Lei n° 13.303/2016 – A ‘oportunidade de negócio’ não se confunde com ‘inexigibilidade de licitação’ – Institutos com natureza jurídica diversas
- 12 de novembro de 2021
- Posted by: Inove
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Um dos temas que vêm despertando a atenção no âmbito das estatais é a interpretação por alguns órgãos de controle ao novel instituto a legitimar a contratação direta, qual seja, a “oportunidade de negócio”, prevista no art. 28, §3º, inciso II da lei de nº 13.303/2016.
No que se refere às hipóteses de contratação realizadas pelo poder público e nisso se incluem as estatais, importa reconhecer que a regra geral quando há viabilidade de competição, é de que derivem de regular torneio licitatório, garantindo uma competição isonômica e justa a todos aqueles que pretendem manter vínculo contratual futuro com a Administração em sentido amplo.
Mas tal regra – em sede de estatais – não se aplica aos casos “em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo”, conforme disciplina o artigo 28, §3º, inciso II, da Lei 13.303/2016.
É que o torneio licitatório, como instrumento processual à disposição da Administração Pública, está associada à noção de tratamento isonômico. É dizer, a licitação existirá como valor jurídico respeitada a possibilidade de garantia de seleção isonômica da proposta mais vantajosa. Assim, para que seja viável a licitação, é indispensável, para além de ser possível a disputa, que haja, ainda, a seleção do interessado em razão de critérios objetivos de julgamento, pois apenas assim será possível garantir o esperado tratamento isonômico a viabilizar a competição.
É nesse contexto que o artigo 37, XXI, da Constituição da República fixa o que se convencionou denominar de princípio do dever geral de licitar. Da leitura desse dispositivo, resta claro que a licitação é instituto que consagra a ideia de competição, bem como as vantagens dela decorrentes.
No entanto realizar um torneio licitatório só faz sentido quando seja fática e juridicamente possível a competição. É dizer, nas hipóteses em que seja possível selecionar e cotejar entre propostas aptas a atender convenientemente o que a Administração deseja, a melhor vantagem para o preenchimento da utilidade ou necessidade pública a ser atendida.
Não por outra razão, as normas gerais vigentes sobre licitações e contratos (Lei 8.666/1993 [1] e Lei 14.133/2021), preveem casos em que o procedimento licitatório não deve ser exigido, mais especificamente, quando não se afigure oportuno (licitação dispensada ou dispensa de licitação) ou quando exista uma inviabilidade fática ou jurídica de competição (inexigibilidade de licitação) a impedir a realização do torneio licitatório. É o caso da contratação direta por dispensa ou inexigibilidade de licitação na sistemática de tais leis.
A mesma lógica atua em sede da Lei Federal nº 13.303/2016, que estabeleceu o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Assim, consideradas as peculiaridades dessas entidades, para além das hipóteses comuns de contratação direta, quais sejam, dispensa e inexigibilidade de licitação, estabelecidas no texto da Lei Federal nº 13.303/2016, nos seus artigos 29 e 30, o legislador foi ainda além, incluindo um ‘tertium genus’ de contratação direta em seu artigo 28, §3º:
“Artigo 28 — (…)
§3º. São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo nas seguintes situações:
I – comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput , de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais;
II – nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.
§4º. Consideram-se oportunidades de negócio a que se refere o inciso II do §3º a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente”.
A oportunidade de negócio é instituto de natureza jurídica diversa da dispensa e inexigibilidade de licitação. Seus motivos, fundamentação e lógica jurídica são distintas das espécies tradicionais de contratação direta. A contratação direta nos casos de existência de “oportunidade de negócio” é determinada pelas peculiaridades do parceiro privado e a natureza diferenciada do objeto, que permitem que a contratação seja realizada sem que seja observado o processo natural da licitação e, por consequência, nenhuma outra forma de disputa simplificada ou “chamamento público”.
Importa notar que o fato de o torneio licitatório ser dispensado não denota ausência de fornecedores, a exclusividade ou singularidade do objeto, a notória especialização do particular, ou envolve o valor da contratação ou uma urgência mas, unicamente ocorre em razão da impossibilidade de se definir critérios objetivos de cotejo da solução mais vantajosa para a satisfação do interesse público diante das características particulares do parceiro vinculadas à uma oportunidade de negócio. [2]
Ora, uma estatal no sistema jurídico brasileiro vive em ambiente concorrencial e tem que ser flexível e se utilizar de mecanismos e ‘boas práticas’ utilizadas por seus concorrentes para que seja competitiva. Essa é a essência da oportunidade de negócio. Ora, se uma eventual contratada atende da melhor forma possível a uma estatal e ao interesse público primário e secundário encarnado por esta e o objeto contratual tem vinculação com a atividade fim da estatal por qual motivo deveria ser vedada uma contratação direta? Tal proibição só traria prejuízos a estatal e uma posição de inferioridade ante outras empresas privadas concorrentes que não são obrigadas a licitar quando a melhor solução de contratação é nítida e pode ser robustamente demonstrada nos autos da contratação!
Assim, a parceria em função de uma ‘oportunidade de negócio’ depende preliminarmente de configuração inequívoca de possível estabelecimento de relacionamento comercial — ou seja, uma oportunidade de negócio, que poderá ser instituída em modelo associativo, societário ou contratual, conforme determina o §4º do artigo 28 da 13.303/2021. Adicionalmente, deve-se comprovar vantagem comercial à estatal, bem como que o parceiro escolhido possui condições peculiares que justificam a oportunidade de sua contratação em detrimento de outras empresas que atuam no mercado, sendo inviável (inviabilidade jurídica de competição e não fática) o estabelecimento de processo competitivo. Se a contratação direta for advinda unicamente de inviabilidade fática de competição, ou seja, só existe um fornecedor, é caso de inexigibilidade de competição e não de ‘oportunidade de negócio’.
O Tribunal de Contas da União já se manifestou sobre o tema, informando alguns critérios necessários para a adoção do mecanismo pelas estatais (Acórdão 2488/2018):
“117. Da leitura desse dispositivo legal, constato que a contratação direta da empresa parceira depende:
a) da configuração de uma oportunidade de negócio, o qual pode ser estabelecido por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do estabelecido no § 4º do artigo 28 da Lei das Estatais;
b) da demonstração da vantagem comercial que se espera advirá para a empresa estatal; e
c) da comprovação pelo administrador público de que o parceiro escolhido apresenta condições peculiares que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado; e
d) da demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo”.
Como se pode notar, a motivação do ato administrativo é o fator mais importante a justificar a celebração de uma oportunidade de negócio por uma estatal, eis que, após configurada a oportunidade, a entidade está obrigada a demonstrar de forma clara e precisa que o negócio que está sendo acordado é favorável para a estatal, demonstrando a particularidade do parceiro e a vantajosidade comercial para a empresa estatal, somente vista na efetivação daquela oportunidade de negócio.
Com isso, a motivação deve estar atrelada aos requisitos normativos, guardando correlação finalística com a legalidade, garantindo o controle externo e, especialmente, sendo suporte indispensável ao exercício da ampla defesa. Ou seja, a motivação para celebração do negócio deverá ser suficiente e robusta para demonstrar a sua vantajosidade, necessidade e adequação.
De acordo com o Tribunal de Contas da União, a parceria, ao ser avaliada por meio de critérios pré-estabelecidos e comparáveis entre as diversas possíveis propostas de negócios, deverá demonstrar possuir “uma superioridade competitiva, uma particularidade mercadológica ou uma estrutura administrativa tal que, ao ser cotejada com seus pares concorrenciais, não se permitiria ter qualquer dúvida quanto aos benefícios a serem obtidos com o estabelecimento dessa parceria em detrimento de outra qualquer.”
E tais características devem restar robustamente comprovada nos autos da contratação.
Neste sentido temos trecho adicional do retrocitado Acordão do TCU:
‘’São requisitos para a contratação direta de empresa parceira com fundamento no art. 28, § 3º, inciso II, da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais): a) avença obrigatoriamente relacionada com o desempenho de atribuições inerentes aos respectivos objetos sociais das empresas envolvidas; b) configuração de oportunidade de negócio, o qual pode ser estabelecido por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do art. 28, § 4º, da Lei das Estatais; c) demonstração da vantagem comercial para a estatal; d) comprovação, pelo administrador público, de que o parceiro escolhido apresenta condições que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado; e e) demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo, servindo a esse propósito, por exemplo, a pertinência e a compatibilidade de projetos de longo prazo, a comunhão de filosofias empresariais, a complementariedade das necessidades e a ausência de interesses conflitantes. Acórdão 2488/2018 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.’’
A LINDB E A MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Adicionalmente, observamos que essa é a postura exigida pela Lei nº 13.655/2018 (LINDB), que, notadamente em seus artigos 20, 21 e 22, traz a preocupação do legislador em relação à motivação de atos administrativos, inclusive em relação às circunstâncias fáticas e práticas que influenciam a tomada de decisão, e cujo intento é, justamente, “reduzir certas práticas que resultam em insegurança jurídica no desenvolvimento da atividade estatal”
Assim, é bastante lógico que, buscando motivar sua decisão, o gestor público que optar pela celebração de uma oportunidade de negócio, nos termos do artigo 28, §3º, inciso II, da Lei nº 13.303/2016, deve apresentar a contextualização dos fatos que justificam a oportunidade, nos termos dos fundamentos jurídicos aplicáveis de modo que, cumpridas tais exigências, não haverá o que se questionar pelos órgãos de controle, sendo a contratação perfeitamente válida e eficaz.
Cabe pontuar que desde que respeitados os critérios legais pela estatal e motivada efetivamente a oportunidade de negócio, cabe aos órgãos de controle apenas reconhecê-la como válida e não substituir o papel do gestor para criar hipóteses pré-contratuais ou anteriores que sequer foram exigidas por lei. O respeito aos critérios de escolha por oportunidade e conveniência dos gestores é fator fundamental para o desenvolvimento nacional e deve ser exaltado e respeitado pelos órgãos de controle como fundamento absolutamente necessário à consolidação da autonomia e independência entre os poderes, e livre exercício de atividade empresarial pelas estatais, o que é algo inerente ao direito empresarial hodierno pátrio.
INEXIGIBILIDADE DE COMPETIÇÃO E OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO SÃO INSTITUTOS DIVERSOS E DETENTORAS DE NATUREZAS JURÍDICAS DÍSPARES E DIFERENCIADAS.
Por fim, existem múltiplas diferenças entre a inexigibilidade de competição e a oportunidade de negócio. Tais institutos são diversos, díspares e claramente não se confundem.
Isto porque a ‘oportunidade de negócio’ prevista na lei nº 13.303/2016 necessita para sua configuração da conjugação e existência concomitante ou cumulativa de 3 fatores: 1. Inviabilidade jurídica de competição; 2. Na oportunidade de negócio a escolha do parceiro está associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas; 3. O objeto da contratação direta com fulcro na ‘oportunidade de negócio’ envolve a ‘comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas contratadas, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com o objeto social da estatal’.
No que se refere a inexigibilidade de competição o que se exige é unicamente a inviabilidade de competição, seja jurídica ou fática, robustamente comprovada no processo de contratação. Desta forma, a oportunidade de negócio é uma ‘inexigibilidade jurídica qualificada.’ Entender que os citados institutos se confundem não se sustenta pelos robustos motivos expostos e porque o legislador ”não erra” conforme primado jurídico ou princípio geral de direito. Assim, é prática ‘’’não técnica’’ e indevida que uma contratação direta fundada em oportunidade de negócio, seja denominada genericamente de ‘inexigibilidade de licitação’, que é instituto com natureza jurídica diversa e que contém finalidade díspar.
Célio Eduardo Nunes Leite é Advogado da CHESF ELETROBRAS. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau; Consultor em Licitação e Contratação Pública.
[1] Temporariamente em alguns casos.
[2] https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2019/08/Apresenta%C3%A7%C3%A3o-Licita%C3%A7%C3%B5es-para-Estatais-ELO-CONSULTORIA.pdf (Páginas 43 e 44) Acesso em 08.11.2021.