Vedada terceirização total de setores jurídico e contábil de sociedade de economia mista
- 2 de agosto de 2024
- Posted by: Inove
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Não é possível a terceirização, como um todo, dos setores jurídico e contábil das sociedades de economia mista (SEMs), pois neles estão compreendidos serviços de caráter rotineiro, ordinário ou comum dessas entidades. Mas o serviço de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas pode ser contratado por meio de inexigibilidade de licitação, desde que sejam serviços técnicos especializados e seja comprovada a notória especialização dos profissionais ou empresas contratadas.
Portanto, a contratação sob o regime de inexigibilidade de licitação não é possível para os serviços de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas de caráter rotineiro, ordinário ou comum.
Em relação ao departamento de contabilidade de sociedade de economia mista, a terceirização apenas é permitida para questões que exijam notória especialização, para atendimento de demanda de alta complexidade, com objeto específico e por prazo determinado. Caso contrário, pode ser caracterizada a violação às disposições do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal (CF/88) e do Prejulgado nº 6 do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).
De acordo com as disposições dos artigos 37, II, e 173, parágrafo 1º, II, da CF/88 as empresas públicas e as SEMs estão sujeitas predominantemente – não integralmente – ao regime jurídico de direito privado, em razão da sua derrogação parcial por normas de direito público, circunstância que gera reflexos em relação à terceirização de atividades.
Apesar das alterações trazidas pela Lei nº 14.039/20 serem aplicáveis às empresas públicas e às SEMs, nem elas e nem a supressão da menção à “natureza singular do serviço” trazida pelo texto das leis nº 14.133/21 e nº 13.303/16 implicam mudança significativa na sistemática das contratações de serviços técnicos especializados por meio de inexigibilidade de licitação.
Conforme tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 688267, com repercussão geral, as empresas públicas e as SEMs, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo.
Essa motivação deve consistir em fundamento razoável; mas não é necessário, obrigatoriamente, que ela se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista.
Esta é a orientação do Tribunal Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pela Companhia de Habitação Popular (Cohab) de Curitiba, por meio da qual questionou sobre a possibilidade de terceirização dos setores jurídico e contábil de SEM.
A consulente também indagou se seria possível a contratação de serviço de patrocínio ou defesa de causas judiciais e administrativas, desde que comprovada a notória especialização, por meio do regime de inexigibilidade de licitação.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) afirmou que é possível a contratação, em regime de inexigibilidade de licitação, do serviço de patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, desde que se refira a serviços técnicos especializados e seja comprovada a notória especialização dos profissionais ou empresas contratadas.
A unidade técnica ressaltou que é vedada a terceirização, como um todo, dos setores jurídico e contábil das SEMs, pois eles compreendem serviços de caráter rotineiro, ordinário ou comum dessas entidades. Além disso, destacou que a terceirização apenas é permitida para questões que exijam notória especialização e que sejam de alta complexidade, para objeto específico e por prazo determinado.
A CGM também salientou que, até que sobrevenha decisão em sentido contrário, deve prevalecer o entendimento fixado no RE nº 589.998 do STF, no sentido de que é vedada a dispensa imotivada dos empregados públicos das SEMs.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) concordou com o posicionamento da unidade técnica; e ressaltou que a submissão das empresas estatais a regime jurídico análogo ao das empresas privadas, ainda que em ambiente concorrencial, não autoriza o afastamento em bloco do regime jurídico de direito público.
Legislação e jurisprudência
O inciso II do artigo 37 da CF/88 dispõe que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
O inciso XVII desse mesmo artigo estabelece que a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.
O artigo 173 do texto constitucional expressa que, ressalvados os casos previstos na Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
O parágrafo 1º desse artigo fixa que a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. O inciso III desse parágrafo estabelece que esse estatuto deve dispor sobre licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.
O Prejulgado nº 6 do TCE-PR estabelece que consultorias contábeis e jurídicas são possíveis para questões que exijam notória especialização, em que reste demonstrada a singularidade do objeto, ou, ainda, para demanda de alta complexidade. Também fixa que nesses casos poderá haver contratação direta, mediante procedimento simplificado, desde que seja para objeto específico com o qual o prazo determinado deve ser compatível. Expressa, ainda, que as consultorias não podem ser aceitas para acompanhamento da gestão.
O parágrafo 2º do artigo 8º da Lei 13.303/16, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública e da SEM e de suas subsidiárias, fixa que quaisquer obrigações e responsabilidades que a empresa pública e a sociedade de economia mista que explorem atividade econômica assumam em condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado em que atuam deverão estar claramente definidas em lei ou regulamento, bem como previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-las, observada a ampla publicidade desses instrumentos; e ter seu custo e suas receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil.
A Lei nº 14.039/20, que modificou o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (Lei nº 8.906/1994) e o Decreto-Lei nº 9.295/46, que rege o Conselho Federal de Contabilidade, dispõe que os serviços profissionais de advogado e de contador, respectivamente, são por sua natureza técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização.
A alínea “e” do inciso III do artigo 74 da Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21) estabelece é inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de contratação dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, com profissionais ou empresas de notória especialização, para patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.
No julgamento do RE nº 688267, com repercussão geral, o STF fixou o Tema nº 2022, cujo enunciado expressa que “as empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista”.
O Acórdão nº 1.355/21 do Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) dispõe que a inexigibilidade de licitação não poder ser estendida indiscriminadamente a serviços comuns, devendo o gestor público atentar, ainda, para a necessidade de assegurar a compatibilidade dos preços com os valores de mercado. Além disso, fixa que a subsequente contratação direta, sem a prévia licitação, dever observar a existência de procedimento administrativo formal; a notória especialização profissional; a natureza singular do serviço; a demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do poder público; e a cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, acompanhou os posicionamentos da CGM e do MPC-PR como razão de decidir. Ele explicou que, embora as empresas públicas e as SEMs tenham personalidade jurídica de direito privado, o seu regime jurídico é híbrido, pois o direito privado é parcialmente derrogado por normas expressas de direito público.
Bonilha lembrou que o texto constitucional impôs às empresas públicas e SEMs a observância de normas de direito público quando lhes impôs, por exemplo, a exigência de concurso público para admissão de seu pessoal e a proibição de acúmulo de cargos, empregos e funções; e a obrigação de realizar licitação para a contratação de obras, serviços, compras e alienações.
O conselheiro afirmou que a Lei nº 13.303/16 estabeleceu os requisitos para quaisquer obrigações e responsabilidades que a empresa pública e a sociedade de economia mista que explorem atividade econômica assumam em condições distintas às de qualquer outra empresa do setor privado em que atuam.
O relator ressaltou que a Lei nº 14.039/20 fixou que os serviços profissionais de advogado e de contabilidade, respectivamente, são por sua natureza técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização. Assim, ele entendeu que não decorre da legislação aplicável a presunção de que todo e qualquer serviço profissional de advogado ou contador é técnico e singular; e, portanto, exige-se comprovação de sua notória especialização.
Bonilha também destacou que, apesar da Lei de Licitações não mais trazer a singularidade do serviço técnico especializado como requisito para a inexigibilidade da licitação, ela não renunciou à notória especialização do profissional contratado. Assim, ele concluiu que não é todo profissional advogado ou contador que poderá ser contratado diretamente, por inexigibilidade, pois a inviabilidade de competição só terá espaço quando o serviço contratado for de notória especialização.
O conselheiro lembrou que o Prejulgado nº 6 do TCE-PR estabeleceu regras gerais para contadores e assessores jurídicos para os poderes Legislativo e Executivo, autarquias, sociedades de economia mista empresas públicas e consórcios intermunicipais; e estabeleceu regras específicas para as consultorias contábeis e jurídicas.
O relator destacou, ainda, que a jurisprudência do STF é no sentido de que a dispensa de empregados públicos deve observar o princípio da impessoalidade, exigindo-se a exposição de suas razões.
Finalmente, Bonilha afirmou que o comando constitucional do concurso público obriga às empresas públicas e sociedades de economia mista. Assim, ele entendeu que a demissão de empregado público exige motivação, para preservar a impessoalidade na relação do empregado com o agente estatal investido do poder de demitir.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão Ordinária de Plenário Virtual nº 12/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 4 de julho. O Acórdão nº 1851/24 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 12 de julho, na edição nº 3.249 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).