre dizer que tudo tem um “por que”, e é necessário entender o “por que das coisas”. Independente do que se está fazendo, essa compreensão do “por que das coisas” nos ajudará a realizar de maneira mais eficiente nossas tarefas, e neste caso, compreender o “por que” do ETP é crucial para realizarmos de fato um estudo, em vez de simplesmente “cumprir tabela”.
O objetivo do ETP é justamente buscar a solução que melhor se encaixa na solução do nosso problema.
Confesso que tive muita dificuldade de entender esse conceito, por mais simples que ele pareça, mas isso se confundia muito com a definição do objeto da contratação.
Vejamos o conceito trazido na própria Lei 14.133/2021:
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
[…]
XX – estudo técnico preliminar: documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação; (grifei)
O trecho que destaco é justamente o objetivo do ETP, que é a busca da melhor solução para o interesse público envolvido.
Voltando ao princípio desse artigo, ao iniciar o estudo técnico com o termo “Contratação de empresa para Fornecimento de Material de Limpeza”, o agente público já definiu a solução que ele deseja, ou seja, o fornecimento de material de limpeza.
Porém, essa pode não ser a melhor solução, existem outras soluções disponíveis no mercado para atendimento da necessidade desse órgão, sendo uma delas o fornecimento de material de limpeza.
Uma forma de perceber que a descrição de sua necessidade está direcionada ao objeto e não a real necessidade, é quando ela já possui termos como “Contratação de empresa para Fornecimento…” ou “Contratação de empresa para Prestação de Serviço…” ou ainda “Locação de …”, tais termos geralmente estão ligados a solução do que a necessidade.
Podemos ainda citar mais alguns exemplos para facilitar a compreensão, como o objeto Fornecimento de Impressoras, a real necessidade é a garantir que os documentos públicos sejam impressos e as soluções poderiam ser a aquisição de equipamentos, a locação dos equipamentos ou ainda a contratação de serviços de outsourcing.
O objeto locação de veículos, a real necessidade pode ser o transporte de servidores, pacientes, ou até mesmo de cargas, e as possíveis soluções poderiam ser a locação de veículos, que poderia ser com ou sem motorista, como poderia ser a aquisição de veículos, ou até mesmo a contratação por demanda.
Desta forma, identificar o real problema ajudará a definir melhor a necessidade a ser descrita e por final, a identificar a melhor solução.
Portanto, considero que a etapa de descrição da necessidade é uma das mais importantes, se não a mais importante, para a elaboração de um estudo técnico eficaz, que atenda o seu objetivo e que ao final, definirá a melhor solução para atendimento do interesse público. Nesta etapa, o agente deve dedicar bastante atenção e tempo para garantir que todas as suas necessidades sejam expressas de maneira clara e que conduza à resolução do seu problema.
Leonardo Carvalho é advogado e pregoeiro oficial do Município de Itinga do Maranhão. Atualmente cursando MBA em Licitações e Contratos pelo Instituto Navigare. Atuando na área de licitações e contratos desde 2012, como Assessor Jurídico, Pregoeiro e Presidente de CPL. Fundador e CEO da Startup StartGov, um projeto voltado para a inovação na governança pública.